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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Diálogo dos Vivos-Francisco Cândido Xavier\J.Herculano Pires

Índice do Blog

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Francisco Cândido Xavier

J. Herculano Pires

Espíritos diversos

Diálogo dos Vivos

4º livro da série “Na Era do Espírito”

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Chico Xavier

E o Mestre da Galiléia

Sinopse

Diálogo dos Vivos

Este é o último dos quatro livros integrantes da série “Na Era do Espírito”, que contém estudos e dissertações sobre os principais problemas que afligem o ser humano. Questões familiares, provas e expiações, a lei de causa e efeito, desencarnações coletivas, o perdão, a prece, entre outros importantes temas, são estudados sob a visão da Doutrina Espírita.

Os temas propostos pelos irmãos encarnados foram respondidos por Emmanuel e outros trabalhadores do plano espiritual, através da mediunidade de Chico Xavier, e em seguida comentados pelo filósofo e escritor espírita J. Herculano Pires, que abordou por novo ângulo cada assunto tratado.

Esta obra constitui valioso material de estudo doutrinário para todos os que se interessam pelos problemas relacionados à nossa evolução espiritual.

Livros que compõem a série “Na Era do Espírito”:

· Chico Xavier Pede Licença .......... 1972

· Na Era do Espírito ........................ 1973

· Astronautas do Além .................... 1974

· Diálogo dos Vivos ........................ 1974

Diálogos sempre vivos

(Prefácio de Emmanuel)

Moisés dialogou com Jeová e o Livro dos Mandamentos estabeleceu as leis primordiais da justiça entre os homens.

Jesus vem à Terra, dialoga com os discípulos, e o Evangelho brilha até hoje, traçando as normas do Reino do Amor para a elevação da Humanidade.

Kardec chega ao mundo, dialoga com os Espíritos sábios e benevolentes que lhe dirigem a obra, e O Livro dos Espíritos surge por alicerce da Doutrina Espírita que renova o pensamento religioso da Terra, libertando e esclarecendo, confortando e instruindo as criaturas.

E atendendo à corrente inestancável dos ensinamentos e bênçãos das Esferas Superiores, os vivos da Terra e os vivos do Além continuam dialogando entre si, no trato dos interesses que dizem respeito à vida imortal.

Este volume, tanto quanto outros “livros dos Espíritos”, vão despontando na atualidade fazendo-nos sentir que Deus é amor sempre, que a morte é apenas mudança, que a cada um de nós será trazido pelo tempo o fruto das próprias obras, que as portas da evolução e do trabalho estão incessantemente abertas nos campos múltiplos do Universo e que nós todos, aqui e mais além, permaneceremos indissoluvelmente unidos no amor sem adeus.

Uberaba, 18 de abril de 1974.[1]

Emmanuel


Os diálogos da preparação

(Prefácio de J. Herculano Pires)

Há mais de quarenta anos Chico Xavier vem servindo de instrumento mediúnico para os diálogos da preparação. É impressionante o poder do diálogo. Remontando à antiguidade Grega, encontramo-lo na base de todo o desenvolvimento filosófico. Sócrates o empregou na sua maiêutica, um sistema especial de dialogar para arrancar a verdade do íntimo de cada um. Mas antes de Sócrates temos o diálogo de Pitágoras com Orfeu. O filósofo matemático opunha-se às teses místicas de Orfeu, poeta e músico lendário que foi, ao mesmo tempo, o profeta-revelador do Orfismo, a religião arcaica da Grécia. E desse diálogo nasceu a síntese pitagórica, dando origem à Filosofia como indagação consciente da Razão.

Antes ainda de Sócrates temos o diálogo perturbador dos Sofistas, os filósofos da dúvida que tudo submetiam a debates infindáveis. Foi nesse meio de palavrório inconsequente que Sócrates descobriu o caminho da Verdade. Os diálogos dos sofistas eram como um borbulhar das águas na superfície, mas Sócrates mergulhou no rio e descobriu que a Verdade estava escondida embaixo da palavra. Descobriu o conceito, a ideia, e resolveu fazer como sua mãe parteira: provocar nas mentes engravidadas o parto da Verdade. Os diálogos de Platão nos mostram a que profundas consequências Sócrates levou a inconsequência palavrosa dos Sofistas.

Dando um salto no tempo vamos encontrar Kardec na França, em Paris, essa Atenas rediviva, empenhado num diálogo do qual resulta O Livro dos Espíritos. Seu papel é o mesmo de Sócrates: dialogar com os vivos da Terra e os vivos do Além, na busca da Verdade. Porque Sócrates não dialogava apenas com os homens, mas também com os espíritos, como se vê nas suas relações com o seu Daemon, o bom demônio (ou seja o bom Espírito) que o amparava e guiava. Kardec fazia o mesmo. Toda a sua vida foi um diálogo permanente com os vivos da Terra e do Além. Do diálogo, um processo de comunicação, nasceria a Dialética de Hegel, um sistema de interpretação do mundo, fornecendo ao pensamento moderno a chave do enigma – a evolução dialética.

Os críticos acríticos que hoje pretendem criticar a forma dialogada de O Livro dos Espíritos merecem o perdão de Deus, pois não sabem o que fazem. O mesmo se dá com as críticas formuladas aos diálogos de Chico Xavier, que em Uberaba, como o Oráculo de Delfos, se coloca entre os homens e os espíritos para que os vivos da Terra possam conversar com os vivos do Além. Cada mensagem recebida por Chico Xavier é uma resposta às indagações humanas. Não é Chico, nem são os espíritos que propõem os temas do grande debate; são os homens, as criaturas humanas torturadas por seus dramas e suas inquietações, por seus desesperos e suas angústias. Como querer que se interrompam esses diálogos, para que o médium se dedique à recepção de novos romances ou volumes de estudos doutrinários? As mensagens mais longas e mais profundas, dadas até agora, não mereceram o devido apreço dos meios doutrinários. Os homens andam muito sem tempo para estudo e reflexão, aturdidos com suas provas e expiações. É necessário insistir nos diálogos da preparação.

Os problemas humanos são muitos e variados, mas no fundo relacionam-se entre si. Cada resposta dos espíritos às pessoas angustiadas vale por uma resposta às angústias do mundo. E quem não entende isso, quem não consegue captar os ensinos dados em cada mensagem, não terá condições para entender as lições mais amplas e minuciosas transmitidas através de volumes inteiros psicografados. Querem uma prova? Basta perguntar-se o que foi feito até agora da obra de Emmanuel e de André Luiz. Salvo raras tentativas ingênuas, onde estão os comentaristas profundos, os analistas, os estudiosos dessas obras em nosso meio? Onde?!

Voltando no tempo, podemos ainda perguntar: Onde estão os estudiosos da obra de Kardec, das obras de Léon Denis, de Gabriel Delanne, de Ernesto Bozzano, de Gustave Geley, de Camille Flammarion, e assim por diante? Onde os estudos sérios, bem planejados e realizados, com metodologia apropriada, dos temas fundamentais da Doutrina Espírita, relacionando as obras básicas com as conquistas modernas da Ciência, da Filosofia, da Religião, para não sairmos dos três aspectos doutrinários básicos? O que vemos não é esse tratamento sistemático e consciencioso da Doutrina, mas uma avalanche de obras inexpressivas, pretensiosas, superficiais, desprovidas de conteúdo, propostas ao meio espírita como tentativas de renovação doutrinária. As próprias obras da Codificação, somente agora estão aparecendo em edições aceitáveis, precedidas de estudos preparatórios do espírito do leitor e de informações orientadoras, em notas de pé de página, sobre as relações da Doutrina com a renovação cultural do nosso tempo.

Num ambiente assim, amorfo, indefinido, mas em que despontam forças novas prenunciando um futuro melhor, graças às novas gerações que adquirem formação universitária, que escapam do autodidatismo mediocrizante, os diálogos de Uberaba se impõem como preparação do terreno para o alvorecer de uma nova era. Os volumes já lançados nesta série da Editora GEEM (Editora do Grupo Espírita Emmanuel, de São Bernardo do Campo) apresentam ao público espírita ledor os diálogos da preparação. Nossos comentários têm por finalidade mostrar o que há de grave e profundo em cada mensagem, estabelecendo a relação dos seus ensinos com os princípios doutrinários, de um lado, e com as novidades culturais do nosso tempo, de outro lado. Se os Espíritos nos deram essa tarefa não foi por sermos mais capazes, mais cultos ou preparados do que outros, mas simplesmente por termos compreendido de há muito a sua necessidade. Quem não tem cão, caça com gato…

Quem acompanhar a sequência desta série – Chico Xavier Pede Licença, Na Era do Espírito, Astronautas do Além e Diálogo dos Vivos – perceberá que esses diálogos preparam o nosso meio para uma compreensão mais ampla e mais fecunda da natureza e do sentido da mensagem mediúnica. As vozes do Além, quando legítimas, não se destinam apenas a consolar os aflitos, mas também e sobretudo a ensinar, esclarecer e abrir perspectivas novas ao entendimento dos problemas espirituais. Menosprezar a importância das mensagens mediúnicas é negar o valor do trabalho abnegado dos Espíritos Superiores em nosso benefício. Bem examinada, cada uma dessas mensagens é uma sugestão e uma indicação de rumos para estudos futuros. Como demonstramos ao longo desta série de volumes, às vezes numa simples quadra, num soneto, num poema, os Espíritos comunicantes nos oferecem novas pistas de indagações e estudos, com vistas ao futuro próximo, no desenvolvimento da Cultura Espírita.

Ars longa, vita brevis, diz a tradução latina do primeiro aforismo de Hipócrates. E Camões exclamou, diante da sua obra inconclusa: “Para tão longa arte, tão curta vida!” O desenvolvimento da Cultura Espírita não é obra para nós, para a nossa geração, nem para a nova que já ombreia conosco. É obra de gerações. As vidas sucessivas estabelecem o encadeamento das gerações no desenvolvimento cultural. Por isso, encontramos em O Livro dos Espíritos a constante advertência: “Tudo se encadeia no Universo”. Não tenhamos a pretensão de ser mais do que elos dessa cadeia que se iniciou com as gerações passadas, desenvolve-se com as presentes e se prolongará com outras gerações no futuro sem limites.

Procuremos compreender o momento que vivemos na Terra. É um momento de crise, mas de crise de crescimento. Os desajustes de hoje correspondem ao desmontar de estruturas envelhecidas que não mais atendem às necessidades da nossa evolução. No meio espírita passamos rapidamente da fase mística para a fase cultural. Os pequenos grupos de liderança individualista sentem a necessidade de abrir-se para a dimensão comunitária. Instituições vetustas e veneráveis sofrem os choques das novas exigências e embora procurem resistir vão aos poucos se abrindo para adaptações difíceis mas indispensáveis. Da assistência material à pobreza, em formas antiquadas, passamos à assistência material-espiritual através de redes hospitalares e redes escolares em franco desenvolvimento. Do amparo ao órfão passamos à assistência médica, dentária, cultural e espírita (não apenas espiritual, mas espírita) às crianças necessitadas e suas famílias. E organizamos sanatórios e educandários para o socorro a crianças excepcionais, desajustadas ou submetidas à prova de doenças crônicas.

Há desajustes, às vezes alarmantes, nesse processo de reajuste às novas condições do mundo. Arriscamo-nos a cair no excesso de sistematizações, na centralização direcional, nos processos de coação que ameaçam suprimir a liberdade espírita. São os perigos da institucionalização. Mas para vencer tudo isso não nos faltam o apoio do Alto, as mensagens esclarecedoras, as advertências de companheiros mais sensatos e livres dos prejuízos do espírito sistemático, segundo a expressão de O Livro dos Espíritos. Chico Xavier é arrancado do seu isolamento quase monacal e lançado na arena das manifestações de massa, levado aos programas de rádio e televisão, desviado da psicografia solitária para os diálogos da preparação, aturdido com as solicitações inúmeras, as interpelações incessantes, e submetido à crítica dos próprios companheiros e dos adversários da Doutrina.

Tudo isso e muito mais, que seria longo enumerar aqui, assustam os companheiros tímidos que temem pela deturpação do movimento e pelos supostos prejuízos que o médium possa sofrer. Mas como disse, num belo alexandrino, o poeta Cyro Costa: “Jesus está no leme” e tudo caminha para um futuro que era, desde o início, o objetivo doutrinário. Tudo isso tem por fim arrancar o homem da modorra da carne, prepará-lo e lançá-lo no despertar do espírito. A preparação está em curso e não temos o direito de reclamar a volta à quietude comodista do passado, ao Espiritismo caseiro e de grupos fechados que se deleitavam no seu ilusório privilégio. Deus não faz acepção de pessoas, todos somos seus filhos e a Verdade é o nosso patrimônio comum, a herança de todos os filhos de Deus.

O Espiritismo encarna em seus princípios as forças da evolução. Sua finalidade é abalar e transformar o mundo, como os Espíritos disseram a Kardec. Não pode esconder-se em pequenos Centros ou em instituições messiânicas. Deve abrir-se para a vida, pois sua própria fonte, que é o plano espiritual em conjugação com a mediunidade ativa, é também a fonte da vida. Quando espírito e matéria se conjugam no ato divino da Criação, sob o “fiat” de Deus, nada mais temos do que um ato mediúnico: o espírito manifestando-se através da matéria. A própria Criação, portanto, é um ato mediúnico. E esse ato se repete em cada encarnação, pois cada criatura que nasce na Terra é um Espírito que se serve de um médium (um intermediário) para manifestar-se entre os homens. Como limitar o conceito de mediunidade a práticas rituais ou sistematizadas e como limitar o conceito de espiritismo ao de uma seita isolacionista, ciosa de seus imaginários privilégios grupais?

