quinta-feira, 24 de junho de 2010
200 anos de homeopatia e a Doutrina dos Espíritos
REFORMADOR EDIÇÃO INTERNET
23 REFORMADOR, ABRIL, 1997
A HOMEOPATIA - seu bicentenário
LAURO DE OLIVEIRA SÃO THIAGO
No ano de 1996 recém-findo completaram-se duzentos anos desde que surgiu no Mundo a
Doutrina Médica Homeopática, ou seja, a Homeopatia. Seu fundador, o médico alemão Cristiano Frederico Samuel Hahnemann, empreendia uma completa reforma na Medicina, verdadeiramente revolucionária, introduzindo conceitos novos em patologia e etiologia, em farmacodinâmica e em terapêutica; e, uma vez convencido, através de sérias observações e experiências, da veracidade desses conceitos, deles fez uma primeira exposição em artigo publicado na Revista Médica de seu antigo condiscípulo e amigo Huffeland, sob o título Ensaio sobre um novo princípio para descobrir as virtudes curativas das substâncias medicinais, seguido de alguns comentários sobre os princípios admitidos até nossos dias, e que Hahnemann publicou em 1796.
Marca, pois, esse ano o início da divulgação da Homeopatia que, portanto, em 1996 completou dois séculos de existência.
Para registro desse fato em REFORMADOR a Direção desta revista solicitou-nos escrevêssemos algo, o que estamos atendendo de muito bom grado, visto que há cinqüenta e seis anos praticamos a Clínica Médica Homeopática e temos por Hahnemann o maior reconhecimento, com a admiração e o afeto devidos a um Espírito que, seguramente, ao encarnar neste mundo trouxe importante missão, aqui deixando edificante exemplo de coragem e amor à verdade, com extraordinária dedicação ao bem da Humanidade.
Hahnemann nasceu na Alemanha, na cidade de Meissen, em 11 de abril de 1755, e desencarnou na França, em Paris (1843), na idade de 88 anos, depois de uma vida inteiramente devotada a interrogar a Natureza em busca de meios para restituir a saúde ao homem enfermo.
Dotado de invulgar inteligência, pôde fazer com facilidade uma elevada cultura, tendo vastos e profundos conhecimentos de ciências físicas e naturais e de línguas vivas e mortas. Era sábio em Química e em Mineralogia e versava o latim, o grego e o hebraico, o alemão e o inglês, o francês, o espanhol e o italiano, o sírio e o árabe. Freqüentou as Universidades de Leipzig e de Viena e doutorou-se finalmente em Medicina em Erlangen, aos 24 anos de idade, defendendo publicamente tese inaugural. Entregou-se desde logo ao exercício da profissão em várias cidades da Alemanha.
Aos 26 anos casou-se com Joana Leopoldina Henriqueta Küchler, com quem teve 11 filhos.
Publicou e traduziu várias obras notáveis de Química e Mineralogia e de Medicina e seus trabalhos granjearam-lhe renome no mundo sábio da época; investigadores do mundo inteiro o consultavam e entre eles o nosso patriarca José Bonifácio, que também era mineralogista e se correspondia com Hahnemann. Tais saber e renome fizeram que em pouco tempo a Academia de Medicina de Mayence e a Sociedade Econômica de Leipzig lhe abrissem as portas, sucessivamente.
Mais ainda, uma vasta clientela assegurava-lhe ganhos que lhe proporcionavam uma vida abastada e tranqüila. Tal era a situação de Hahnemann, gozando do melhor conceito no meio científico e social em que vivia, quando começaram a assaltar-lhe o espírito dúvidas a respeito do valor da Medicina de então, vazia de princípios racionais de cura, em cuja prática prevaleciam as medicações sintomáticas, os drásticos, os eméticos, os diuréticos e antitérmicos e onde abundavam os vesicatórios, o sedol, a mocha, as sangrias, as pontas de fogo e tantos outros verdadeiros instrumentos de tortura, que mais mal faziam aos enfermos do que bem. Era uma medicina que vivia ao sabor das discussões acadêmicas, de ordem puramente teórica, esquecida da verdadeira missão do médico, que é restituir a saúde ao homem enfermo. E a tal ponto chegou este desacordo no espírito de Hahnemann que, um dia, ante o espanto de sua numerosa clientela, resolveu abandonar a profissão médica.
Os seguintes trechos da carta que, então, ele escreveu ao Dr. Huffeland, médico de grande renome na época e seu antigo condiscípulo e amigo, traduzem bem o estado de espírito em que se encontrava Hahnemann ante as incertezas da Medicina:
- "Em torno de mim só encontro treva e deserto. Nenhum conforto para o meu coração
oprimido. Oito anos de prática, exercida com escrupuloso cuidado, fizeram-me conhecer a ausência de valor dos métodos curativos ordinários. Não sei, em virtude da minha triste experiência, o que se deve esperar dos preceitos dos grandes mestres. Talvez seja, entretanto, próprio da Medicina, como diversos autores já têm dito, não conseguirmos atingir a um certo grau de certeza. Blasfêmia! Idéia vergonhosa! (...) A infinita sabedoria do Espírito que anima o Universo não teria podido produzir meios de debelar os sofrimentos causados pelas doenças que Ele próprio consentiu viessem afligir os homens! A soberana paternal bondade Daquele que nenhum nome dignamente poderia designar e que largamente provê às necessidades de animálculos invisíveis, espalhando a vida e o bem-estar em toda a criação, seria capaz de um ato tirânico, não permitindo que o homem, criado à sua semelhança, com o sopro divino, pudesse encontrar, na imensidade das coisas criadas, meios próprios para desembaraçar seus irmãos de sofrimentos muitas vezes piores do que a própria morte?
Ele, o pai de tudo que existe, assistiria impassível ao martírio a que as moléstias condenam as mais queridas de suas criaturas, sem permitir ao gênio do homem, a quem facilitou a possibilidade de perceber e criar, de achar uma maneira fácil e segura de encarar as moléstias sob seu verdadeiro ponto de vista e de interrogar aos medicamentos para saber em que caso cada um deles pode ser útil, a fim de fornecer um recurso real e preciso? Renunciarei a todos os sistemas do mundo a admitir tal blasfêmia. Não! há um Deus bom, que é a bondade e a própria sabedoria. Deve haver, pois, um meio, criado por Ele, de encarar as moléstias sob seu verdadeiro ponto de vista e curá-las com segurança (...).
Portanto, como deve haver um meio seguro e certo de curar, tal como há um Deus, o mais sábio e o melhor dos seres, abandonarei o campo ingrato das explicações ontológicas. Não ouvirei mais as opiniões arbitrárias, embora tenham sido reduzidas a sistemas. Não me inclinarei diante da autoridade de nomes célebres.
Procurarei onde se deve achar esse meio que ninguém sonhou, porque ele é muito simples, porque ele não parece muito sábio, envolvido em coroas para os mestres na arte de construir hipóteses e abstrações escolásticas."