Estas ideias não são novas nem pessoais. Estão nas próprias raízes da Doutrina. Figuram nas obras fundamentais e nas obras subsidiárias. Kardec e Denis, Flammarion e Delanne, Bozzano e Fredrich Myers – este último sem sequer conhecer a obra de Kardec – já proclamavam em seus livros a grandeza cósmica da Doutrina. E os fatos, no desenvolver incessante da Cultura, vieram provando sem cessar, até os nossos dias, a legitimidade dessas afirmações que para muitos ainda parecem audaciosas. Os diálogos da preparação, com que nos deparamos nestes volumes de mensagens mediúnicas, representam uma fase histórica do avanço cultural do Espiritismo na atualidade terrena.

Vem de longe, como já vimos, e para mais longe avança o Diálogo dos Vivos. Ele é o próprio fluxo da vida, rompendo as barreiras falsas da morte para levar-nos aos planos superiores do Espírito. Joel, nas suas profecias, anunciou o seu desenvolvimento. Jesus o ensinou, intensificou e exemplificou com as suas manifestações. Kardec, um dos mais lúcidos discípulos de Jesus, como o declarou Emmanuel, restabeleceu-o após o eclipse teológico e deu-lhe a orientação metodológica necessária à aceitação geral dos homens. Chico Xavier hoje o realiza, com inteira abnegação de si mesmo, a serviço da causa humana e divina do Espiritismo. Não há nada a temer nem a reclamar. Só uma coisa temos a fazer: trabalhar!

São Paulo, 18 de abril de 1974.

J. Herculano Pires


1

Pedido da Terra
(Chico Xavier)

Envio-lhe a resposta do nosso amigo Cornélio Pires a um companheiro que o interpelou, através de um bilhete, sobre o uso do álcool. Em nossa reunião habitual, O Livro dos Espíritos nos deu para exame a questão 466, referente a assuntos de obsessão. O nosso Cornélio estabeleceu a conexão do tema em análise com a resposta ao irmão que a ele se dirigira. Com isso, o nosso entendimento geral do assunto adquiriu maior interesse.

Tratando-se de uma página curiosa e instrutiva, deliberamos passá-la às suas mãos, na ideia de que o assunto será mais valiosamente lançado com os seus comentários e estudos, em favor de nós todos, os companheiros da Doutrina Espírita.


1

Informações do Além

(Cornélio Pires)

Recebi o seu bilhete,
Meu amigo João da Graça,
Você deseja do Além
Notícias sobre a cachaça.

O assunto não é difícil.
Cachaça, meu caro João,
Recorda simples tomada
Que liga na obsessão.

Você sabe. Aí na Terra,
Nas mais diversas estradas,
Todos temos inimigos
Das existências passadas.

Muitos deles se aproximam
E usando a ideia sem voz
Propõem cousas malucas
Escarnecendo de nós.

Nas tentações manejamos
Nossa fé por luz acesa,
Mas se tomamos cachaça
Lá se vai nossa firmeza.

Olhe o caso de Antoninha.
Não queria desertar,
Encafuou-se na pinga,
Hoje é mulher sem lar.

Titino, homem honesto,
Servidor de tempo curto,
Passou a viver no copo,
Agora vive de furto.

Rapaz de brio e saúde
Era Juca de João Dório,
Enveredou na garrafa,
Passou para o sanatório.

Era amigo dos mais sérios
Silorico da Água Rasa,
Começou de pinga em pinga,
Acabou largando a casa.

Companheiro certo e bom
Era Neco de Tião,
Afundou-se na garrafa,
Aleijou o próprio irmão.

Cachaça será remédio,
É o que tanta gente ensina…
Mas álcool, para ajudar,
É cousa de Medicina.

Eis no Além o que se vê.
Seja a pinga como for,
Enfeitada ou caipira,
É laço de obsessor.

Nas velhas perturbações,
Das que vejo e que já vi,
Fuja sempre da cachaça,
Que cachaça é isso aí.


1

Álcool e obsessão

(J. Herculano Pires)

A obsessão mundial pelo álcool, no plano humano, corresponde a um quadro apavorante de vampirismo no plano espiritual. A medicina atual ainda reluta – e infelizmente nos seus setores mais ligados ao assunto, que são os da psicoterapia – em aceitar a tese espírita da obsessão. Mas as pesquisas parapsicológicas já revelaram, nos maiores centros culturais do mundo, a realidade da obsessão. De Rhine, Wickland, Pratt, nos Estados Unidos, a Soal, Carington, Price, na Inglaterra, até a outros parapsicólogos materialistas, a descoberta do vampirismo se processou em cadeia. Todos os parapsicólogos verdadeiros, de renome científico e não marcados pela obsessão do sectarismo religioso, proclamam hoje a realidade das influências mentais entre as criaturas humanas, e entre estas e as “mentes desencarnadas”.

Jean Ehrenwald, psicanalista, chegou a publicar importante livro intitulado: Novas Dimensões da Análise Profunda, corroborando as experiências de Karl Wickland em Trinta Anos Entre os Mortos. (Ed. Koogan), na Europa de hoje, acompanhado por vários pesquisadores, efetuou experiências de controle remoto da conduta humana pela telepatia, obtendo resultados satisfatórios. Tudo isso nada vale para os que se obstinam na negação pura e simples, como faziam os cientistas e os médicos do tempo de Pasteur em relação ao mundo bacteriano.

As quadras de Cornélio Pires sobre a obsessão alcoólica não são apenas uma brincadeira poética. Elas nos mostram – num panorama visto do lado oculto da vida – a própria mecânica desse processo obsessivo. Espíritos inimigos, (que ofendemos gravemente em existências anteriores), excitam-nos o desejo inocente de “tomar um trago”. Aceitamos a “ideia maluca” e Espíritos vampirescos são atraídos pelas emanações alcoólicas do nosso corpo. Daí por diante, como aconteceu a Juca de João Dório, “enveredamos na garrafa” e vamos parar no sanatório. Os Espíritos vampirescos são viciados que morreram no vício e continuam no mundo espiritual inferior, aqui mesmo na Terra, buscando ansiosamente os seus “tragos”. Satisfazem-se com as emanações alcoólicas de suas vítimas e continuam a sugá-las como vampiros psíquicos.

Nas instituições espíritas bem dirigidas esse processo é bastante conhecido, e são muitos os infelizes que se salvam após um tratamento sério. Nos hospitais espíritas as curas são numerosas. Veja-se a obra do Dr. Inácio Ferreira: Novos Rumos à Medicina, relatando as curas realizadas no Hospital Espírita de Uberaba. Não é só a obsessão alcoólica que está em jogo nos processos obsessivos. Os desvios sexuais oferecem um contingente talvez maior e mais trágico do que o do álcool, porque mais difícil de ser tratado.

Tem razão o poeta caipira ao advertir que “álcool, para ajudar, é cousa de medicina”. Só nas aplicações médicas o álcool pode ser usado como remédio. Mas temos de acrescentar, infelizmente, que os médicos de olhos fechados para a realidade espiritual não estão em condições de atender aos casos de alcoolismo. Os grupos espíritas e as associações alcoólicas obtêm resultados mais positivos, quando em tratamentos bem dirigidos.


2

Manifestações de familiares
(Chico Xavier)

As nossas tarefas da noite foram precedidas de solicitações e alegações de vários amigos visitantes que desejavam obter mensagens de familiares queridos, recentemente desencarnados – diversas famílias a pedirem manifestações de ordem particular.

Feita a oração de início, O Livro dos Espíritos nos deu para estudo a questão 155, que suscitou em nosso agrupamento muitos comentários sobre o fenômeno da desencarnação e sobre as dificuldades naturais do intercâmbio entre os Espíritos recém-desenfaixados do campo físico e os irmãos que ficaram em nosso plano de ação.

Ao término das tarefas doutrinárias, Emmanuel ofereceu à nossa reflexão a página “Ante o mais Além”.


2

Ante o mais Além

(Emmanuel)

Anseias pela manifestação dos entes amados que te antecederam na grande viagem da desencarnação.

Pondera, entretanto, relativamente à presença deles no plano físico, onde te encontras ainda, e remonta os cuidados que te recebiam nos instantes de luta e sofrimento: medicação para a enfermidade e entendimento nas horas de crise.

Aqueles que se afiguram mortos estão vivos. E todos os teus pensamentos, com respeito a eles, alcançam-lhes o espírito com endereço exato.

* * *

Imagina uma pessoa em desequilíbrio emocional que gritasse em lágrimas ao telefone, rogando consolo e coragem ao ente amado na outra ponta do fio, hospitalizado para tratamento de reajuste, a exigir bastas vezes socorro mais intensivo.

Decerto que os responsáveis pelo doente, de um lado, e pelo outro, o enfermo, à distância, tudo fariam para adiar o encontro solicitado, considerando que aflição mais aflição somariam apenas desespero maior.

* * *

Diante dos seres queridos domiciliados no Mais Além, reflete, acima de tudo, na infinita bondade de Deus, que nos empresta as afeições uns dos outros por tempo determinado, a fim de aprendermos, através de comunhões e separações temporárias, a entesourar o amor indestrutível que nos reunirá, um dia, na felicidade sem adeus.

E enquanto perdure a distância, do ponto de vista físico, cultiva a saudade nas leiras do serviço ao próximo, qual se estivesses amparando e auxiliando a eles mesmos, tanto quanto efetuando em lugar deles tudo quanto desejariam fazer. Assim construirás, gradativamente, a ponte de intercâmbio pela qual virão ter espontaneamente contigo, de modo a compreenderes que berço e túmulo, existência e morte, são caminhos da evolução para a vida imortal.


2

Telefone mediúnico

(J. Herculano Pires)

Uns não acreditam nas comunicações dos Espíritos, outros acreditam demais e querem obtê-las com a facilidade de uma ligação telefônica. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra! Se as comunicações entre as criaturas terrenas nem sempre são fáceis, que dizer das que se processam entre os espíritos e os homens? Muita gente procura o médium como se ele fosse uma espécie de cabina telefônica. Mas nem sempre o circuito está livre e muitas vezes o espírito chamado não pode atender.

Não há dúvida que estamos na época profetizada por Joel, em que as manifestações se intensificam por toda parte. Nem todos os Espíritos, porém, estão em condições de comunicar-se com facilidade. Além disso, a manifestação solicitada pode ser inconveniente no momento, tanto para o espírito quanto para o encarnado.

A morte é um fenômeno psicobiológico que ocorre de várias maneiras de acordo com as condições ídeo-emotivas de cada caso, envolvendo o que parte e os que ficam. A questão 155 de O Livro dos Espíritos explica de maneira clara a complexidade do processo de desencarnação. Alguns espíritos se libertam rapidamente do corpo, outros demoram a fazê-lo e isso retarda a sua possibilidade de comunicar-se.

Devemos lembrar ainda que os espíritos são criaturas livres e conscientes. Não estão ao sabor dos nossos caprichos e nenhum médium ou diretor de sessões tem o poder de fazê-los atender aos nossos chamados. Quando querem manifestar-se, eles o fazem espontaneamente, e não raro de maneira inesperada. Enganam-se os que pensam que podem dominá-los. Já ensinava Jesus, como vemos nos Evangelhos: o espírito sopra onde quer e ninguém sabe de onde vem nem para onde vai.

É natural que os familiares aflitos procurem obter a comunicação de um ente querido. Mas convém que se lembrem da necessidade de respeitar as leis que regem as condições do Espírito na vida e na morte. O intercâmbio mediúnico é um ato de amor que só deve realizar-se quando conveniente para os dois lados. O Espiritismo nos ensina a respeitar a morte como respeitamos a vida, confiando nos desígnios de Deus. Só a misericórdia divina pode regular o diálogo entre os vivos da Terra e os vivos do Além. Façamos nossas preces em favor dos que partiram e esperemos em Deus a graça do reencontro que só Ele nos pode conceder.

Muitos religiosos condenam as comunicações mediúnicas, alegando que elas violam o mistério da morte e perturbam o repouso dos mortos. Esquecem-se de que os próprios Espíritos de pessoas falecidas procuram comunicar-se com os vivos. Foi dessa procura de comunicação dos mortos, tão insistente no mundo inteiro, que se iniciaram de maneira natural as relações mediúnicas entre o mundo visível e o invisível. O conceito errôneo da morte, como aniquilamento ou transformação total da criatura humana, gera e sustenta essas formas de superstição. O Espiritismo, revivendo os fundamentos esquecidos do Cristianismo puro, mostra-nos que a comunicação mediúnica é lei da vida a nos libertar de erros e temores supersticiosos do passado.


3

Consulta sobre o amor
(Chico Xavier)

As páginas de Cornélio Pires, enriquecidas com os seus apontamentos doutrinários, caro professor, têm motivado interessantes comentários e solicitações.[2]

Assim é que, em uma de nossas reuniões públicas, tendo O Livro dos Espíritos nos dado para estudo a questão 296,[3] e depois das explanações a respeito, por uma de nossas irmãs presentes, o nosso amigo Cornélio respondeu à carta de um companheiro que o consultou acerca do amor no plano espiritual, resposta que lhe enviamos desejando vê-la divulgada com os seus comentários.


3

Ponto de vista

(Cornélio Pires)

Recebi o seu pedido,
Prezado amigo Antenor,
Você deseja saber
O que pensamos do amor.

Falarei do amor terrestre,
Não daquele que conduz
Nossa vida e pensamento
Para a união com Jesus.

É verdade que não tenho
Direito algum que me assista;
Por isso, exponho a você
Meu simples ponto de vista.

Conforme acredito hoje,
Nos pobres estudos meus,
O amor na totalidade
É a natureza de Deus.

No entanto, pelo que vejo,
Quanto ao que sinto e ao que faço,
O amor é Deus em nós todos…
Cada qual tem um pedaço.

De tudo, porém, que amamos,
Até quanto conhecemos,
Quanto menos possessão
Maior a porção que temos.

O amor, quando chega, alcança
Nossa vida rotineira,
Parecendo o orvalho à noite,
Quando cai na laranjeira.

Mas é preciso cuidado
Por dentro do coração.
Toda afeição caprichosa
Traz grande perturbação.

Quando a pessoa faz isso,
Lá se vai a luz do bem:
Carinho vira paixão
Que não dá paz a ninguém.

Olhe a história de Quinota:
Dizia adorar Lineu,
Porque o moço quis a prima,
A coitada enlouqueceu.

Delfim perseguindo Joana
Que, de fato, o não queria,
Atirou sobre o pai dela
E acertou Dona Maria.

Joaquim namorava Zélia;
A paixão nele era fogo…
Quando viu Zélia doente,
Colou-se à Tina Diogo.

Antônia clamava sempre
Que amava Zeca Vilaça,
Mas Zeca perdeu as pernas
E Antônia sumiu da praça.

Recorde o que sucedeu
Com Camilo Felisberto,
Desprezado por Joaquina,
Matou-se com tiro certo.

O amor, na Terra, em verdade,
Pode ter grande aconchego,
Mas para viver em paz
Não deve ter muito apego.

O amor, enfim, vem de Deus,
Mas se em nós vira paixão,
Parece cousa de louco
Ou trama de obsessão.


3

Amor sem possessão

(J. Herculano Pires)

O desapego é uma constante nas lições dos grandes mestres espirituais. E mesmo na vida terrena as pessoas sensatas e experientes compreendem os perigos do apego amoroso. Todas as escolas de Psicologia denunciam esses perigos e, desde os gregos até nós, os filósofos ensinam que a felicidade depende da nossa capacidade de libertar-nos do apego às coisas e aos seres. O ciúme é sintoma de apego e leva a desequilíbrios perigosos, podendo gerar doenças graves e acarretar crimes nefandos.

Lemos sempre nos jornais a expressão: “Matou por amor”. Mas a verdade é que o amor não mata, pois o amor é vida e não morte. O que mata é o ciúme, o apego amoroso, gerado por sentimentos inferiores de posse exclusivista da pessoa amada. Esses sentimentos são resquícios animais da espécie que racionalmente devemos expulsar de nós, ao invés de racionalmente aumentá-los, como em geral fazemos. Nossa imaginação pode levar os instintos animais a intensidades ameaçadoras, o que jamais ocorre nas espécies animais. Temos de aprender a amar sem apego.

Quando Cornélio escreve que “o amor na totalidade é a natureza de Deus”, lembra-nos a afirmação de João, em seu Evangelho: “Deus é amor”. E Cornélio tira desse princípio a explicação do antigo mistério da presença de Deus em nós, afirmando: “O amor é Deus em nós todos, cada qual tem um pedaço”. A seguir, adverte que quanto menos possessão pusermos no amor, mais amor teremos em nosso coração. É impossível dar-se uma lição tão elevada com palavras mais simples e de maneira mais natural.

Toda a dinâmica da evolução espiritual se esclarece na simplicidade caipira desses versos. Deus está presente em nós pela nossa capacidade de amar, mas enquanto não superarmos o nosso egoísmo, que tudo quer com exclusividade, o amor permanecerá sufocado pela vaidade, o desejo e a ambição. Poderíamos perguntar: mas se o amor é o próprio Deus, por que ele não vence o nosso apego? A resposta é clara: porque amor é liberdade. O amor é Deus chamando-nos para a liberdade, convocando-nos ao desapego por nossa própria compreensão e decisão. Deus não nos ama com apego, mas com liberdade e por isso não quer impor-nos a compreensão do amor, que devemos atingir por nós mesmos.


4

Hora de descrença
(Chico Xavier)

Amigos que nos visitavam, em conversação conosco, reportavam-se ao grande número de pessoas que, na atualidade do mundo, mostram-se desinteressadas pela fé religiosa.

Incluíam entre elas a parcela de companheiros do nosso ideal que, embora continuem amparados pelas convicções espíritas-cristãs, afastam-se das atividades doutrinárias.

Detivemo-nos sobretudo na consideração dos irmãos de humanidade que se dizem afastados da ideia de Deus, que se declaram ateus, que afirmam preferir a condição de materialistas à de religiosos, espíritas, médiuns ou doutrinadores, em vista de conservarem os defeitos inerentes à natureza humana.

Detivemo-nos também no caso dos muitos que se dizem descrentes em vista das conquistas científicas do nosso tempo.

Após tais considerações preliminares, foram iniciados os estudos da noite, com O Livro dos Espíritos oferecendo-nos a questão 148, que suscitou muitos comentários instrutivos. Encerrando nossas tarefas, Emmanuel escreveu a página “Materialismo e atualidade”.


4

Materialismo e atualidade

(Emmanuel)

Nos mais diversos grupos religiosos temos companheiros que se confessam desolados por desenganos e se retiram da fé, asseverando-se dispostos a viver sem Deus.

Viver sem Deus para eles significa a demissão das disciplinas e obrigações que nos frenam os impulsos inferiores e nos impõem os deveres da educação própria.

Livres tais quais somos, procedem assim acreditando que se farão mais felizes pela adoção de semelhante atitude. No entanto, não se sabe de nenhum deles que haja chegado com isso à paz íntima, alicerce fundamental da felicidade.

É que a consciência ocupa em nós muito mais espaço que todas as estruturas que nos constituem o corpo e a alma.

Na Terra de hoje, em nos reportando ao veículo físico, transplantam-se peças determinadas e até mesmo certos órgãos podem ser extraídos sem prejuízo para a existência da criatura. Não existe, porém, qualquer cirurgia que atinja as forças da consciência. Será possível alterar ou anestesiar funções do cérebro que serve-lhes de moradia, impedindo-se-lhes temporariamente as manifestações, mas todo processo de sedação do campo mental, que não se filie ao critério científico para efeito de tratamento ou de cura, resultará sempre em desequilíbrio do qual a vítima voltará à revisão de si mesma para o necessário reajustamento.

Nenhum de nós foi criado para a irresponsabilidade.

Urge observar ainda que não somos tão ingênuos a ponto de admitir que basta crer em Deus para que nos sintamos anjos, ao invés de criaturas humanas.

Justamente por isso é que nos conhecemos nos débitos, defeitos, imperfeições, deficiências e inclinações menos felizes que ainda nos caracterizem a individualidade.

Entretanto, vale muito mais aceitarmo-nos como somos e aceitarmos os outros como ainda são, trabalhando pelo bem de todos, sob a inspiração da confiança em Deus, do que, a pretexto de virtude ou superioridade, nos declararmos contra Deus, caindo na rebeldia ou no ódio, na violência ou na sovinice, na inveja ou na criminalidade, no alcoolismo ou na toxicomania, na sexualidade descontrolada ou nos desvarios da inteligência.

Há quem diga, e com razão, que milhões de companheiros da Humanidade se bandeiam neste século para o materialismo. Todos eles, porém, permanecem no tumulto e na insegurança, procurando a paz e a alegria que não encontram. E isso ocorre, inelutavelmente, porque toda vez que nos arvoramos contra Deus optamos pela desorientação de nossa própria vida.

Diante dos irmãos que se afastam dos templos e oficinas da fé religiosa, oremos pela tranquilidade deles, porquanto se escolhem fugir de Deus, alegando obstáculos e tribulações na estrada real para a Vida Superior, muito maiores serão as dificuldades com que se observarão defrontados no terreno desconhecido em que se marginalizam. E prossigamos atentos nas obrigações que nos cabem, claramente convencidos de que todos aqueles companheiros nossos que pretendem a fuga de Deus continuam em Deus, ante a impossibilidade de viverem sem a própria consciência. Sofrem com a ausência de mais profunda intimidade com as tarefas alusivas à inspiração de Deus, suspiram pelo retorno à fé e se atormentam com a sede de harmonia interior, motivos pelos quais à disciplina das Leis de Deus todos eles voltarão.


4

Hora de fé

(J. Herculano Pires)

Não é por causa dos estudos e do progresso das ciências que os homens se tornam materialistas, mas por causa do orgulho e da vaidade. Isso afirma Kardec, em O Livro dos Espíritos, reproduzindo instruções espirituais, na questão 148. E, a seguir, comenta: “Por uma aberração da inteligência, há pessoas que não veem nos seres orgânicos mais do que a ação da matéria, e a esta atribuem todos os nossos atos”.

Essa aberração da inteligência torna-se mais evidente em nossos dias. A diagnose de Kardec foi de absoluta precisão. No momento exato em que a cultura terrena perde as suas bases materiais e passa a girar na órbita do espírito, é absurdo, simples absurdo, lamentável prova da deformação da lógica pelo orgulho, a opção do materialismo. A matéria se desfez em energia, e, portanto, em vibração, nas mãos dos físicos; a descoberta da antimatéria revelou novo plano de vida; a Astronáutica abriu-nos a possibilidade de contato com outros mundos habitados; os materialistas foram surpreendidos com a possibilidade de ver e fotografar o corpo espiritual do homem, e puderam constatar que esse corpo não se destrói com a morte.

Quais os dados que esses avanços do conhecimento oferecem a favor da concepção materialista? Só uma aberração da inteligência, uma deformação da razão, pode levar alguém a deduzir, dessa enorme revolução científica, que o materialismo saiu vitorioso. Os próprios filósofos materialistas, como no caso de Bertrand Russell, viram-se obrigados a estranhos malabarismos mentais para defender a sua concepção. Sartre, o filósofo do nada, perdeu popularidade em favor de Heidegger, até há pouco acusado de cair no misticismo.

É tolice dizer que o desenvolvimento atual das ciências favorece o materialismo. O próprio Einstein afirmou, bem antes desses avanços mais recentes: “O materialismo morreu por falta de matéria”. Quem opta pelo materialismo, nesta altura da evolução científica, revela falta de senso ou distúrbio do raciocínio. Seria o mesmo que Tomé dizer a Jesus ressuscitado: “Se toco as tuas chagas é porque não morreste”.

A tendência para o materialismo é ainda muito comum entre os jovens. “A juventude – disse Ingenieros – toca a rebate em toda renovação”. Os jovens trazem a missão de renovar o mundo e por isso lutam contra os princípios dominantes, rebelam-se contra os sistemas tradicionais. A luta da Ciência contra a Religião – o dogmatismo fideísta emperrando o progresso – mostra-lhes de que lado estão as forças renovadoras. Eles se alistam afoitamente desse lado. Mas o Espiritismo transformou esse quadro, revelando que a Ciência também pode frear o progresso. Os dogmas do materialismo científico são tão prejudiciais quanto os do fideísmo religioso. E os moços começam a compreender isso.

Temos de ajudar os jovens, mostrando-lhes que o Espiritismo não sofre dos prejuízos do dogmatismo fideísta ou do dogmatismo religioso. Temos de mostrar-lhes que a Ciência Espírita é hoje a posição de vanguarda. Mas para tanto é necessário desenvolvermos a Cultura Espírita, criando o clima adequado à compreensão da Doutrina em sua plenitude e não apenas no seu aspecto religioso. Ai dos que tentam afastar os jovens do Cristo, subordinando-os à rotina dos velhos. O Espiritismo é a juventude do mundo, é a rebelião contra os erros do passado. Ele nos propõe uma hora de fé, mas de fé racional, de fé pelo saber.


5

Homenagem a Bezerra de Menezes
(Chico Xavier)

A mensagem de Maria Dolores foi obtida em nossa reunião pública levada a efeito em homenagem ao nosso caro benfeitor espiritual, o Dr. Bezerra de Menezes.[4]

O tema em estudo foi o item 11 do capítulo XIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulado “Beneficência”. Após os comentários da noite, a nossa querida irmã compareceu com sua página poética “Mãos Benditas”.


5

Mãos benditas

(Maria Dolores)

Escuta-nos, Senhor,
Na luz do Lar Celeste!
Desejamos, Jesus, agradecer-te
As mãos benditas que nos deste!
Aquelas mãos sublimes
Que nos entreteceram o berço
Entre as forças do mundo,
Que fizeram escolas,
Aquelas que tomaram nossos dedos,
Revestidas por ti de amor terno e profundo
A fim de penetrarmos nos segredos
Das palavras e letras da instrução…

As que encontramos no caminho,
Quando a sombra da mágoa nos alcança
E acendem para nós com simpatia
O facho da esperança.
Aquelas que nos trazem,
Ao sol do dia-a-dia,
Exemplos de trabalho.
As que cavam a terra,
Muita vez suportando espinhos agressores
E vibram de alegria
Ao vê-la transformar-se em celeiro de flores!

As que fazem o pão,
As que costuram vestes multiformes,
Cobertura e agasalho,
Aquelas que nos dão
A bênção da limpeza,
As que buscam nos dons da Natureza,
Quantas vezes, cansadas de lutar,
Os recursos da vida
Que nos erguem o lar…

As que socorrem os doentes,
As que se inclinam para os sofredores,
Em recintos de angústia, lares e hospitais,
Que afagam companheiros indigentes
Ou que protegem pobres pequeninos
Revelando desvelos maternais!

As que orientam para a ordem,
Garantindo a justiça e a segurança,
As que escrevem bondade, educação, beleza,
Em que a estrada se eleva e a mente se aprimora,
Criando, mundo afora,
Ideias de otimismo, reconforto,
Das quais se estende a luz de surpresa em surpresa…

Aquelas que se humilham quais violetas
E, revolvendo o pó,
Levantam nosso irmão ou nossa irmã
Caídos nas sarjetas
Ou no esgoto comum,
De coração dizendo a cada um:
– “Você não está só”.