Vê-se revelado nesses trechos o caráter de Hahnemann: espírito independente, amante da Verdade e do Bem, alma profundamente crente em Deus, confiante na Sua bondade e reconhecendo-Lhe a divina providência a velar solicita por todas as criaturas; caráter firme, valoroso e heróico, que não vacilou em trocar as glorias e o bem-estar fácil pelas torturas do abandono, de todo gênero de provações e até da fome, para não trair a sua consciência, que se negava a viver dos proventos de uma arte falsa e perigosa, mais prejudicial do que útil. Eis como o Dr. José Emigdio Galhardo, em sua obra "Iniciação Homeopática", escreve a situação de Hahnemann, depois desse seu patético gesto: Abandonando o exercício da clínica, passou Hahnemann a colher os meios de subsistência em traduções de obras, cuja recompensa malbaratada pelos livreiros mal dava para não morrer à fome. Quando estudante na Universidade já se mantinha por meio de traduções. Aí, de cada duas noites, dormia apenas uma. Mas, na época de seus novos sofrimentos, os encargos de família obrigavam-no a trabalhar dia e noite. Paupérrimo, vivendo com sua mulher e seus filhos em um simples quarto, no qual um dos cantos, separado do resto do aposento por uma simples cortina, era seu gabinete de estudo e de trabalho, sentia-se feliz com sua consciência e com seu caráter. Foi aí, nesse acanhado e paupérrimo cômodo, em Stötteritz, subúrbio a sudeste de Leipzig, que o primeiro raio de luz de uma lei racional de cura feriu a retina do gênio de Meissen."
Entre as obras traduzidas por Hahnemann , do inglês para o alemão, encontrava-se a "Matéria Médica" de William Cullen. Hahnemann não pôde aceitar as idéias de Cullen para explicar a ação curadora da quina ou quinquina (China officinalis) na febre intermitente. Médico de elevada cultura, conhecedor de toda a tradição médica, não ignorava que já Hipócrates, o Pai da Medicina, constatara que o que produz estrangúria cura estrangúria" (estrangúria significa micção difícil e dolorosa); isto é, Hipócrates já admitia, embora sem estabelecer como lei geral, que os semelhantes podem curar-se pelos semelhantes, pensamento que reapareceria na Idade Média com Paracelso e que foi partilhado também por Stahl e outros. Sentiu, então, ante as explicações contraditórias de Cullen, o desejo de experimentar em si mesmo os efeitos da China. No 2º volume de sua tradução Hahnemann descreve, em urna nota, o seu experimento, com o resultado do mesmo:
"Tomei diz ele - duas vezes por dia 4 drachmas de pura China (1 drachma eqüivale a 3 gramas e 24 centigramas). Meus pés, extremidades dos dedos, etc. tornaram-se frios; senti-me lânguido e sonolento, enquanto meu coração palpitava; tremia, sem nos acharmos em época de frio; prostração em todo o corpo, em todos os meus membros; pulsações em minha cabeça; vermelhidão de minhas faces; sede e, finalmente, todos esses sintomas ordinariamente característicos da febre intermitente apareceram-me uns após outros, embora sem o peculiar e rigoroso calafrio. Estes paroxismos duravam 3 a 4 horas de cada vez e reapareciam se eu repetia a dose do mesmo modo. Deixei de tomar a China e voltou-me a boa saúde."
E acrescenta ainda Hahnemann em sua nota:
"Eis como eu me embrenhei por esta nova via: tu deves, pensei, observar a maneira de agir dos medicamentos no organismo do homem quando ele se achar na placidez da saúde. As mudanças que os medicamentos determinarem não serão em vão e devem certamente significar alguma coisa.
Talvez seja essa a única linguagem pela qual possam exprimir ao observador o fim da sua existência."
Submeteu-se, então, Hahnemann a penosos experimentos de violentos venenos e assim estudou vários produtos naturais, vegetais, animais e minerais, concluindo sempre pela infalibilidade da lei terapêutica que ele pressentira e em breve formularia, como formulou: a lei de semelhança ou de similitude - base e fundamento da Homeopatia. Segundo essa lei, induzida da observação e da experiência, dentro do mais rigoroso critério científico positivo, os doentes devem curar-se pelos medicamentos capazes de produzir no homem são sintomas semelhantes aos que eles apresentam em seus estados individuais de enfermidade. "Similia similibus curentur" disse Hahnemann, significando: "Curem-se os semelhantes pelos semelhantes ".
Um exemplo poderá elucidar, embora de maneira simplista, essa proposição: - O bicloreto de mercúrio ou sublimado corrosivo provoca no homem, se acidentalmente ingerido, o quadro sintomático de grave intoxicação aguda. Dois aparelhos orgânicos são atingidos - o aparelho urinário e o digestivo - nos quais se desenvolvem, respectivamente, os quadros da nefrose necrótica e o de uma enterocolite muco-hemorrágica. Consideremos, para simplificar, somente a ação sobre os intestinos e ali verificaremos três sintomas cardinais da intoxicação: cólicas intensas, exonerações freqüentes muco-sanguinolentas e tenesmo ano-retal. Comparando esse quadro sintomático com o da disenteria bacilar e os dos diversos quadros disenteriformes devidos a outros germens não há o que tirar nem pôr: são inteiramente semelhantes. Pois bem, nas mãos dos homeopatas, um dos grandes remédios desses enfermos é o Mercurius corrosivus e não há velho homeopata que não tenha realizado dezenas, centenas de curas de tais enfermos, facilmente, com o sublimado. Evidentemente, dando o Mercurius corrosivus aos seus enfermos para curá-los de seus graves estados disenteriformes, os homeopatas não lhes aplicam doses maciças de sublimado.
Administram-lhes, ao contrário, doses muito pequenas, diluições ao milionésimo, ao décimo ou ao centésimo de milionésimo ou mesmo ao bilionésimo e muito mais ainda. Se agissem de outra maneira, evidentemente se exporiam a ver agravar-se a situação, juntando à grave infecção uma também grave intoxicação medicamentosa. Ainda assim, entretanto, a lei é tão verdadeira que, após uma forçosa agravação inicial, haveria uma benéfica reação, com o aparecimento de sensíveis melhoras, que perdurariam e levariam à cura, desde que fosse o medicamento suspendido ou se lhe diminuíssem muito as doses. Foi o que aconteceu com o próprio Hahnemann que, no inicio de suas experiências clínicas, empregava doses fortes. Seguindo apenas a lei que acabara de descobrir, opunha a um grupo de sintomas mórbidos o medicamento que ele sabia capaz de produzir no homem são sintomas semelhantes; mas, então, observava invariavelmente, antes da fase da cura, uma fase de agravação, por vezes muito penosa e até perigosa. Hahnemann teve, pois, muito naturalmente a idéia de diminuir as doses, atenuando as massas materiais dos seus medicamentos, diluindo-os em veículos apropriados, como o álcool, por exemplo, não sem o íntimo receio de ver desaparecer, ao lado da fase de agravação, a fase de cura. Com surpresa, porém, viu que, diminuindo a massa do medicamento, atenuava-se a agravação e era mais rápida a cura. Estava, pois, descoberta, ainda por Hahnemann, uma segunda lei terapêutica, que assim pode enunciar-se:
"Todo agente físico ou químico provoca no organismo são ou doente, segundo a massa grande ou pequena do agente, dois grupos de sintomas opostos: efeitos ativos e efeitos reativos." É em virtude desta lei que o Mercurius corrosivus, mesmo numa diluição ao milionésimo, ou ainda maior, pôde curar enfermos graves. É que, pela diluição, ficou atenuada a sua ação primária sobre o organismo, mas a ação secundária, com o seu efeito reativo, não deixou, por isso, de ser suficientemente grande para aniquilar a enfermidade.
Hahnemann, assim, antecipou-se de mais de um século aos fenômenos da anafilaxia, que se produzem com doses ultra-infinitesimais; à ação dos colóides, que não tem relação com a massa da substância coloidal, mas somente com o estado de extrema divisão da mesma e com a pequenez das partículas; antecipou-se a Richet, que fez ver, em 1905, que o formol age sobre a marcha da fermentação láctea na dose inverossímil de um milésimo de miligrama por mil litros (por mais surpreendente que isso pareça à primeira vista - diz o célebre fisiologista -, em realidade devemos constatar, depois de refletir, que esta ação das fracas doses é geral); antecipou-se também Hahnemann a Bertrand, que provou que o crescimento do Aspergillus niger era felizmente influenciado pela presença de 0,061g de manganês em 10.000 litros do meio de cultura. Observa Dejust, do Instituto Pasteur, de Paris, na sua "Análise Crítica da Homeopatia":
"Ora, a sensibilidade celular cresce, de ordinário, com a diferenciação: é, pois, de supor, a título de simples, mas verossímil hipótese, que certas células de animais superiores sejam mais sensíveis do que as de cogumelos inferiores."
A Ciência somente confirma a ação das doses infinitesimais e, à medida em que se divide e desintegra a matéria, avança-se vertiginosamente no domínio da energia pura.
Lei dos semelhantes e experimento dos medicamentos no homem são. Lei de ação e reação e doses infinitesimais. Eis a obra de Hahnemann na sua parte positiva, não discutível, porque recebe confirmação diariamente nas curas que se efetuam pela aplicação de medicamentos homeopáticos. Passemos agora, embora sucintamente, à parte teórica, filosófica, discutível da obra do imortal fundador da Homeopatia.
Dizemos discutível, porque não pode ser submetida ao controle do método experimental,
como os fatos e as leis apresentados até aqui, se bem que, particularmente, aceitamos integralmente e admiramos a doutrina exposta por Hahnemann no seu "Organum da Arte de Curar", que é a obra fundamental da Homeopatia. Aliás, a filosofia homeopática de Hahnemann tem grandes afinidades com a Doutrina dos Espíritos, naqueles pontos em que o Espiritismo trata da vida e da saúde, dos estados de enfermidade do homem e dos meios de tratá-los; principalmente da influência dos estados da alma sobre a saúde corporal, da importância do perispírito na gênese mórbida e, enfim, das ações fluídicas sobre a saúde do homem e seu tratamento, tudo conforme já estudamos em nosso opúsculo "Homeopatia e Espiritismo".
Allan Kardec, o excelso missionário da Terceira Revelação, refere-se à Homeopatia, para enaltecê-la, em, pelo menos, três números da Revue Spirite (um do ano de 1863, pág. 234, outro do de 1867, págs. 65-70, e outro ainda de 1867, págs. 168-172.).
Admitindo o papel importante da Homeopatia, Kardec considera a ação dos medicamentos dinamizados sobre o perispírito, "fonte primária de certas afecções que atingem o organismo carnal.
Daí a razão, diz ele, por que a Homeopatia triunfa numa porção de casos em que falha a medicina galênica". (In Zêus Wantuil e Francisco Thiesen. "Allan Kardec - Pesquisa Biobibliográfica e Ensaios de Interpretação", vol. II, 3ª ed., FEB, p. 159, 1987.)
Toda razão cabe, pois, a este órgão da Federação Espírita Brasileira, desejando que fique nele registrado o Segundo Centenário do surgimento, no Mundo, da Homeopatia, desse modo prestando também homenagem de respeito e admiração a Hahnemann, seu genial fundador.
Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/download/pdf/reformador-1997-04.pdf
DA HOMEOPATIA NO TRATAMENTO DAS DOENÇAS MORAIS ( 2a parte )
DA HOMEOPATIA NO TRATAMENTO DAS DOENÇAS MORAIS
(Ver o no de março de 1867, página 65.)
O artigo que publicamos no número de março sobre a ação da homeopatia nas doenças morais nos valeu, de um dos mais ardentes partidários deste sistema, e ao mesmo tempo um dos mais fervorosos adeptos do Espiritismo, o doutor Charles Grégory, a carta seguinte que nos fazemos um dever inserir, em razão da luz que a discussão pode trazer à questão. "Caro e venerado mestre, 'Vou tratar de vos explicar como compreendo a ação da homeopatia sobre o desenvolvimento das faculdades morais.
"Admitis, como eu, que todo homem, com saúde, possui os rudimentos de todas as faculdades e de todos os órgãos cerebrais necessários à sua manifestação. Admitis também que certas faculdades vão sempre se desenvolvendo, ao passo que outras, as que não são, sem dúvida, senão rudimentares, depois de terem apenas dado alguns clarões, parecem se extinguir inteiramente. No primeiro caso, segundo vós, os órgãos cerebrais estando de acordo com as faculdades em pleno desenvolvimento, teriam sua livre manifestação, ao passo que aqueles que são rudimentares, e que, o mais freqüentemente, estão de acordo também com aptidões rudimentares, se atrofiam completamente com o progresso da idade, por falta de atividade vital.
"Se, pois, por meio de medicamentos apropriados, eu atuo sobre os órgãos imperfeitos, se neles desenvolvo um acréscimo de atividade vital, se lhes peço uma nutrição mais poderosa, é bem claro que, aumentando o volume, permitirão à faculdade rudimentar se manifestar melhor, e que, pela transmissão das idéias e dos sentimentos que terão haurido, pelos sentidos, no mundo exterior, imprimirão à faculdade correspondente uma influência salutar e a desenvolverão, a seu turno, porque tudo se liga e se prende no homem; a alma influi sobre o físico, como o corpo influi sobre a alma.
Portanto, já, por isto mesmo, primeira influência dos medicamentos por meio do aumento dos órgãos sobre as faculdades correspondentes da alma; portanto, possibilidade de aumentar o homem por forças tiradas do mundo material, de aumentá-lo, digo eu, em virtudes e aptidões.