As que foram batidas
Por críticas mordazes
E prosseguem agindo como fazes,
Retribuindo o mal com o bem;
As que ajudam e passam
Sem ferir a ninguém…

Benditas sejam elas
Todas as mãos, Senhor, que procuram servir,
– Exército de estrelas a buscar-te,
Edificando, em toda parte,
O Reino do Porvir.

E agradecendo-as, rogo-te, Jesus:
Toma-me as mãos vazias,
Faze-me trabalhar
Em todos os meus dias!
E porque me conheça
Tão pobre quanto sou,
De revés em revés,
Sem nem mesmo poder
Aspirar, ante os séculos futuros,
À sublime ventura,
Anseio conquistar a posição
Da serva que se esqueça
Nas tarefas de amor que o teu amor reparte.
E, a despeito de minha imperfeição,
Frágil, errada e inculta, quero dar-te
Meu próprio coração.


5

Exército de estrelas

(J. Herculano Pires)

As mãos de Bezerra de Menezes, o Médico dos Pobres, foram na Terra as fiandeiras da caridade. Trabalharam intensamente, desde o seu tempo de estudante, em favor dos necessitados. E enquanto elas teciam a rede de socorro e assistência aos pobres, sem esquecer os ricos, para os quais usava a sua inteligência e a sua cultura, ele tecia sem querer e sem saber a sua própria túnica de luz para a vida espiritual.

Maria Dolores se inspira nessas mãos benditas para nos enviar a sua mensagem poética. E toda essa mensagem é um cântico de amor aos homens, chamando-lhes a atenção para a responsabilidade das mãos. Os que amam a poesia gráfica e, portanto, sensorial dos nossos dias, os hieróglifos da chamada poética de vanguarda, não gostarão dessas estrofes despretensiosas e lineares (porque racionais) da poetisa espiritual. Mas os que não se apegam à forma e procuram a substância poética sentirão a música inaudível desses versos.

Os pintores nem sempre deram a devida importância às mãos de Jesus em seus quadros. Mas um pintor paulista, Vicente Caruso, fez um quadro de Jesus em que a mão se destaca. Todo o valor do quadro está naquela mão – apenas uma – em posição vertical, revelando em suavidade e pureza a missão do Salvador. O médico Dr. Silvio Marone escreveu um pequeno mas valioso ensaio sobre a psicologia das mãos na Ceia de Da Vinci, analisando a linguagem das mãos. Essa linguagem se traduziu mediunicamente nas materializações de mãos produzidas através do médium Daniel Dunglas Home, um “gentleman” escocês que se celebrizou pelo borboletear das mãos em suas manifestações, embora nunca tenha sido espírita.

As mãos dizem o que somos, porque somos o que fazemos através delas. Podemos semear a destruição e podemos semear o amor com as nossas mãos, mas devemos lembrar que colheremos o que semearmos. Por isso, a poetisa quer inscrever as suas mãos no exército de estrelas que luta na Terra em busca de Jesus.

Há um poema de Michel Quoist, muito divulgado, em que ele agradece a Deus os braços e as mãos que nos deu, enquanto tantos existem sem braços. Refere-se também aos outros membros e órgãos que possuímos, enquanto muitos não os possuem. Maria Dolores não comete esse feio pecado de egoísmo. Ela sabe que os mutilados de hoje recuperarão amanhã os membros perdidos e não devem ser apontados como consolo egoísta para nós. Por isso, atém-se a louvar as mãos benditas que trabalham na construção do bem. É como se nos dissesse: “Emprega bem as tuas mãos, para que elas nunca te faltem”. E aos que não as possuem: “Quando recuperardes as mãos, empregai-as sempre no bem”.


6

Ouro: prós e contras
(Chico Xavier)

O Evangelho Segundo o Espiritismo nos ofereceu para estudo o item 7 do capítulo XVI, relativo à fortuna terrena. Os comentários dos companheiros foram os mais diversos.

Alguns destacavam a sovinice e a ambição, a maldade e a guerra através da História, formulando acusações ao ouro. Outros mostravam o valor da fortuna material como instrumento de evolução do homem e do mundo.

Complementando as observações da noite, o nosso caro Emmanuel escreveu a página a que denominou “Dinheiro”.


6

Dinheiro

(Emmanuel)

Abençoa o dinheiro para que o dinheiro te abençoe.

Em verdade, não temos nele a vida, mas em si mesmo se erige por valioso sustentáculo do progresso, sobre o qual a vida se aperfeiçoa.

Não é o amor; entretanto, suscita a simpatia e o reconhecimento em que, muitas vezes, o amor aparece em fontes de luz.

Não é a saúde; todavia, assegura o medicamento que combate a enfermidade.

Não é a paz; contudo, é fator de equilíbrio, promovendo o trabalho ou extinguindo muitos dos débitos que atormentam o espírito.

Não é a felicidade; no entanto, pode criar a felicidade a nosso favor, através do bem que é capaz de esparzir.

“Talvez… Talvez…”, dirás, com amargura de quantos viste no resvaladouro da delinquência por não saberem usufruí-lo com segurança e proveito. De nossa parte, porém, tomamos a liberdade de perguntar se conheces todo o inventário:

· das dores que o dinheiro suprime;

· das lágrimas que enxuga;

· das aflições que desfaz;

· das empresas culturais que sustenta;

· do reconforto que espalha;

· das esperanças que semeia;

· das boas obras que realiza;

· das vidas que salva;

· dos suicídios e delitos outros que consegue evitar;

· das indústrias que incentiva e mantém;

· das inteligências que aprimora; ou

· das bênçãos de alegria que distribui.

Não censures a fortuna amoedada e nem condenes aqueles que a conservam, carregando responsabilidades e dirigindo-se a fins que ignoramos.

Na Terra o dinheiro é uma alavanca que a Divina Providência nos coloca nas mãos; manejando-a, tanto se pode marginalizar o coração nas trevas quanto edificar o luminoso caminho para a Vida Maior.

Dinheiro, em suma, vem de Deus, mas é forçoso reconhecer que a aplicação dele vem de nós.


6

Os ricos e o Reino

(J. Herculano Pires)

A condenação de Jesus aos ricos, tão clara no Evangelho de Lucas, não se refere à fortuna em si, mas ao apego à fortuna. Se Jesus considerasse o dinheiro como maldição não diria ao moço rico que o distribuísse aos pobres. A riqueza individual e familiar é uma forma de acumulação com vistas ao futuro da coletividade. Kardec examinou suficientemente esse problema e deixou evidente o papel social da riqueza. Mas justamente por isso ela se torna, como dizem constantemente os Espíritos, uma das provas mais perigosas para o espírito encarnado.

Podemos compará-la à saúde. O homem são e forte em geral se embriaga com a sua condição e se afasta dos problemas do espírito. Esquece o que é e que terá de voltar ao plano espiritual. A prova da saúde é tão perigosa como a da fortuna. Mas ambas têm por finalidade adestrar o espírito na luta com as ilusões, com as fascinações da vida. É nessa luta que o espírito desenvolve os seus poderes internos, a sua capacidade de superar a matéria, de dominá-la como o nadador domina a água.

A parábola do jovem rico põe a nu a situação do espírito diante da prova. O jovem queria a salvação e procurava seguir os preceitos da lei para atingi-la. Sua consciência o advertia de que ele não estava fazendo o necessário. Mas quando Jesus lhe disse que se libertasse dos seus bens e os revertesse em favor dos pobres, ele não teve coragem de fazê-lo. Vender as suas propriedades e distribuir o dinheiro aos necessitados não é apenas dar esmolas. A maior esmola é a que se faz em forma de auxílio e estímulo ao trabalho. As propriedades inúteis do jovem rico podiam ser transformadas em recursos de produção, beneficiando os pobres.

A acumulação da fortuna implica no dever do seu bom emprego em favor da coletividade. Quem não a usa nesse sentido, mas apenas em beneficio do seu orgulho e da sua vaidade pessoal, está colocando-se na situação do camelo que não pode passar pelo fundo da agulha. A vida terrena passa breve e o rico egoísta logo se verá diante da porta estreita do Reino sem poder franqueá-la. Quando os homens forem capazes de enfrentar a prova da riqueza para vencer o egoísmo, a miséria desaparecerá do mundo.

A porta do Reino de Deus é estreita, porque só as almas puras, aliviadas da carga da ambição e do orgulho, devem passar por ela. O rico egoísta, apegado aos seus haveres, não consegue entrar, pois não se dispõe a largar os seus fardos do lado de fora. Terá de voltar muitas vezes à Terra, aos reinos dos homens, para aprender que a riqueza material só o ajudará quando ele souber trocar as suas moedas de metal por atos de amor.


7

Encontro na prece
(Chico Xavier)

A mensagem “Vida e Coragem” nasceu de uma reunião de amigos a que compareci. Comentávamos os problemas e tribulações com que somos todos desafiados para seguir adiante, na execução de nossos compromissos ante as realizações espirituais.

Tantos companheiros se afastam das atividades a que se consagravam, nos domínios da fé, muito embora continuem convencidos quanto às verdades do espírito! E quantos como que se distanciam da própria vida, permanecendo em desânimo! Referimo-nos a isso, quando alguém lembrou o benefício da prece em conjunto, para buscarmos a inspiração da Vida Superior.

A oração foi pronunciada por um de nossos companheiros. Em seguida abrimos O Livro dos Espíritos, que nos ofereceu a questão 643 [5] para estudo. Trocamos ideias em torno do assunto suscitado pelas instruções kardecianas. E, ao término do ligeiro encontro espiritual na prece, o nosso amigo André Luiz escreveu, por nosso intermédio, a mensagem sobre coragem e realização que todos nós, presentes ao estudo, concordamos em enviar às suas mãos, na esperança de vê-la em nossas publicações com os seus apontamentos doutrinários, para maior amplitude de esclarecimentos em nosso favor.


7

Vida e coragem

(André Luiz)

Ninguém consegue evoluir e elevar-se sem a coragem de aceitar-se tal qual é para fazer o melhor de si.

* * *

Decerto os que nunca erraram e nunca sofreram estarão ainda na estaca zero, em matéria de experiência.

* * *

Nenhum avanço se fez e nem se fará sem riscos.

* * *

Pessimismo é impedimento de criação voluntária.

* * *

Receio de sacrifício, em se tratando de fazer o melhor, é atraso na marcha.

* * *

Trabalhar servindo é participar, e participar é viver corajosamente.

* * *

Todos aqueles que se preservam demasiado contra obstáculos e provações acabam fugindo às tarefas que lhes compete desenvolver.

* * *

O Espírito que colabora na construção da felicidade geral não se agasta com a visita da injúria, qual o semeador que, a fim de enriquecer o celeiro, não se irrita contra os detritos do solo a que se dedica.

* * *

Na contabilidade do bem de todos, mais vale imperfeição que trabalha em auxílio aos outros, no processo de aperfeiçoamento da alma, que virtude inerte com medo de perder-se.

* * *

Todos nós – os Espíritos ainda vinculados à Terra – somos, coletivamente considerando, vasto rebanho de criaturas em evolução. Mas aquele que não tenha coragem de pensar, agir e renovar-se sozinho, quando o rebanho estoure ou empaque, estará por muito tempo na roda da repetição, de vez que sem coragem de sermos o que somos, operando e cooperando para cumprir o dever que a vida nos atribui, não encontraremos progresso e nem apresentaremos utilidade para ninguém.


7

Ser e fazer

(J. Herculano Pires)

Tudo na vida está por fazer. O que já fizemos é apenas o início da nossa tarefa. Ser e fazer são duas faces da mesma moeda. Quem é, faz. Quem não faz, não é. Podemos lembrar a doutrina de potência e ato em Aristóteles. Somos em nós mesmos a potência de quanto temos que fazer. Mas só fazendo nos atualizamos, nos convertemos na realidade viva do nosso destino, no ato de viver. Os filósofos existenciais consideram hoje que, para o homem, a vida é potência que se realiza no ato de existir. Assim, existir é viver conscientemente, lutando sem cessar na busca da transcendência.

A mensagem de André Luiz toca num ponto essencial da Filosofia Espírita – o seu aspecto existencialista. Ao contrário do que geralmente se pensa, o Existencialismo não é uma corrente superficial do pensamento moderno. É um esforço para a compreensão do Ser através da Existência, uma busca do homem através do seu fazer. No Espiritismo essa busca se amplia e se aprofunda com a doutrina das existências sucessivas. O homem se faz a si mesmo fazendo o que lhe compete em cada existência. Se ele se considerar feito ou incapaz de fazer, não transforma a vida em ato, não existe.

As plantas e os animais vivem. A vida se atualiza nos reinos vegetal e animal através do simples ato de viver. Mas no homem existe a consciência, que supera o simples viver, exigindo o fazer espiritual. O homem não pode vegetar nem viver segundo os instintos animais. A consciência contém os seus próprios instintos que em O Livro dos Espíritos são designados como instintos espirituais. Estes exigem do homem a definição do seu viver no rumo das suas aspirações. Só assim ele se torna um existente, que no Espiritismo se define como interexistente, um ser que existe entre dois mundos.

É por isso que o homem precisa aceitar-se tal qual é, tomando consciência das suas deficiências, dos seus defeitos, para fazer o melhor de si mesmo, para superar-se. As Filosofias da Existência, que caracterizam o pensamento filosófico do nosso tempo, confirmam a Filosofia Espírita e nos fornecem novos elementos para melhor compreendê-la. Se o leitor desejar aprofundar este assunto, deve ler o nosso livro O Ser e a Serenidade, da Coleção Filosófica Edicel. Não podemos indicar outro, simplesmente por não existir.


8

Poesia-prece
(Chico Xavier)

Precedendo-nos a sessão pública, as conversações dos amigos que nos visitavam, em grande número, punham em destaque a beleza de nossos princípios e as nossas dificuldades para trazê-los à luz da prática. Falávamos a respeito dos choques e das depressões que nos tomam o pensamento quando caímos em erros e da necessidade de nos superarmos para continuar lutando pelo autoburilamento.

Iniciadas as tarefas da noite, O Livro dos Espíritos nos deu a exame a questão 660, referente à prece. E depois dos comentários de uma nossa irmã, a poetisa desencarnada Maria Dolores escreveu a poesia-prece “Confidência mais Íntima”.


8

Confidência mais íntima

(Maria Dolores)

Senhor!…
Quantos te deram
A vida de uma vez!…

Bendito o santo que se fez
Na virtude integral!…

Louvado seja o apóstolo da fé
Que viveu e sofreu, padecendo de pé,
Dando-te o coração para vencer o mal!…

Glorificados sejam para sempre
Os mártires e heróis
Que te seguiram sem vacilações
Para o Reino do Amor onde te pões,
À maneira de sol refulgindo entre os sóis!…

Ampara-me, porém,
Compassivo Senhor do Eterno Bem,
A mim – pobre de mim – que só te posso dar
Meus frágeis sentimentos como são,
Consagrando-te a vida, gota a gota,
Dentro de minha própria imperfeição!…

Quando me chamas para a caridade
Ante os encargos de que me encarrego,
Perdoa se te entrego
Apenas um vintém
No socorro de alguém.
Quando me sabes de mãos ricas…
Tão logo me assinalas e edificas.

Pedindo-me concurso em favor de um doente,
Desculpa se te dou tão-somente um minuto
De todo o largo tempo que desfruto,
A fim de repousar indefinidamente.

Quando me buscas para ser
A intervenção do amor,
Segundo o meu dever,
Onde o ódio campeia
E a discórdia domina,
Perdoa se te oferto simplesmente,
Em frase pequenina,
Breve conceito superficial,
Que fale de harmonia e conserve tal qual
O problema que aflige a vida alheia.

Fugindo de espalhar a paz a que me elevas
Deixando em fogo e pranto as vítimas das trevas…
Quando me indicas à piedade
Por aqueles que a crítica condena,
Perdoa se te trago,
De sentimento indefinido,
Curto gesto de pena,
Qual se colaborasse,
Na indecisão de minha própria face,
Para que o bem seja esquecido…

Releva-me, Senhor,
A doação escassa
Nos imensos recursos que me deste
Do Tesouro Celeste!…

Do teu rio gigante de ternura
Recebo, dia a dia,
Carinho, bênção, graça,
Providência e alegria
Em manifestações da luz que nunca falha;
Mas de tudo o que dou, cedo apenas migalha…

Leve nota de amor, incrustada de ciúme,
Um pingo de paciência em caudais de azedume,
Uma palavra de esperança
Entre laudas de queixa desatada,
Leve nota de paz
Em tom distante e indiferente,
Eis o que dou somente…

Tantos me amparam tanto e auxilio a tão poucos!…

Senhor!…
Abre-me o coração,
Dá força nova aos meus ouvidos moucos,
Prende-me os braços ao serviço,
Cura-me o pensamento ocioso e enfermiço!…

E, por agora,
Se te dou minha vida, gota a gota,
Nas sombras do egoísmo em que me vejo,
Entre rosas de sonho e espinhos de desejo,
Lavrando contra mim
Exigências fatais
Que somarão mais tarde prova e dor,
Perdoa-me, Senhor,
Se nada posso fazer mais…


8

Multiplicação

(J. Herculano Pires)

Na possibilidade de servir
Sempre nos tolhe a impossibilidade,
Porque não damos nunca sem pedir
O necessário sem necessidade.

Se tantos nos apoiam sem medir
Nem pesar a farinha da bondade,
Por que não entregar sem exigir
Os nossos pães às mãos da caridade?

Que o Senhor da fartura sem limites
Consiga abrir-nos os ouvidos moucos,
Pondo limite aos nossos apetites.

Se pudermos abrir nossos bornais
À multiplicação dos pães (tão poucos!)
Já estaremos fazendo muito mais!


9

Diante dos obstáculos
(Chico Xavier)

A página que envio foi recebida numa reunião de amigos. Vários deles destacavam os obstáculos que acreditam defrontar na vida. Obstáculos para encontrar tranquilidade, trabalho certo, prosperidade e alegria de viver.

Como agir para acertar com a verdadeira estrada do sucesso? Falávamos sobre as muitas soluções que a experiência comum nos sugere para a liquidação dos problemas da vida, quando um dos presentes lembrou a oportunidade de orarmos em conjunto, buscando a inspiração dos nossos maiores.

Fizemos a prece e em seguida buscamos o amparo de O Livro dos Espíritos, que nos ofereceu a questão 768 para estudo.[6] Após ligeiro diálogo, o nosso amigo André Luiz escreveu, por nosso intermédio, a página referida que envio, considerando a possibilidade de sua publicação com o apoio dos seus comentários.


9

Sucesso e nós

(André Luiz)

Você é o seu próprio pensamento em ação.

Todos somos filhos de Deus e, em qualquer lugar, estamos todos na Presença Divina.

* * *

A Suprema Lei da Vida é o Bem de Todos.

Concentre-se tão-somente no bem e a sua imaginação funcionará por lente vigorosa, ampliando a visão dos bens que lhe enriquecem a vida.

* * *

A palavra é força criadora.

Coloque bondade e compreensão no verbo que lhe expõe o modo de ser e a sua palavra realizará maravilhas.

* * *

Aceite a lei do progresso.

Observe a árvore que você planta e verificará o imperativo da evolução.

* * *

Você pode e deve conservar-se fiel ao seu amor e ao seu ideal, mas não conseguirá ser feliz sem renovar-se.

Aprendamos com a fonte que prossegue sem alteração na estrutura essencial da corrente, entretanto avança em movimento constante para os seus próprios objetivos.

* * *

A tarefa em suas mãos é semelhante a determinada empresa com os clientes que se lhe agregam aos interesses.

O seu êxito terá sempre o tamanho do serviço que você preste.

* * *

Apague de sua mente e de sua conversação toda ideia ou palavra que estabeleça imagens condenatórias ou deprimentes.

A nossa existência é comparável à escada e todos somos capazes de utilizar os degraus que nos levem acima.

* * *

Nunca despreze os outros, nem despreze a você mesmo.

Ninguém existe sem utilidade ou sem importância na Obra Divina da Criação.

* * *

Auxilie para o bem quanto e como possa, resguardando a consciência tranquila.

De tudo o que dermos receberemos centuplicadamente.

* * *

Faça de Deus o seu mentor, o seu companheiro, o seu amigo e o seu sócio, reconhecendo que é nosso dever colocar-nos em Deus, tanto quanto Deus, por Suas Leis, está em nós.

Praticando o bem com esquecimento do mal, conforme evidenciam as leis de Deus, entreguemo-nos às obrigações que a Divina Providência nos confiou, nos quadros do dia-a-dia. E, em matéria de sucesso e segurança, paz e alegria, o nosso próprio trabalho, com a bênção de Deus, fará o resto.


9

Os degraus do bem

(J. Herculano Pires)

É bastante conhecida a frase de Sartre: “Os outros são o Inferno”. Mas André Luiz nos propõe o contrário: os outros são o céu. Quando compreendemos bem a necessidade da vida social, aprendemos que os obstáculos são degraus de uma escada que temos de subir. Esses obstáculos estão precisamente nos outros. Porque são os outros que nos negam as facilidades que desejamos obter, que procuram afastar-nos do seu caminho ou utilizar-nos como instrumentos para as realizações deles, em detrimento das nossas.

Mas se estamos na vida para desenvolver nossas faculdades, para aprender a superar dificuldades, é claro que os obstáculos são os recursos de que dispomos para o nosso aprimoramento. Uma corrida de obstáculos é um treinamento valioso para o atleta. E nós todos nada mais somos do que atletas do espírito, desenvolvendo na vida as nossas habilidades.

O atleta desenvolve os músculos, a agilidade, o equilíbrio. O espírito desenvolve a inteligência, o pensamento, a compreensão, o amor. Mas sem os outros pela frente não teríamos a possibilidade de treinar. À proporção que fracassarmos nas relações sociais, iremos sendo forçados a procurar novos meios de agir. E então perceberemos que encarando os outros como irmãos e não como adversários conseguiremos superar os obstáculos.

Deus é o Bem Supremo. Os outros são os degraus da escada que nos leva a Deus. Pensando em Deus e fazendo o bem ao próximo, estaremos subindo a escada do verdadeiro sucesso. Temos de anular no presente as reações do mal que fizemos no passado. São essas reações que nos atrapalham. Aprendamos agora a fazer o bem aos outros e Deus nos retribuirá com o bem dos outros a nosso favor.


10

Como agir?
(Chico Xavier)

Antes das tarefas espirituais da noite, com vários amigos que nos visitavam a instituição, comentávamos as circunstâncias em que tantas vezes nos vemos impossibilitados de fazer o que desejamos, no que se refere à prática do bem.

Em muitas ocasiões somos constrangidos por nossos deveres a dar o que nos exigem em alto nível de quantidade, quando só possuímos muito pouco. Em ocasiões outras a experiência nos pede atitudes de tolerância que, de momento, não somos capazes de mostrar de todo, a fim de não favorecer a perturbação.

Às vezes queremos dar tempo e alegria aos outros, sem conseguirmos fazê-lo senão em escala mínima, de modo a não criar dificuldades e inquietações em outras pessoas. Como agir nesses casos?

Explanávamos sobre o assunto quando o horário nos chamou à reunião doutrinária. Abertos os estudos da noite, O Evangelho Segundo o Espiritismo nos ofereceu a exame os itens 5 e 6 do capítulo XIII, contendo a lição do óbolo da viúva. Feitos os comentários por diversos irmãos, ao término da reunião o nosso caro Emmanuel trouxe-nos pela psicografia a página “Melhor Assim”.


10

Melhor assim

(Emmanuel)

Terá soado o momento de tua cooperação, no amparo a outrem, e efetivamente estimarias entregar o máximo de ti, segundo as circunstâncias, mas se não podes dar, na medida dos teus desejos, cede a migalha que possuis, de vez que será melhor ofertar o mínimo de que dispões que te recusares ao beneficio, cerrando as portas do amor aos semelhantes.

* * *

O desafio à humildade terá surgido à frente e decerto surpreenderias razão para grande prazer com a capacidade de revelar compreensão angélica, diante daqueles que te examinam a evolução espiritual; no entanto, se não consegues fazer isso, não escondas esse ou aquele pequenino gesto de tolerância, porque será mais justo articular apagado impulso de entendimento que desertar do concurso fraterno, dando pasto à agressividade exagerada, perante ofensas e pedradas que, no fundo, não passam de manifestações de enfermidade ou desequilíbrio no comportamento alheio.

* * *

Caso não desfrutes a oportunidade de empenhar um dia de serviço aos irmãos mais necessitados do que nós mesmos, quando se te faça possível, oferece uma hora em favor deles, porquanto será mais proveitoso mobilizar alguns minutos na execução das boas obras que te omitires, junto delas, gelando a confiança e o ideal do bem nos irmãos de experiência e caminho.

* * *

Na ocasião em que não te vejas capaz de testemunhar alegria, nos instantes de crise, sem outro recurso senão aquele de exteriorizar um sorriso pobre, em auxílio de teu ambiente pessoal, será mais valioso esse pobre sorriso que qualquer palavra menos feliz tendente ao mergulho no desespero, agravando os problemas dos que te cercam, a esmolarem apoio e compreensão.

* * *

Ampara o bem dos outros, na garantia do teu próprio bem.

E quando não possas entregar o máximo qual desejas e tanto quanto se espera de ti, oferece o mínimo ao teu alcance, porquanto a ausência do melhor que se possa realizar é uma brecha ao pior talvez por surgir; e, por isso mesmo, o mínimo de bem será sempre uma luz dissipando as trevas que se adensam constantemente onde não há bem nenhum.


10

Desafio à humildade

(J. Herculano Pires)

Somos constantemente desafiados no campo de lutas da vida. A expressão de Emmanuel, definindo a situação em causa como um desafio à humildade, exige maior atenção de nossa parte. A pobre viúva no Templo de Jerusalém, vendo os ricos depositarem grandes somas no cofre, segundo a parábola evangélica, foi desafiada na sua humildade. Mas respondeu ao desafio de maneira positiva, depositando ali a sua ínfima contribuição.

De outra feita, após o Sermão do Monte, os apóstolos de Jesus foram desafiados na sua humildade pela multidão faminta que reclamava alimentos. Podiam omitir-se quando o Mestre lhes pediu o que levavam no bornal, alegando a insuficiência de seus recursos. Mas não vacilaram em entregar os poucos pães e peixes da merenda pobre que Jesus multiplicou para saciar a fome do povo.

Muitas vezes somos desafiados pelos que pedem socorro exibindo necessidades que não podemos atender. Mas se formos humildes poderemos dar pelo menos um pouco para aliviar a miséria. E se dermos o nosso pouco pensando no Mestre, talvez ocorra de novo o milagre da multiplicação. Porque, se dermos em espírito, estaremos dando mais do que o simples óbolo material.

O mesmo acontece em relação às dores, aflições e sofrimentos alheios. Quantas vezes somos procurados por pessoas que sofrem dores tão profundas que não temos recursos para cobrir aquele abismo de angústias. Mas se elevarmos o pensamento ao Mestre e dermos o que nos for possível, talvez nossas palavras, embora inseguras e descoloridas, possam levar ao sofredor o bálsamo do entendimento e da consolação. Em nossa vaidade desejaríamos proferir palavras milagrosas, mas em nossa humildade é que realmente poderemos produzir o milagre do socorro divino.