"Agora, não me está de todo provado que nossas pequenas doses chegadas a um estado de sublimação e de sutileza que ultrapassam todos os limites, não tenham nelas alguma coisa de espiritual, de alguma sorte, que age, a seu turno, sobre o Espírito.
Nossos medicamentos, dados no estado de divisão que a arte lhes faz sofrer, não são mais substâncias materiais, mas bem forças que devem, necessariamente, na minha opinião, ao menos, agir sobre as faculdades da alma que, elas também, são forcas.
"E depois, como creio que o Espírito do homem, antes de se encarnar na humanidade, sobe todos os graus da escala e passa pelo mineral, a planta e o animal e na maioria dos tipos de cada espécie onde preludia seu completo desenvolvimento como ser humano, quem me diz que, dando-lhe medicamente o que não é mais nem o mineral, nem a planta, nem o animal, mas o que se poderia chamar a sua essência, de alguma sorte seu espírito, não se atua sobre a alma humana composta dos mesmos elementos?
Porque, é preciso dize-lo, o espírito é bem alguma coisa, e uma vez que se desenvolveu e se desenvolve sem cessar, precisou tomar esses elementos de alguma parte.
'Tudo o que posso dizer é que nós não agimos sobre a alma, com nossa 200a e 600a diluições, materialmente, mas virtualmente e, de alguma sorte, espiritualmente.
"Agora, os fatos aí estão, fatos numerosos, bem observados, e que poderão bem demonstrar que não estou completamente errado. Para citara mim mesmo, embora não goste muito das questões pessoais, direi que, experimentando em mim, há trinta anos, os remédios homeopáticos, de alguma sorte, criei em mim novas faculdades, rudimentares sem dúvida, masque, em minha mais luxuriante juventude, não tinha conhecido, quando eu ignorava a homeopatia, e que hoje, com cinqüenta e dois anos, acho bem desenvolvidas: o sentimento da cor e das formas.
"Acrescentaria ainda que, sob a influência de nossos meios, vi caracteres mudarem completamente; à leviandade sucederam a reflexão e a solidez do julgamento; à lubricidade, a continência; à maldade a benevolência; ao ódio, a bondade e o perdão das injúrias. Evidentemente, este não é o assunto de alguns dias; é preciso bem alguns anos de cuidados, mas chega-se a esses belos resultados por meios tão cômodos, que não há nenhuma dificuldade em nele decidir os clientes que vos são devotados, e um médico os tem sempre. Eu mesmo notei que os resultados obtidos por nossos meios eram adquiridos para sempre, ao passo que aqueles que nos dão a educação, os bons conselhos, as exortações seguidas, os livros de moral, não se obtêm quase diante da possibilidade de satisfazer uma paixão ardente, e as tentações relacionadas com as nossas fraquezas, antes adormecidas e entorpecidas do que curadas. Se os triunfes, neste último caso se manifestam, não é sem lutas violentas que não bastam para prolongá-los por muito tempo.
Eis, caro mestre, as observações que tinha a vos submeter sobre essa questão tão grave da influência da homeopatia sobre o moral humano.
"Para concluir: que seja pelo cérebro que o medicamento atue sobre as faculdades, ou que atue ao mesmo tempo e sobre a fibra cerebral e sobre a faculdade correspondente, não o está menos demonstrado por mim, por centenas de fatos, que a ação sutil e profunda de nossas doses sobre o moral humano é muito real. Além disso, me está demonstrado, que a homeopatia deprime certas faculdades, certos sentimentos ou certas paixões muito exaltadas, para levantar de novo outras muito abatidas, e como paralisadas, e, por isto mesmo, conduz ao equilíbrio e à harmonia, de onde: melhoria real e progresso do homem em todas as suas aptidões, e facilidade para vencer a si mesmo.
"Não creiais que esse resultado aniquile a responsabilidade humana, e que se chegue a esse progresso tão desejado sem sofrimentos e sem combates; não basta tomar um medicamento e dizer-se: "Vou triunfar de minha tendência à cólera, ao ciúme, à luxúria."
Oh! não! O remédio apropriado, uma vez introduzido no organismo, nele leva a uma modificação profunda que ao preço de violentos sofrimentos morais e físicos, e, freqüentemente, de longa e muito longa duração. - sofrimentos que é preciso repetir várias vezes, variando os medicamentos e as doses, e isto durante meses, e algumas vezes anos, querendo-se chegar a resultados concludentes. Está aí o salário ao qual é preciso pagar a sua melhoria moral; está aí a prova e a expiação pelas quais tudo se resgata neste baixo mundo, e eu vos confesso que não é coisa fácil se corrigir, mesmo pela homeopatia. Não sei se, pelas angústias interiores que se sofre, não se paga mais caro esse progresso do que pela modificação mais lenta, é verdade, mas seguramente mais branda e mais suportável da ação puramente moral de todos os dias, pela observação de si mesmo e o desejo ardente de se vencer.
"Termino aqui; mais tarde, vos contarei numerosos fatos que poderão muito vos convencer.
"Recebei, etc."
Esta carta não modifica em nada a opinião que emitimos sobre a ação da homeopatia no tratamento das doenças morais, e que vêm confirmar, ao contrário, os próprios argumentos do Sr. doutor Grégory. Persistimos, pois, em dizer que: se os medicamentos homeopáticos podem ter uma ação sobre o moral, é agindo sobre os órgãos das manifestações, o que pode ter a sua utilidade em certos casos, mas não sobre o Espírito; que as qualidades, boas ou más, e as aptidões são inerentes ao grau de adiantamento ou de inferioridade do Espírito, e que não é com um medicamento qualquer que se pode fazê-lo avançar mais depressa, nem lhe darás qualidades que não pode adquirir senão sucessivamente e pelo trabalho; que uma tal doutrina, fazendo as disposições morais dependerem do organismo, tira ao homem toda a responsabilidade, o que quer disso diga o Sr. Grégory, e o dispensa de todo trabalho sobre si mesmo para se melhorar, uma vez que se poderia torná-lo bom, com seu desconhecimento, administrando-lhe tal ou tal remédio; que se, com a ajuda dos meios materiais, podem-se modificar os órgãos das manifestações, o que admitimos perfeitamente, esse meio não pode mudar as tendências instintivas do Espírito, não mais do que em cortando a língua a um tagarela não lhe lhe tira o desejo de falar. Um uso do Oriente vem confirmara nossa afirmação por um fato material muito conhecido.
O estado patológico influi certamente sobre o moral em certos aspectos, mas as disposições que têm essa origem são acidentais, e não constituem o fundo do caráter do Espírito; são aquelas, sobretudo, que uma medicação apropriada pode modificar. Há pessoas que não são benevolentes senão depois de haverem jantado, e a quem não é preciso nada pedir quando estão em jejum; disto é preciso concluir que um bom jantar é um remédio contra o egoísmo? Não, porque essa benevolência, provocada pela plenitude da satisfação sensual, é um efeito do próprio egoísmo; não é senão uma benevolência aparente, um produto deste pensamento: "Agora que não tenho mais necessidade de nada, posso me ocupar um pouco com os outros."