O desafio à humildade é também um convite à fé. Se conhecermos a nossa fragilidade e a nossa pobreza, conhecemos também o poder e a riqueza de Deus. Não é justo querermos resolver por nós os problemas alheios, quando não resolvemos os nossos. É vaidade e pretensão querer mostrar uma superioridade que não possuímos. Mas se tivermos humildade para reconhecer o que somos e fazer apenas o que podemos, nosso óbolo material ou moral será como o da viúva: pesará mais que o dos ricos.


11

O que mais rogar?
(Chico Xavier)

Falávamos em nossa reunião, antes de iniciar as nossas tarefas, sobre o caráter da prece. Se a Divina Providência tudo nos dá, para aprendermos a trabalhar e produzir, o que mais rogar a Deus? Era o que perguntavam alguns companheiros.

Outros se fixavam na opinião de que as nossas orações devem ficar simplesmente no plano do reconhecimento. Abertos os estudos da noite, O Livro dos Espíritos nos ofereceu a questão 660 para exame. Depois das considerações feitas pelos presentes, o nosso amigo espiritual André Luiz nos trouxe pela psicografia a prece que lhe envio.

Companheiros que se interessaram pelo exame da prece de André Luiz solicitaram essa providência, a fim de que seja publicada com suas observações e notas.


11

Oração para não incomodar

(André Luiz)

Senhor!

Concede-me, por misericórdia, o dom de contentar-me com o que tenho, a fim de fazer o melhor que posso.

Ensina-me a executar uma tarefa de cada vez, no campo de minhas obrigações, para que eu não venha a estragar o valor do tempo.

Livra-me da precipitação e da insegurança, de modo que não busque aflições desnecessárias ante o futuro, nem me entregue à inutilidade no presente.

Dá-me a força de esperar com paciência a solução dos problemas que me digam respeito sem tumultuar o caminho dos que me cercam.

Ajuda-me a praticar o esquecimento de mim mesmo, auxiliando-me a fazer pelo menos um benefício aos outros, cada dia, sem contar isso a ninguém.

Se este ou aquele companheiro me aborrece, induze-me a olvidar o que se passou, sem dar conhecimento do assunto aos que me rodeiam.

Ensina-me a não condenar seja quem for e, quando algum apontamento injurioso ou alguma nota de crítica malévola vierem-me à cabeça, ampara-me a fim de que eu tenha recursos de dissipá-los em silêncio, no plano de meus esforços imanifestos.

Impele-me a calar toda queixa, em torno das provas e empecilhos da vida, para que eu não perturbe os que me compartilham a estrada.

Auxilia-me a conservar boa aparência tanto quanto o espírito isento de culpa, a falar com voz calma, a sustentar bons modos e a perder o hábito de impor minhas ideias ou de contradizer as dos outros sem necessidade.

E ajuda-me, Senhor, a viver na obediência aos meus deveres e compromissos, trabalhando e servindo, para não incomodar ninguém.


11

Dinâmica da prece

(J. Herculano Pires)

Ao se libertar dos instintos animais, pelo desenvolvimento da razão, o homem se desliga do domínio de Deus, que o conduzia segundo as suas necessidades, como conduz a todos os demais seres da criação. Libertando-se do poder que o dirigia, o homem se torna senhor de si mesmo. Deus lhe concede o livre arbítrio, para que ele possa aprender a ciência difícil do discernimento e desenvolver o senso de responsabilidade pessoal. É o que nos ensina a alegoria bíblica de Adão e Eva, ao comerem do fruto proibido da árvore da sabedoria. Dali por diante Adão e Eva sabiam distinguir entre o bem e o mal e deviam aprender a conduzir-se por si mesmos.

Os nossos filhos, quando atingem a idade legal de emancipação, libertam-se do nosso domínio e passam a dirigir-se a si mesmos. Nem por isso poderão dispensar os nossos conselhos, as nossas advertências e o nosso auxílio. Se os dispensarem, estarão sujeitos a erros muitas vezes fatais que desejamos naturalmente evitar para eles, mas nem sempre o conseguimos.

Deus nos concede tudo, mas nem sempre compreendemos o valor de suas concessões. Para continuar ajudando-nos, sem prejudicar o nosso desenvolvimento racional e espiritual, Deus colocou em nossos corações a lei de adoração de que trata O Livro dos Espíritos. Essa lei é o fundamento moral das religiões cuja finalidade é religar-nos a Deus. A prece é o meio de comunicação espontânea de que dispomos para nos dirigir ao Pai. Esse meio nos serve também para religar-nos àqueles que de nós se afastaram pelos caminhos do mundo ou pelas portas da morte.

A dinâmica da prece implica a pergunta e a resposta, o pedido e a concessão. Mesmo quando o pedido seja absurdo, Deus nos atende na medida do possível e da necessidade real. O importante é não nos desligarmos de Deus pela nossa vontade própria, como o filho orgulhoso e pretensioso que não quer mais saber dos conselhos e advertências do pai. Quando nos transviamos na vaidade e no orgulho, sempre acabamos incomodando os outros, pois na vida social a lei de interdependência impera soberana. Essa a razão por que André Luiz responde às nossas dúvidas sobre a prece com a rogativa a Deus para que não nos permita incomodar os outros.


12

Amigos da galhofa
(Chico Xavier)

A página de Albino Teixeira terá nascido de um assunto que muitas vezes nos preocupa no campo das tarefas espirituais.

Num grupo de amigos íntimos, antes da nossa reunião costumeira, falávamos a respeito das pessoas menos responsáveis que procuram os médiuns dedicados à causa espírita, mais no intuito de prejudicar as boas obras ou desmoralizá-las, do que no sadio propósito de colaborar na difusão das realidades e bênçãos da vida espiritual.

O médium está em serviço, ouvindo, por vezes, dezenas e até mesmo centenas de pessoas. Está imbuído da maior boa vontade para servir, sem qualquer ideia de remuneração ou destaque pessoal. Em meio às criaturas sinceras que o procuram, buscando instrução e reconforto, surgem os companheiros interessados em perturbação e ironia. O médium está ali – ele mesmo, o médium – evidentemente amparado pela cobertura indireta dos bons Espíritos, dos mensageiros da Vida Maior, informando, cooperando, esclarecendo, servindo, enfim.

Os amigos da galhofa surgem dizendo-se necessitados. Inventam nomes supostos de parentes ou amigos, carregam a voz de aflição ou de choro que não sentem. O médium se enternece. Ele mesmo responde com boa intenção, procurando ajudar, seja com uma frase oral ou com um bilhete escrito ao suposto necessitado. No caso, o médium é um trabalhador humano procurando colaborar com os bons Espíritos e prestar ajuda aos que o buscam, sem pedir-lhes sequer a identidade. Mas tão logo o médium preste o auxílio de que possa dispor, declaram os galhofeiros que tudo não passa de mentira que eles próprios inventaram.

Com essa preocupação fomos às tarefas da noite. Aberto O Evangelho Segundo o Espiritismo tivemos para estudo os itens 1 e 2 do capítulo XXI. Ao término da reunião, o devotado missionário do bem, Albino Teixeira, escreveu por nosso intermédio a página que lhe estou enviando.


12

A maior diferença

(Albino Teixeira)

Aquilo que mais te diferencia na Terra, perante a Vida Superior, para efeito de promoção espiritual, não será tanto:

· haver renascido em um corpo mutilado ou enfermiço;

· trazer graves conflitos psicológicos;

· residir num lar difícil;

· inquietar-te com familiares-problemas;

· aguentar frustrações e contratempos;

· experimentar o sarcasmo público;

· facear críticas injustas;

· tolerar humilhações e pedradas;

· suportar injúrias ou acusações descabidas;

· conhecer a deserção de colaboradores e companheiros;

· lutar incessantemente contra as próprias tendências inferiores;

· observar-te sob constante processo obsessivo;

· carregar tropeços e desenganos.

O que mais te destaca, no plano físico, ante a Vida Maior, com vistas à aquisição de melhoria e aperfeiçoamento, no rumo da Espiritualidade Superior, será sofrer na área de semelhantes provações e prosseguir trabalhando e servindo, em auxílio aos outros, na prosperidade do Bem Eterno.


12

O valor do auxílio

(J. Herculano Pires)

O valor do auxílio não está na intenção do pedinte, mas na intenção do doador. Quem trabalha no bem deve dar sem olhar a quem. Ante a Vida Maior, como ensina Albino Teixeira, o que vale é o que fazemos em favor do bem. Se os que nos procuram trazem o coração envenenado, a mente cheia de suspeitas injustas e o ardil nos lábios, é evidente que são os mais necessitados. Pois pode haver maior necessidade do que aquela que ignora a si mesma?

Se os Espíritos Superiores não advertem o médium quanto às más intenções do consulente, é porque este deve ser socorrido e o médium precisa aprender a auxiliar até mesmo quando enganado.

O resultado das boas ações é computado pela evolução. O galhofeiro de hoje evoluirá amanhã e acabará por envergonhar-se de si próprio.

Precisamos considerar que a Terra é ainda um reduto da ignorância. O consulente ardiloso ignora a extensão da sua maldade. Tanto assim que busca a verdade através da mentira. Não compreende a importância do ato mediúnico e por isso não pode avaliar o que faz. Age inconscientemente no uso da própria consciência. Pode haver maior alienação do que essa? O médium, pelo contrário, está na plena posse da sua consciência voltada para o bem. Pode haver maior integridade moral no comportamento humano?

Que importa se o consulente alardear que enganou o médium? Acaso o médium não é uma criatura humana e, portanto, falível? Quer o médium gozar da infalibilidade, quer ter algum privilégio na sua condição humana? Mediunidade a serviço do bem é aprendizado como qualquer outro. Se o médium se sentisse infalível, estaria à beira da falência. É melhor falir entre os homens ou perante os homens, por amor, do que falir ante a Espiritualidade Superior por vaidade e orgulho.

A obra mediúnica sincera e nobre não é afetada por alguns episódios de prova. Os benefícios semeados através do trabalho digno não são depreciados pela maledicência e a ignorância. Os que receberam o bem de que necessitavam saberão multiplicá-lo ao seu redor. Porque grande é o clamor dos que sofrem e mesquinho o esgar dos zombeteiros. Prosseguir no bom combate, à maneira de Paulo, é o dever de todos os médiuns a serviço do bem.


13

Diante da atualidade
(Chico Xavier)

As presentes ocorrências do mundo nos levaram, antes da reunião, a longas conversações sobre os problemas da preservação do homem, no tocante à paz. Lembrávamos as guerras do passado e os conflitos da nossa época, imaginando como deve ser o nosso comportamento diante das grandes lutas da atualidade.

Como agir contra a insegurança? De que modo assegurar a tranquilidade e os valores da existência? Com semelhantes perguntas em nossa mente fomos aos estudos programados. O Livro dos Espíritos nos ofereceu a questão 738 a exame.[7] E vários comentaristas se expressaram sobre o tema.

Ao final das atividades o nosso caro Emmanuel escreveu a página que lhe envio em nome dos companheiros e em meu próprio nome, rogando a sua cooperação para que seja lançada com os seus comentários em nossas publicações conjuntas.


13

Abrigo

(Emmanuel)

Nas grandes calamidades que irrompem na Terra, cada criatura pode construir o seu próprio refúgio.

Comumente no mundo interpretamos por abrigo a fatia de espaço fechado que destinamos aos serviços de proteção e segurança.

Entretanto, embora respeitemos os redutos a que se acolhem as multidões nas horas de crise, buscando a preservação própria, consideramos que ainda mesmo segregada em forte redoma, do ponto de vista material, a pessoa humana não está livre da trombose ou da parada cardíaca, do colapso nervoso ou da tensão emocional. Isso nos induz a reconhecer que em qualquer situação difícil, muito acima dos lugares de privilégio, precisamos de apoio íntimo que nos faculte serenidade e discernimento; uma fortaleza na qual possamos colaborar dignamente na supressão do tumulto por fora, conservando a paz por dentro.

Não obteremos isso, porém, fugindo da realidade, mas enfrentando-a através da ação construtiva, de modo a descortinar-lhe todas as lições e aproveitá-las.

Nunca disporemos de asilo seguro, escondendo-nos em praias desertas, bojos metálicos, covas de pedra ou fumas da natureza.

O abrigo real de cada um está no íntimo de si mesmo.

A certeza de que não nos achamos sós nos campos do Universo, a confiança na sobrevivência do Espírito além da morte, a fé na sabedoria da vida, a aceitação do dever de praticar o bem e a dedicação à ordem são materiais dos mais importantes com que se constrói a cidadela da consciência tranquila.

À frente de semelhante verdade, não temas a ventania das paixões desencadeadas, quando as tempestades da renovação agitam a Terra.

Conserva a calma e confia no Poder Maior que te insuflou a força da vida. Calma, no entanto, não significa inércia. Define o estado íntimo de quem se prepara, a fim de fazer o melhor, sejam quais forem as circunstâncias.

Ora trabalhando e espera construindo.

E, convençamo-nos todos, em todas as eventualidades, de que o abrigo invulnerável está sempre em nós mesmos, quando aceitamos a responsabilidade de viver com base na justiça e na misericórdia de Deus.


13

Os restos mortais

(J. Herculano Pires)

Há muitas expressões impróprias na linguagem humana. Quando falamos dos finados, daqueles que morreram, damos à morte um sentido absoluto que ela jamais possui. O que se finda com a morre não é o ser humano, mas apenas uma existência do ser imortal, numa breve passagem pelo plano físico. Mas a intuição da eternidade da vida gerou também algumas expressões acertadas. Ao falar de restos mortais, colocamos o problema da morte em seus devidos termos. Restos, nada mais do que restos de um processo biológico pelo qual o ser humano real se liberta do seu envoltório animal.