Em resumo, não contestamos que certos medicamentos, e a homeopatia mais do que qualquer outra, não produzem alguns dos efeitos indicados, mas não lhes contestamos mais senão os resultados permanentes, e sobretudo tão universais que alguns o pretendem. Um caso em que a homeopatia, sobretudo, pareceria particularmente aplicável com sucesso, é o da loucura patológica, porque aqui a desordem moral é a conseqüência da desordem física, e que está constatado agora, pela observação dos fenômenos espíritas, que o Espírito não é louco; não se tem o que modificá-lo, mas dar-lhe os meios de se manifestar livremente. A ação da homeopatia pode ser aqui tanto mais eficaz quanto ela atue principalmente, pela natureza espiritualizada de seus medicamentos, sobre o perispírito, que desempenha um papel preponderante nesta afecção.
Teríamos mais de uma objeção a fazer sobre algumas das proposições contidas nesta carta; mas isto nos levaria muito longe; contentamo-nos, pois, em colocar as duas opiniões em frente. Como em tudo, os fatos são mais concludentes do que as teorias, e são eles, em definitivo, que confirmam ou derrubam estas últimas, desejamos ardentemente que o Sr. o doutor Grégory publique um tratado especial prático da homeopatia aplicada ao tratamento das moléstias morais, a fim de que a experiência possa se generalizar e decidir a questão. Mais do que qualquer outro, ele nos parece capaz para fazer esse trabalho ex-professo.
http://www.espirito.org.br/portal/download/pdf/revista-espirita-1867.pdf
DA HOMEOPATIA NAS DOENÇAS MORAIS
DA HOMEOPATIA NAS DOENÇAS MORAIS
Pode a homeopatia modificar as disposições morais? Tal é a questão que se colocam certos médicos homeopatas, e à qual eles não hesitam em responder afirmativamente, apoiando-se sobre os fatos. Tendo em vista a sua extrema gravidade, vamos examiná-la com cuidado de um ponto de vista a que nos parece ter sido negligenciado por esses senhores, todos Espiritualistas e mesmo Espíritas que são, sem dúvida, porque há bem poucos médicos homeopatas que não sejam um ou o outro. Mas, para a inteligência de nossas conclusões, algumas explicações preliminares, sobre as modificações dos órgãos cerebrais, são necessárias, sobretudo para as pessoas estranhas à fisiologia.
Um princípio que a simples razão faz admitir, que a ciência constata cada dia, é que não há nada de inútil na Natureza, que, até nos mais imperceptíveis detalhes, tudo tem um objetivo, uma razão de ser, uma destinação. Este princípio é particularmente evidente pelo que se prende ao organismo dos seres vivos. De todos os tempos, o cérebro foi considerado como o órgão da transmissão do pensamento, e a sede das faculdades intelectuais e morais. É hoje reconhecido que certas partes do cérebro têm funções especiais, e são afetadas a uma ordem particular de pensamentos e sentimentos, ao menos no que concerne à generalidade; é assim que, instintivamente, coloca-se, na parte anterior, as faculdades que são do domínio da inteligência, e que uma fronte fortemente deprimida e estreita tem para todo o mundo um sinal de inferioridade intelectual. As faculdades afetivas, os sentimentos e as paixões, por isto mesmo, têm sua sede nas outras partes do cérebro.
Ora, considerando-se que os pensamentos e os sentimentos são excessivamente múltiplos, e falando deste princípio de que tudo tem sua destinação e sua utilidade, é permitido concluir que, não só cada feixe fibroso do cérebro corresponde a uma faculdade geral distinta, mas que cada fibra corresponde à manifestação de uma das nuanças desta faculdade, como cada corda de um instrumento corresponde a um som particular. É uma hipótese, sem dúvida, mas que tem todos os caracteres da probabilidade, e cuja negação não infirmaria as conseqüências que deduziremos do princípio geral; ela nos ajudará em nossa explicação.
O pensamento é independente do organismo? Não vamos discutir aqui esta questão, nem refutar a opinião materialista segundo a qual o pensamento é secreta do pelo cérebro, como a bile o é pelo fígado, nasce e morre com esse órgão; além de suas funestas conseqüências morais, esta doutrina tem contra si de nada explicar.
Segundo as doutrinas espiritualistas, que são as da imensa maioria dos homens, a matéria, não podendo produzir o pensamento, este é um atributo do Espírito, do ser inteligente, que, quando está unido ao corpo, se serve dos órgãos especialmente destinados à sua transmissão, como se serve dos olhos para ver, dos pés para caminhar.
O Espírito, sobrevivendo ao corpo, o pensamento também o segue.
A mesma causa produz a expansão ou aparada do desenvolvimento dos órgãos cerebrais, segundo as modificações que se operam nas preocupações habituais, das idéias e do caráter. Se as circunstâncias e as causas que agem diretamente sobre o Espírito, provocando o exercício de uma aptidão ou de uma paixão, permanecida até então no estado de inércia, a atividade que se produz no órgão correspondente, a ele faz afluir o sangue e com ele as moléculas constitutivas do órgão que cresce e toma da força em proporção dessa atividade. Pela mesma razão, a inatividade da faculdade produz o enfraquecimento do órgão; como também uma atividade muito grande e muito persistente pode conduzi-lo à desorganização ou ao enfraquecimento, por uma espécie de desgaste, assim como ocorre a uma corda muito esticada. As aptidões do Espírito são, pois, sempre uma causa, e o estado dos órgãos um efeito. Pode ocorrer, no entanto, que o estado dos órgãos seja modificado por uma causa estranha ao Espírito, tal como doença, acidente, influência atmosférica ou climática; então são os órgãos que reagem sobre o Espírito, não em alterando suas faculdades, mas em perturbando-lhe a manifestação.
Um efeito semelhante pode resultar das substâncias ingeridas no estômago como alimentos ou medicamentos. Estas substâncias ali se decompõem, e os princípios essenciais que elas contêm, misturados ao sangue, são levados, pela corrente da circulação em todas as partes do corpo. Está reconhecido, pela experiência, que os princípios ativos de certas substâncias se dirigem mais particularmente sobre tal ou tal víscera: o coração, o fígado, os pulmões, etc., e ali produzem efeitos reparadores ou deletérios segundo sua natureza e suas propriedades especiais. Alguns, agindo desta maneira sobre o cérebro, podem exercer sobre o conjunto ou sobre partes determinadas, uma ação estimulante ou estupefaciente, segundo a dose e o temperamento, como por exemplo, as bebidas alcoólicas, o ópio e outros.