Que segurança queremos ter no frágil escafandro do corpo? Que abrigo nos pode dar a garantia de preservação diante do perigo? Em que espécie de refúgio poderemos escapar da morte? Não obstante, essa garantia que procuramos no exterior está em nós mesmos, em nossa própria natureza de seres imortais. A vida aparente extingue-se com a morte, mas a vida real nunca se extingue.

Geração e corrupção constituem os polos da existência física. Aquém de um e além de outro, a verdadeira vida se mantém inalterável. Trazemos essa verdade em nós como potência, mas precisamos transformá-la em ato na nossa consciência para podermos superar as ilusões do efêmero. Inútil querermos agarrar-nos a uma vida que se esvai a cada minuto que passa. E chamamos a isso atitude positiva, quando a positividade está precisamente no contrário, na certeza de que nada nos pode livrar da morte corporal.

Mas temos uma tarefa a cumprir nesta breve existência. Temos de aprender a confiar no espírito. E para isso precisamos desenvolver as nossas faculdades espirituais. O egocentrismo exagera o instinto de conservação. Mas as guerras, os flagelos, os cataclismos esmagam o nosso egoísmo e nos obrigam a sair de nós mesmos e nos tornarmos capazes das virtudes heroicas que nos elevam acima de nós mesmos. Foi isso que o Cristo ensinou ao dizer que os que se apegam à vida perdê-la-ão, mas os que a perderem por amor à verdade a encontrarão.

A morte não é o fim. Nunca seremos finados. A morte é apenas a passagem de uma condição perecível para a incondição da verdadeira vida.


14

Missão da imprensa
(Chico Xavier)

Antes da nossa reunião falávamos sobre a missão da Imprensa. E, para surpresa nossa, iniciadas as tarefas, O Livro dos Espíritos nos deu a exame a questão 904.[8] O assunto foi debatido fraternalmente. Concluindo as atividades da noite, Emmanuel escreveu significativa mensagem a que denominou “Escrever”.

Pelo inesperado das reflexões a que fomos chamados, com as considerações de Allan Kardec, passamos às suas mãos a página de Emmanuel, no desejo de vê-la sob seus comentários, para mais amplos raciocínios sobre o assunto.


14

Escrever

(Emmanuel)

Escrever dignamente: será isso tão-só guindar-se quem se exterioriza, através das letras, às alturas literárias, fixando imagens com palavras preciosas?

Certamente todos os escritores, ainda mesmo aqueles que se caracterizam por sentido absolutamente hermético, são credores de respeito.

Lícito, no entanto, considerar que importa, acima de tudo, escrever edificando.

Entendemos que a ideia graficamente materializada se destina de preferência aos salões nobres, entre os quais transita, suscitando criações educativas que honorificam a Humanidade. Isso, porém, não lhe suprime a função em setores outros, com muito mais extensão de força, onde atende a objetivos diferentes.

Observemos, de relance, os campos de experiência em que se agitam milhões de seres, aguardando o pensamento que se lhes ajuste às necessidades. Não encontramos aí os temas de simpósio ou os assuntos altamente específicos, embora sempre dignos e indispensáveis.

Nessas linhas de provas e lutas edificantes identificamos a fome de ideias renovadoras que derramam consolo e esperança, orientação e fé, arrebatando corações às trevas da imponderação e da rebeldia. Letras que traduzam apoio e socorro aos acidentados de ordem moral, a fim de que se refaçam, escora aos que se arrastam na aflição, remédio aos enfermos do espírito, salva-vidas aos náufragos da Terra, a se debaterem na pesada maré do desequilíbrio, para que se firmem na praia da segurança.

Escrever, sim, mas saber o que escrevemos, como escrevemos, para que e para quem escrevemos. Porque o sentimento gera a ideia, a ideia plasma o verbo, o verbo estabelece a ação e a ação cria o destino. À vista disso, é preciso lembrar que de tudo quanto escrevermos, nos quadros de hoje, a vida nos trará o reflexo claramente exato nas telas do amanhã.


14

Lição aos mestres

(J. Herculano Pires)

Eça de Queirós, em páginas que enviou à Terra depois da morte, através da mediunidade admirável de Fernando de Lacerda, conta que a sua bagagem literária foi considerada, na alfândega do Além, como avariada. Humberto de Campos, servindo-se da psicografia de Chico Xavier, advertiu que os valores desprezados na Terra pelo escritor são os mais importantes no mundo espiritual. Emmanuel confirma isso, na presente mensagem, que se encerra com uma síntese da mecânica da comunicação. Vemos, por essa síntese, que a comunicação não é apenas transmissão de ideias, mas é também criação.

No processo que vai do sentimento à ação, criando o destino, evidencia-se a pesada responsabilidade de quem escreve. O que mais importa no ato de escrever não é o burilamento da forma, nem a descoberta, hoje obsessiva, de novos caminhos estéticos. A originalidade artificial é flor de estufa. Só é original o que brota espontâneo da faculdade criadora. E o sucesso literário ou jornalístico nada vale, se não for determinado pelo esforço legítimo de servir, enriquecendo o patrimônio espiritual da Humanidade.

A fascinação das conquistas imediatas alimenta a vaidade do autor e perturba a sua visão da realidade maior. A vida passa rápida e a morte o levará para o plano da introspecção, num mundo em que as aparências se desfazem como bolhas de ar. Mas o pior é que as obras ilusórias persistem no plano terreno da ilusão, suscitando sentimentos que vão criar novos destinos e desviar outras vocações de seu caminho certo. A responsabilidade do autor, que na Terra se disfarça em miragens estéticas, no Além se desnuda aos seus olhos espirituais de maneira indisfarçável.

Por isso podemos dizer que essa pequena mensagem de Emmanuel é uma lição enviada do Além aos mestres da Terra. Numa hora em que multidões ansiosas procuram palavras de orientação e estímulo, o dever de quem escreve é atender a essas exigências ao invés de explorar a desorientação geral. Os mandarins da cultura moderna, refinados criadores de artifícios que brilham nas letras como broches metálicos, e os exploradores do sensacionalismo, poderão encontrar nessa página de Emmanuel – se tiverem humildade para tanto – a advertência oportuna de que necessitam.


15

Um ponto de luta
(Chico Xavier)

Passamos algumas horas, antes da nossa reunião habitual, junto de companheiros que vinham de cidades distantes. Entre outros assuntos, a renovação íntima foi o tema central de nossas conversações. Falávamos de nossos obstáculos, a comparar-nos com os padrões apresentados pela nossa redentora Doutrina.

Sabemos o que devemos fazer, conhecemos as dificuldades para fazer o que devemos (falo especialmente de mim mesmo), entretanto há sempre um ponto de luta dentro da gente, no qual vemos como é grande o trabalho para se realizar a reforma da vida interior.

Debatíamos o problema com a sincera disposição de encontrar o melhor meio de acertar com a solução, quando o horário nos chamou às tarefas da noite. Iniciada a reunião, O Livro dos Espíritos nos ofereceu a questão 660.

Concluindo os trabalhos da noite, a poetisa Maria Dolores esteve presente com a página “Confissão e Prece”.


15

Confissão e prece

(Maria Dolores)

Senhor Jesus!…
Enquanto orava, ainda hoje,
Pedindo auxílio e inspiração,
Uma voz que vertia do Mais Alto
Disse-me ao coração:

– Deus nos criou a fim de que sejamos
Um templo vivo para o amor sem fim,
Um pouso sempre assim
De portas para a luz e abertas para o bem,
Que, momento a momento, lhe arrecade
Os tesouros de paz e de bondade
Para servir sem perguntar a quem…

É por isto, Jesus, que te venho rogar:
Reconstrói a minh’alma pequenina…
Entre a luta que vem e as lutas que se vão,
Assemelho-me à estreita construção
Que o caruncho arruína.
Tão pobre qual me encontro e qual me aceitas,
Apresento-te o piso esburacado,
As brechas do telhado,
As paredes lodosas e imperfeitas…
Contempla em mim as cargas do recinto
Atulhado de erros e de enganos,
Na sucata infeliz de meus dias insanos
Sobre o imenso pesar dos remorsos que sinto.
Deixa que a dor me alije o peso da amargura
E ensina-me, Senhor, a recebê-la,
Qual a noite nublada acolhendo uma estrela
Para fugir da treva em que se desfigura.
Não importa minh’alma a ralar-se esquecida
Aos golpes da aflição em que me vejo.
Poda-me o coração, alimpa-me o desejo,
Anseio renovar-me ao ar puro da vida.
Que me atribule e sofra, ante a luz que me alcança,
Mas que eu seja contigo e sempre em ti, Senhor,
Um canteiro de paz no campo da esperança,
Um refúgio de fé e uma bênção de amor.


15

A trincheira

(J. Herculano Pires)

É preciso tomar a trincheira. Mas não podemos tomá-la à baioneta nem arremessando granadas. Nossa batalha é a do Sol que avança a jatos de luz, espancando as trevas e despertando a vida. O ponto de luta a que Chico Xavier se refere é o último reduto, a trincheira entranhada no solo. Os jatos de luz passam sobre ela sem conseguir penetrar nas suas profundezas. Mas os clarões a iluminam de momento a momento e se persistirmos na luta atingiremos o seu interior, chegaremos ao fundo escuro quando o sol estiver a pino.

Há qualquer coisa que lembra, nessa expressão feliz de Chico Xavier – ponto de luta – a conhecida expressão de Victor Hugo: point d’optique. Para Hugo o palco era o ponto de visão em que se concentrava no teatro a expressão da vida. Para Chico o ponto de luta é o lugar secreto em que se concentram, em nosso interior, de maneira aparentemente irredutível, os resíduos mais resistentes do nosso passado. Cada grande batalha, em determinado setor de nossa renovação espiritual, acaba sempre nessa trincheira que parece inexpugnável. O Livro dos Espíritos nos ensina, na questão 660, a recorrer à prece nesses momentos difíceis, não com excesso de palavras, mas com firmeza de sentimentos.

Maria Dolores, com sua prece em forma de poesia, vem socorrer-nos através do exemplo. Não nos diz como orar, mas ora, ela mesma, extravasando a sua fé numa súplica em versos. Analisando esses versos verificamos, mais uma vez, que Maria Dolores, no seu panteísmo poético, serve-se dos fatos naturais para que as lições de Deus, através das coisas, nos toquem o coração e nos despertem a razão.

Uma prece assim, transbordante de sentimento puro e de confiança em Deus, vale mais do que a repetição de preces decoradas e mecanicamente repetidas. Nem todos somos poetas para exprimir nossos anseios num poema espontâneo como esse. Mas todos temos sentimentos e podemos acordar em nós o germe da fé para fazer uma súplica sincera. Então faremos o sol de nossa fé atingir o zênite e derramar sua luz no fundo da trincheira, eliminando o último ponto de luta na batalha íntima.


16

Convite à serenidade
(Chico Xavier)

Em nossa reunião pública, O Livro dos Espíritos nos deu a estudar o tema da questão 789, que foi examinado em preciosos comentários de muitos dos nossos companheiros. Tínhamos conosco amigos e irmãos procedentes de cidades diversas. Os assuntos da paz foram debatidos com respeitoso amor pelas elucidações kardecianas.

Naturalmente, vários oradores se detiveram a destacar as dificuldades da hora presente, em que todos os povos estão procurando segurança e entendimento.

A mensagem de Emmanuel – página de convite à serenidade – foi recebida psicograficamente ao final da reunião.


16

Recanto de paz

(Emmanuel)

Há quem pergunte como servir à causa da paz.

Semelhante tarefa não será privativa daqueles que se encarregam da direção do mundo?

A paz do mundo, no entanto, é a soma de todos os esforços das criaturas, nos domínios da pacificação.

Reflitamos nisso e atendamos à nossa parte, quanto se nos faça possível.

Deixa que a fonte do amor se te desate do coração.

Acende no cérebro a luz do pensamento reto.

Transforma o trabalho de cada dia num cântico de bênçãos.

Observa os compromissos assumidos por leis da própria consciência.

Transita nas vias do bem aos semelhantes.

Respeita o tipo de existência que os outros escolheram para si mesmos, como desejas que a tua própria vida seja respeitada.

Ergue em ti um sinal vermelho para os comentários infelizes.

Hospitaliza agressores e maldizentes em tua clínica de orações.

Não desperdices a riqueza do tempo, comprando remorso com queixas inúteis.

Veste a armadura da paciência para que consigas agir e reagir construtivamente, onde te encontres.

Instala a boa palavra nas estruturas verbais que te manifestam.

Ouve com atenção, aguardando sem pressa a tua vez de falar.

Não desconsideres pessoa alguma.

Resguarda no arquivo da prece os obstáculos e problemas que te desagradam, a fim de que não te destaques por motivo de aflição nas estradas alheias.

Aceita os outros tais quais são, sem o propósito de corrigi-los ou aperfeiçoá-los à força.

Aprende com modéstia e ensina sem exigência.

Auxilia sem cobrança.

Não solenizes as provações de que necessitas para melhorar o próprio caminho.

Diante das ofensas, imuniza-te na terapêutica do perdão.

Espera o momento propício destinado a esclarecer o ponto difícil que haja surgido em teu relacionamento com os demais.

Não exijas do próximo aquilo que o próximo ainda não possui para dar.

Não mentalizes o mal com inquietações imaginárias, e sim colabora na construção do melhor que deve acontecer.

Serve sem dependurar algemas nos pulsos de teus irmãos.

E, prosseguindo adiante, converter-te-ás em coluna da segurança geral.

Em verdade, a Divina Providência não pede para que te transformes, de imediato, numa estrela que dissipe as sombras da perturbação onde as sombras da perturbação estejam dominando na Terra. O Céu espera sejas, ainda hoje, onde estiveres, um recanto vivo da paz.