Nós nos estendemos um pouco sobre os detalhes que precedem, a fim de fazer compreender o princípio sobre o qual se apoia, com uma aparência de lógica, a teoria das modificações do estado moral por meios terapêuticos. Este princípio é o da ação direta de uma substância sobre uma parte do organismo cerebral tendo por função especial servir à manifestação de uma faculdade, de um sentimento ou de uma paixão, porque não pode vir ao pensamento de ninguém que essa substância possa agir sobre o Espírito.
Estando, pois, admitido que o princípio das faculdades está no Espírito, e não na matéria, suponhamos que se lhe reconhecesse, a uma substância, a propriedade de modificaras disposições morais, de neutralizar um mau pendor, isto não poderia ser senão pela sua ação sobre o órgão correspondente a esse pendor, a ação que teria por efeito deter o desenvolvimento desse, de atrofiá-lo ou de paralisá-lo se está desenvolvido; tornase evidente que, neste caso, não se suprime o pendor, mas a sua manifestação, absolutamente como se se tirasse a um músico o seu instrumento.
Provavelmente, foram os efeitos dessa natureza que certos homeopatas observaram, e lhes fizeram acreditar na possibilidade de corrigir, com a ajuda de medicamentos apropriados, os vícios tais como o ciúme, o ódio, o orgulho a cólera, etc.
Uma tal doutrina, se fosse verdadeira, seria a negação de toda responsabilidade moral, a sanção do materialismo, porque então a causa de nossas imperfeições estaria só na matéria; a educação moral se reduziria a um tratamento médico; o homem mais mau poderia tornar-se bom sem grandes esforços, e a Humanidade poderia ser regenerada com a ajuda de algumas pílulas. Se, ao contrário, como isto não parece duvidoso, as imperfeições são inerentes à própria inferioridade do Espírito, não se o melhoraria mais modificando seu envoltório carnal, do que não endireitando um corcunda, dissimulando sua disformidade sob o talhe de sua roupa.
Não duvidamos, no entanto, que tais resultados tenham sido obtidos em alguns casos particulares, porque, para firmar um fato tão sério, é preciso ter observado; mas estamos convencidos de que se desprezou sobre a causa e sobre o efeito. Os medicamentos homeopáticos, por sua natureza etérea, têm uma ação de alguma sorte molecular; sem contradita, eles podem, mais do que outros, agir sobre as partes elementares e fluídicas dos órgãos, e modificar-lhes a constituição íntima. Se, pois, é racional admiti-lo, todos os sentimentos da alma têm sua fibra cerebral correspondente para a sua manifestação, um medicamento que agisse sobre esta fibra, seja para a paralisá-la, seja para exaltar-lhe a sensibilidade, paralisaria ou exaltaria por isto mesmo a expressão do sentimento, do qual seria o instrumento, mas o sentimento com isto não subsistiria menos. O indivíduo estaria na posição de um assassino ao qual se tirasse a possibilidade de cometer os crimes cortando-lhe os braços, mas que nisto não conservaria menos o desejo de matar. Seria, pois, um paliativo, mas não um remédio curativo. Não se pode agir sobre o ser espiritual senão pelos meios espirituais; a utilidade dos meios materiais, se o efeito acima fosse constatado, seria talvez de dominar mais facilmente o Espírito, de torná-lo mais flexível, mais dócil e mais acessível às influências morais; mas se embalaria de ilusões esperando-se de um medicamento qualquer um resultado definitivo e durável.
Isto seria de outro modo tratando-se de ajudar à manifestação de uma faculdade existente. Suponhamos um Espírito inteligente encarnado, não tendo ao seu serviço senão um cérebro atrofiado, e não podendo, consequentemente, manifestar as suas idéias, seria para nós um idiota. Em admitindo, o que cremos possível à homeopatia mais do que a todo outro gênero de medicação, que se possa dar mais flexibilidade e sensibilidade às fibras cerebrais, o Espírito manifestaria seu pensamento, como um mudo ao qual teria se desamarrado a l íngua. Mas se o Espírito sendo idiota por si mesmo, tivesse a seu serviço o cérebro do maior gênio, com isto não seria menos idiota. Um medicamento qualquer não podendo agir sobre o Espírito, não poderia dar-lhe o que ele não tem, nem tirar-lhe o que ele tem; mas agindo sobre o órgão de transmissão do pensamento, pode facilitar esta transmissão sem que, por isto, nada seja mudado ao estado do Espírito. O que é difícil, o mais freqüentemente mesmo impossível no idiota de nascença, porque ele tem a parada completa e quase sempre geral do desenvolvimento nos órgãos, torna-se possível quando a alteração é acidental e parcial. Neste caso, não é o Espírito que se aperfeiçoa, são seus meios de comunicação.
http://www.espirito.org.br/portal/download/pdf/revista-espirita-1867.pdf
DA HOMEOPATIA NAS DOENÇAS MORAIS
DA HOMEOPATIA NAS DOENÇAS MORAIS
Pode a homeopatia modificar as disposições morais? Tal é a questão que se colocam certos médicos homeopatas, e à qual eles não hesitam em responder afirmativamente, apoiando-se sobre os fatos. Tendo em vista a sua extrema gravidade, vamos examiná-la com cuidado de um ponto de vista a que nos parece ter sido negligenciado por esses senhores, todos Espiritualistas e mesmo Espíritas que são, sem dúvida, porque há bem poucos médicos homeopatas que não sejam um ou o outro. Mas, para a inteligência de nossas conclusões, algumas explicações preliminares, sobre as modificações dos órgãos cerebrais, são necessárias, sobretudo para as pessoas estranhas à fisiologia.
Um princípio que a simples razão faz admitir, que a ciência constata cada dia, é que não há nada de inútil na Natureza, que, até nos mais imperceptíveis detalhes, tudo tem um objetivo, uma razão de ser, uma destinação. Este princípio é particularmente evidente pelo que se prende ao organismo dos seres vivos.
De todos os tempos, o cérebro foi considerado como o órgão da transmissão do pensamento, e a sede das faculdades intelectuais e morais. É hoje reconhecido que certas partes do cérebro têm funções especiais, e são afetadas a uma ordem particular de pensamentos e sentimentos, ao menos no que concerne à generalidade; é assim que, instintivamente, coloca-se, na parte anterior, as faculdades que são do domínio da inteligência, e que uma fronte fortemente deprimida e estreita tem para todo o mundo um sinal de inferioridade intelectual. As faculdades afetivas, os sentimentos e as paixões, por isto mesmo, têm sua sede nas outras partes do cérebro. Ora, considerando-se que os pensamentos e os sentimentos são excessivamente múltiplos, e falando deste princípio de que tudo tem sua destinação e sua utilidade, é permitido concluir que, não só cada feixe fibroso do cérebro corresponde a uma faculdade geral distinta, mas que cada fibra corresponde à manifestação de uma das nuanças desta faculdade, como cada corda de um instrumento corresponde a um som particular. É uma hipótese, sem dúvida, mas que tem todos os caracteres da probabilidade, e cuja negação não infirmaria as conseqüências que deduziremos do princípio geral; ela nos ajudará em nossa explicação.
O pensamento é independente do organismo? Não vamos discutir aqui esta questão, nem refutar a opinião materialista segundo a qual o pensamento é secreta do pelo cérebro, como a bile o é pelo fígado, nasce e morre com esse órgão; além de suas funestas conseqüências morais, esta doutrina tem contra si de nada explicar.
Segundo as doutrinas espiritualistas, que são as da imensa maioria dos homens, a matéria, não podendo produzir o pensamento, este é um atributo do Espírito, do ser inteligente, que, quando está unido ao corpo, se serve dos órgãos especialmente destinados à sua transmissão, como se serve dos olhos para ver, dos pés para caminhar. O Espírito, sobrevivendo ao corpo, o pensamento também o segue.
A mesma causa produz a expansão ou aparada do desenvolvimento dos órgãos cerebrais, segundo as modificações que se operam nas preocupações habituais, das idéias e do caráter. Se as circunstâncias e as causas que agem diretamente sobre o Espírito, provocando o exercício de uma aptidão ou de uma paixão, permanecida até então no estado de inércia, a atividade que se produz no órgão correspondente, a ele faz afluir o sangue e com ele as moléculas constitutivas do órgão que cresce e toma da força em proporção dessa atividade. Pela mesma razão, a inatividade da faculdade produz o enfraquecimento do órgão; como também uma atividade muito grande e muito persistente pode conduzi-lo à desorganização ou ao enfraquecimento, por uma espécie de desgaste, assim como ocorre a uma corda muito esticada. As aptidões do Espírito são, pois, sempre uma causa, e o estado dos órgãos um efeito. Pode ocorrer, no entanto, que o estado dos órgãos seja modificado por uma causa estranha ao Espírito, tal como doença, acidente, influência atmosférica ou climática; então são os órgãos que reagem sobre o Espírito, não em alterando suas faculdades, mas em perturbando-lhe a manifestação.
Um efeito semelhante pode resultar das substâncias ingeridas no estômago como alimentos ou medicamentos. Estas substâncias ali se decompõem, e os princípios essenciais que elas contêm, misturados ao sangue, são levados, pela corrente da circulação em todas as partes do corpo. Está reconhecido, pela experiência, que os princípios ativos de certas substâncias se dirigem mais particularmente sobre tal ou tal víscera: o coração, o fígado, os pulmões, etc., e ali produzem efeitos reparadores ou deletérios segundo sua natureza e suas propriedades especiais. Alguns, agindo desta maneira sobre o cérebro, podem exercer sobre o conjunto ou sobre partes determinadas, uma ação estimulante ou estupefaciente, segundo a dose e o temperamento, como por exemplo, as bebidas alcoólicas, o ópio e outros.
Nós nos estendemos um pouco sobre os detalhes que precedem, a fim de fazer compreender o princípio sobre o qual se apoia, com uma aparência de lógica, a teoria das modificações do estado moral por meios terapêuticos. Este princípio é o da ação direta de uma substância sobre uma parte do organismo cerebral tendo por função especial servir à manifestação de uma faculdade, de um sentimento ou de uma paixão, porque não pode vir ao pensamento de ninguém que essa substância possa agir sobre o Espírito. Estando, pois, admitido que o princípio das faculdades está no Espírito, e não na matéria, suponhamos que se lhe reconhecesse, a uma substância, a propriedade de modificaras disposições morais, de neutralizar um mau pendor, isto não poderia ser senão pela sua ação sobre o órgão correspondente a esse pendor, a ação que teria por efeito deter o desenvolvimento desse, de atrofiá-lo ou de paralisá-lo se está desenvolvido; tornase evidente que, neste caso, não se suprime o pendor, mas a sua manifestação, absolutamente como se se tirasse a um músico o seu instrumento.
Provavelmente, foram os efeitos dessa natureza que certos homeopatas observaram, e lhes fizeram acreditar na possibilidade de corrigir, com a ajuda de medicamentos apropriados, os vícios tais como o ciúme, o ódio, o orgulho a cólera, etc.
Uma tal doutrina, se fosse verdadeira, seria a negação de toda responsabilidade moral, a sanção do materialismo, porque então a causa de nossas imperfeições estaria só na matéria; a educação moral se reduziria a um tratamento médico; o homem mais mau poderia tornar-se bom sem grandes esforços, e a Humanidade poderia ser regenerada com a ajuda de algumas pílulas. Se, ao contrário, como isto não parece duvidoso, as imperfeições são inerentes à própria inferioridade do Espírito, não se o melhoraria mais modificando seu envoltório carnal, do que não endireitando um corcunda, dissimulando sua disformidade sob o talhe de sua roupa. Não duvidamos, no entanto, que tais resultados tenham sido obtidos em alguns casos particulares, porque, para firmar um fato tão sério, é preciso ter observado; mas estamos convencidos de que se desprezou sobre a causa e sobre o efeito. Os medicamentos homeopáticos, por sua natureza etérea, têm uma ação de alguma sorte molecular; sem contradita, eles podem, mais do que outros, agir sobre as partes elementares e fluídicas dos órgãos, e modificar-lhes a constituição íntima. Se, pois, é racional admiti-lo, todos os sentimentos da alma têm sua fibra cerebral correspondente para a sua manifestação, um medicamento que agisse sobre esta fibra, seja para a paralisá-la, seja para exaltar-lhe a sensibilidade, paralisaria ou exaltaria por isto mesmo a expressão do sentimento, do qual seria o instrumento, mas o sentimento com isto não subsistiria menos. O indivíduo estaria na posição de um assassino ao qual se tirasse a possibilidade de cometer os crimes cortando-lhe os braços, mas que nisto não conservaria menos o desejo de matar. Seria, pois, um paliativo, mas não um remédio curativo. Não se pode agir sobre o ser espiritual senão pelos meios espirituais; a utilidade dos meios materiais, se o efeito acima fosse constatado, seria talvez de dominar mais facilmente o Espírito, de torná-lo mais flexível, mais dócil e mais acessível às influências morais; mas se embalaria de ilusões esperando-se de um medicamento qualquer um resultado definitivo e durável.
Isto seria de outro modo tratando-se de ajudar à manifestação de uma faculdade existente. Suponhamos um Espírito inteligente encarnado, não tendo ao seu serviço senão um cérebro atrofiado, e não podendo, consequentemente, manifestar as suas idéias, seria para nós um idiota. Em admitindo, o que cremos possível à homeopatia mais do que a todo outro gênero de medicação, que se possa dar mais flexibilidade e sensibilidade às fibras cerebrais, o Espírito manifestaria seu pensamento, como um mudo ao qual teria se desamarrado a l íngua. Mas se o Espírito sendo idiota por si mesmo, tivesse a seu serviço o cérebro do maior gênio, com isto não seria menos idiota. Um medicamento qualquer não podendo agir sobre o Espírito, não poderia dar-lhe o que ele não tem, nem tirar-lhe o que ele tem; mas agindo sobre o órgão de transmissão do pensamento, pode facilitar esta transmissão sem que, por isto, nada seja mudado ao estado do Espírito. O que é difícil, o mais freqüentemente mesmo impossível no idiota de nascença, porque ele tem a parada completa e quase sempre geral do desenvolvimento nos órgãos, torna-se possível quando a alteração é acidental e parcial. Neste caso, não é o Espírito que se aperfeiçoa, são seus meios de comunicação.
http://www.espirito.org.br/portal/download/pdf/revista-espirita-1867.pdf
Não são apenas os escritores isolados que semeiam, aqui e ali, algumas idéias, é a própria ciência que vem preparar os caminhos. O magnetismo foi o primeiro passo para o conhecimento da ação perispiritual, fonte de todos os fenômenos espíritas; o sonambulismo foi a primeira manifestação de isolamento da alma. A frenologia provou que o organismo cerebral é um chaveiro a serviço do princípio inteligente para a expressão das diversas faculdades; contrariamente à intenção de Gall, seu fundador, que era materialista, serviu para provar a independência do Espírito e da matéria. A homeopatia, provando a força da matéria espiritualizada, se liga ao papel importante que o perispírito desempenha em certas afecções; ela ataca o mal em sua própria fonte que está fora do organismo, do qual a alteração não é senão consecutiva. Tal é a razão pela qual a homeopatia triunfa numa multidão de casos onde a medicina comum fracassa: mais do que isto, toma em conta o elemento espiritualizado tão preponderante na economia, o que explica a facilidade com a qual os médicos homeopatas aceitam o Espiritismo, e porque a maior parte dos médicos espíritas pertence à escola de Hahnemann. Até as recentes descobertas sobre as propriedades da eletricidade não há, enfim, as que não vieram trazer seu contingente na questão que nos ocupa, lançando sua parte de luz sobre o que se poderia chamar a fisiologia dos Espíritos.
http://www.espirito.org.br/portal/download/pdf/revista-espirita-1863.pdf
Mensagem de Hahnemann: Ensino médico aos espíritas
A medicina homeopática.
(Sociedade Espírita de Paris, 13 de março de 1863. - Médium senhora Costel.)
Minha filha, venho dar um ensino médico aos Espíritas. A astronomia, a filosofia têm aqui eloqüentes intérpretes: a moral conta tanto escritores quanto médiuns; por que a medicina, em seu lado prático e fisiológico, seria negligenciada? Fui o criador da renovação médica que penetra hoje até nas classes dos sectários da antiga medicina; ligados contra a homeopatia, acharam bom criar-lhe diques inumeráveis, acharam bom de exclamar:
"Não irás mais longe!" a jovem medicina, triunfante, venceu todos esses obstáculos;
o Espiritismo ser-lhe-á um poderoso auxiliar; graças a ele, ela abandonará a tradição materialista que, há muito tempo, retardou o seu vôo. O estudo médico está inteiramente ligado à procura das causas e dos efeitos espiritualistas; disseca os corpos, e deve também analisar a alma, Deixai, pois, um velho médico justificar os fins e o objetivo da doutrina que propagou, e que vê estranhamente desfigurada nesse mundo pelos nobres, e no alto pelos Espíritos ignorantes que usurpam seu nome. Gostaria que minha palavra escutada tivesse o poder de corrigir os abusos que alteram a homeopatia e a impedem de ser tão útil quanto o deveria.
Se falasse num centro prático, onde os conselhos pudessem ser ouvidos com fruto, levantar-me-ia a contra a negligência de meus colegas terrestres, que desconhecem as leis primordiais do Organon, exagerando as doses, e sobretudo não trazendo à trituração tão importante dos medicamentos os cuidados que indiquei. Muitos esquecem que cem e, freqüentemente, duzentos golpes são absolutamente necessários ao desligamento do princípio médico apropriado a cada uma das plantas ou venenos que formam nosso arsenal curador. Nenhum remédio é indiferente, nenhum medicamento é inofensivo; quando o diagnóstico mal observado o faz dar fora de propósito, ele desenvolve os germes da doença que estava chamado a combater.
Mas deixo-me arrastar pelo meu assunto, e eis-me no pendor de fazer um curso de homeopatia a um auditório que não pode se interessar por essa questão. No entanto, não creio inútil iniciar os Espíritas nos princípios fundamentais da ciência, a fim de premuni-los contra as decepções que sofrem, seja da parte dos homens, seja mesmo da dos Espíritos.
SAMUEL HAHNEMANN.
Nota.-Esta dissertação foi motivada pela presença, na sessão, de um médico homeopata estrangeiro, que desejava ter a opinião de Hahnemann sobre o estado atual da ciência.
Faremos observar que foi dada por intermédio de uma jovem senhora que jamais fez estudos médicos, e à qual, necessariamente, muitos termos especiais são estranhos.
Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/download/pdf/revista-espirita-1863.pdf
Opinião de Chico Xavier sobre cura e fé
Existem pessoas que têm acorrido a todos os recursos terrenos e espirituais na esperança de uma cura para sua enfermidade, e não tendo resolvido seu problema, acabam chegando à descrença. Mesmo sem fé, muitas vezes ainda procuram você como um recurso. Essas pessoas podem chegar a receber uma cura?
Chico Xavier:
- Acredito que, se a pessoa está no merecimento natural da cura, tenha ela fé ou não tenha fé, a misericórdia divina permite que essa criatura encontre a restauração de suas forças. Isso em qualquer religião, ou em qualquer tempo; agora, os espíritos nos aconselham um espírito de aceitação. Primeiramente, em qualquer caso de doença que possa ocorrer em nós, em nosso mundo orgânico, o espírito de aceitação, torna mais fácil ao médico deste mundo ou para os benfeitores espirituais do outro, atuarem em nosso favor. Agora, a nossa aflição ou a nossa inquietação, apenas perturbam os médicos deste mundo ou do outro, dificultando a cura. E podemos ainda acrescentar: que muitas vezes temos conosco determinados tipos de moléstias, que nós mesmo pedimos, antes de nossa reencarnação, para que nossos impulsos negativos ou destrutivos sejam amainados. Muitas frustrações que sofremos neste mundo são pedidas por nós mesmos, para que não venhamos a cair em falhas mais graves do que aquelas que já caímos em outras vidas. Mas, como estamos num regime de esquecimento - como uma pessoa anestesiada para sofrer uma operação - então demandamos em rebeldia, em aflição desnecessária, exigindo uma cura, que se tivermos, será para nossa ruína, não para o nosso benefício.
De uma entrevista dada à Revista Destaque, em Outubro de 1977.
Consta do livro Chico Xavier - O Homem, o Médium e o Missionário,
escrito por Antônio Matte Noroefé, de Cacequi, Rio Grande do Sul.