16

A paz de cada um

(J. Herculano Pires)

Todos queremos paz e vivemos em guerra. Essa contradição milenar, que caracteriza a imperfeição moral dos homens, foi bem definida pelo apóstolo Paulo quando escreveu: “Miserável homem sou, que não faço o bem que desejo mas o mal que não quero!” Se ele próprio, o abnegado servidor do Evangelho, que tudo deixou para seguir o Cristo e propagar a Sua mensagem, sentia na carne essa contradição, quanto mais a sentirão os que, como nós, dois mil anos depois, ainda não aprendemos a soletrar a palavra básica do ensino evangélico, que por sinal se constitui de apenas duas sílabas: amor?

Há criaturas que se desesperam diante de confrontos dessa natureza. Mas devemos lembrar-nos de que a Terra é uma escola em que as gerações se sucedem, recebendo as lições cada qual a seu tempo. De Paulo aos nossos dias muitos alunos completaram o curso e saíram vitoriosos da escola terrena para instituições educacionais superiores. Temos a vantagem de contar com os exemplos e as experiências dos aprendizes que nos antecederam; e a vantagem de contar atualmente com as lições que nos enviam, através da mediunidade, os ex-alunos que se elevaram, como Emmanuel, à categoria de mestres.

A paz do mundo depende da paz de cada um. Porque o mundo dos homens é feito pelos homens. Deus criou o mundo natural com todas as possibilidades de evolução e paz. E nos criou para também fazermos o nosso próprio mundo, o mundo de cada um e o mundo dos homens, aproveitando as nossas próprias possibilidades de evolução na conquista da paz. Se nos convertermos no “recanto vivo da paz” a que se refere Emmanuel, daremos ao mundo a paz de que ele necessita. Se permanecermos como focos de guerra e desajuste, o mundo estará sempre conflagrado pelas nossas contradições e as nossas injustiças.

Nos seus comentários à questão 789 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec assinala: “A Humanidade progride através dos indivíduos que se melhoram pouco a pouco e se esclarecem. Quando estes se tomam numerosos, tomam a dianteira e arrastam os outros”. Se queremos, pois, lutar pela paz, façamos a paz em nós mesmos, e Deus nos ajudará a estendê-la ao mundo.


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Confirmação do sonho
(Chico Xavier)

Em nossa reunião da noite, O Evangelho Segundo o Espiritismo nos dera para estudo o item 4 do capítulo XXV, referente à necessidade do trabalho como recurso de aperfeiçoamento e evolução. Tivemos os comentários habituais. Após a reunião tive de ir a um telefone público no centro da cidade. E na rua fui abordado por um companheiro que até então não conhecia.

Disse-me ele estar chegando da cidade de Ribeirão Preto e declarou-se em grande desalento. Desejava uma palavra do Alto e me informou haver sonhado, na noite da véspera, com o poeta Juca Muniz, de quem fora amigo em Salesópolis, Estado de São Paulo, dando-lhe respostas a várias perguntas.

Surpreendido pelo que ouvia e trazendo no bolso o original da mensagem que recebera na sessão, momentos antes, do referido poeta, dei ciência ao companheiro do que ocorrera e lemos juntos a comunicação do amigo espiritual. O recém-chegado de Ribeirão Preto, de sorriso nos lábios, disse que aceitava a mensagem como sendo exclusivamente para ele.

Dei-lhe o original psicografado, mas tiramos a cópia a fim de enviá-la para publicação. Registro o acontecido na certeza de que os amigos espirituais organizaram a ocorrência para reconforto do nosso irmão em prova. Agradeço desde já a sua valiosa contribuição, caro professor, nas observações doutrinárias que fizer para a nossa edificação geral.


17

Respostas de amigo

(Juca Muniz)

Jamais te digas inútil
E deixa a ideia do azar,
Cada pessoa no mundo
Tem um dom a partilhar

Escuta!… O Céu nota e vê
O teu passo hora por hora…
Deus necessita de ti
Onde te encontras agora.

Prova na escola da vida,
Ensino que vai e vem…
Desânimo não resolve,
Nem auxilia a ninguém.

Felicidade, a rigor,
Tal qual se busca entender;
É a gente dar-se, de todo,
Ao que se deve fazer.

Se queres paz e alegria
Ouve este aviso comum:
Não desistas do trabalho,
Nem guardes remorso algum.

O que tens, seja alegria,
Saúde, corpo doente,
Encargo, inércia, penúria,
Tudo começa na mente.

Qualquer recurso no tempo,
Alegria, luz e paz,
Treva, aflição, amargura,
Vem daquilo que se faz.

Trabalha. Nada reclames.
Desajustes passarão.
Serviço silencioso
É base de promoção.


17

Encontro no Além

(J. Herculano Pires)

Os estudos de Freud sobre os sonhos marcam um momento significativo na evolução dos estudos psicológicos modernos. Sem querer e até mesmo sem o perceber, o gênio vienense batia na porta certa do castelo da alma. O ceticismo de Freud não lhe permitiu entrar pela porta, mas coube ao seu discípulo Karl Jung aventurar alguns passos nesse sentido. Jung era médium e relata episódios curiosos nas suas memórias, referentes a fenômenos mediúnicos ocorridos com ele na presença do mestre. Hoje, psicanalistas mais audaciosos, como Jean Ehrenwald, apoiados na franquia parapsicológica, investigam os sonhos paranormais e procuram utilizá-los na clínica.

Kardec – quando Freud estava ainda na primeira infância – realizou pacientes e profundas investigações sobre a libertação da alma durante o sono. Esse trabalho, realizado na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, foi publicado na Revista Espírita e pode hoje ser consultado pelos estudiosos. A coleção da Revista, em 12 volumes, foi traduzida integralmente pelo Engº Júlio Abreu Filho e editada em São Paulo pela Edicel.

Chico Xavier recebeu psicograficamente, na série “Nosso Lar”, de André Luiz, e em outros escritos, descrições curiosas dos espíritos sobre a influência espiritual em nossas vidas através dos sonhos. E o episódio que nos relata constitui uma prova espontânea da legitimidade da teoria espírita dos sonhos, constante de O Livro dos Espíritos. Uma prova a mais, pois na verdade são muitas as provas espontâneas dadas em todo o mundo.

Como vemos no episódio citado, o poeta Juca Muniz atendeu aos apelos do amigo através do sonho. E para confirmar o sonho, psicografou os seus versos pela mediunidade de Chico Xavier antes que aquele chegasse a encontrar-se com o médium. As tentativas de explicação telepática desse episódio só podem partir de pessoas sectárias. As provas parapsicológicas dos fenômenos theta e a identificação do poeta comunicante desfazem a hipótese de telepatia.


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Pedidos de auxílio
(Chico Xavier)

Antes da nossa reunião, no grupo de amigos que nos visitavam, destacava-se um que se declarava inseguro e enfraquecido diante das obrigações de que se via encarregado. Dizia-se imperfeito e rodeado de inquietações. Lamentava-se por haver reencarnado em ambiente de grandes provas. Clamava contra ele mesmo, afirmando que abraçara a fé em Jesus mas não encontrava meios de sentir-se feliz consigo mesmo.

Pedia a algum benfeitor desencarnado que o auxiliasse.

Iniciadas as nossas tarefas, O Evangelho Segundo o Espiritismo nos deu a estudo o item 3 do capítulo XVII. E ao término da reunião o nosso amigo André Luiz escreveu, por nosso intermédio, a página dedicada ao companheiro que rogava diretriz com afetuosa sinceridade.

Concordamos nós todos em solicitar os seus apontamentos doutrinários junto à mensagem do nosso benfeitor espiritual, já que a palavra dele nos reanimara a cada um para o desempenho de nossos deveres.


18

Nota de irmão

(André Luiz)

Diz você, meu amigo, que não se encontra habilitado para as tarefas do bem, à vista das imperfeições que carrega.

Entretanto, ponderemos:

Se você não experimenta empeços orgânicos;

se não suporta conflitos íntimos;

se vive isento de tentações;

se respira em clima de paz inalterável;

se não tem familiares problemas;

se não sofre obstáculos no lar;

se não vê desajustes em seu grupo social;

se não encontra companheiros difíceis;

se não conheceu algum dia a solidão de perto;

se caminha no mundo sem qualquer inquietação;

se não enfrentou crises em seu campo individual;

se nunca enxergou ao seu lado a presença do desânimo ou da aflição;

se não precisa esforçar-se para conservar seus amigos;

se não conhece adversários na tarefa que a vida lhe confiou;

se trabalha sem críticos que lhe façam observações e lhe desafiem o espírito a discussões e distonias em serviço;

se não experimenta contratempos e desgostos que, de quando a quando, lhe impulsionem o coração a renovações necessárias...

Se você desconhece algo dessa lista de provas, então estará fora do seu nível de evolução.

Isso ocorre porque, na Terra, é justamente em problemas e lutas que obteremos as vitórias da alma.

Lembre-se: a criatura humana realmente não entenderia a voz de uma estrela. E sem que a criatura humana ouça o verbo e receba a cooperação de quem lhe compartilhe as experiências, o esforço da evolução para cada um de nós, no clima do mundo, se faria impossível.


18

Campo de provas

(J. Herculano Pires)

A Terra é um campo de provas. A vida humana, um estágio nesse campo. Temos as provas e as provações que são coisas diferentes. As provas são meios de aprendizagem e as provações são consequências do passado, expiações de faltas cometidas em vidas anteriores. Se aqui estamos é porque necessitamos delas. E se sabemos que nossas provas e expiações foram pedidas por nós mesmos, no mundo espiritual, devemos compreender que as pedimos porque a nossa necessidade era grande.

O Espírito desencarnado vê com precisão, auxiliado pelos Espíritos bons, os motivos da sua situação inferior no mundo espiritual; sabe que o seu mundo verdadeiro e definitivo é aquele e não o terreno. Compreende que a existência terrena é passageira e só tem por finalidade prepará-lo para a vida verdadeira e permanente. Quando na Terra, não tem o direito de se lamentar, mas o dever de enfrentar os seus problemas e agradecer a Deus as oportunidades de resgate, reparação e progresso que lhe foram concedidas.

Se o encarnado não procede assim é porque se deixou hipnotizar pelas miragens da Terra, perdendo a visão espiritual do seu verdadeiro objetivo na vida corporal. Mas a prece sincera é o recurso de que então pode dispor para solicitar o auxílio dos amigos do lado de lá. E toda prece sincera, toda solicitação legítima terá logo a sua resposta através de uma intuição, de uma advertência que parece surgir da sua própria consciência ou de uma mensagem amiga transmitida pela telegrafia humana da mediunidade.

Ninguém vem à terra para gozar da felicidade perfeita, que só podemos desfrutar no mundo espiritual ou nos mundos superiores do espaço infinito. A felicidade na Terra consiste precisamente na oportunidade de enfrentarmos as nossas provas e expiações com firmeza e decisão; e sem lamentar, como ensina O Evangelho segundo o Espiritismo no item citado. Só são realmente felizes os que vencem o mundo, como ensinou Jesus, para se elevarem aos planos superiores da vida verdadeira que é a vida espiritual.


19

A missão do Cristo
(Chico Xavier)

Em nossa reunião pública os estudos foram orientados pelo item 4 do capítulo I de O Evangelho Segundo o Espiritismo, sobre a missão do Cristo. A mensageira espiritual Maria Dolores trouxe-nos o poema “Confidência de Natal”. Muitos de nossos companheiros, que nos auxiliavam nas tarefas, solicitaram que a página poética de nossa irmã fosse enviada para a sua cobertura doutrinária, a fim de obtermos mais ampla complementação para os nossos estudos sobre o tema.

Faço isso com satisfação, agradecendo-lhe desde já a atenção que puder dispensar ao nosso pedido.


19

Confidência de Natal

(Maria Dolores)

Senhor Jesus!
Vi o homem moderno
Em teu Natal,
Recordando viajor a deter-se em caminho
Junto de construção descomunal.

– Agradeço, Senhor, dizia ele,
O rio de progresso em que me inundo
De alegria esfuziante,
As maravilhas que enviaste ao mundo
Pelos canais do cérebro triunfante.
Agradeço à Ciência de alto nível,
Cintilação do Gênio a servir-me de rastros,
Que me conduz ao colo de outros astros
No foguete de força quase incrível.

Agradeço o avião, o carro, o asfalto,
O mundo todo em casa a circuito instantâneo,
O átomo cativo, as usinas de urânio,
O soro, a anestesia, o antígeno, o cobalto,
As máquinas de espécie diferente,
Desde o computador à enceradeira,
Que estendem reconforto à Terra inteira,
Impulsionando os povos para a frente.
Agradeço o auto-estudo a que me elevas,
Para que me conheça sem alarme,
A fim de imunizar-me
Contra o assalto das trevas.
Entretanto, Senhor, ao procurar-Te em prece
Que o sentimento forma e a palavra não diz,
Minha vida te busca e te deseja.
Guarda e inspira minh’alma, enfim, para que eu seja
Plenamente feliz!

Nisso, o homem calou-se em pranto mudo.
E entendi, afinal,
Que embora a inteligência brilhe em tudo
E em quase tudo se engrandeça, embora,
Eis que sem ti, Senhor,
O coração da Terra sofre e chora
Entre a fome de paz e a carência de amor.


19

O Cristo moderno

(J. Herculano Pires)

A modernidade do Cristo não está na figura de gravata e chapéu que tentaram sobrepor à sua imagem clássica. Está na interpretação nova do Cristo que surge das pesquisas históricas e da revelação espiritual que rompe o túmulo da letra. Sepultado na letra que mata, durante dois milênios, o Cristo ressuscita para o terceiro milênio no espírito que vivifica, segundo a expressão paulina. É a nova ressurreição no terceiro dia, cada dia correspondendo a um milênio.

O Cristo ressuscitado substitui o Cristo morto da tragédia grega da Paixão. Não mais o vemos pregado na cruz ou enterrado junto ao Calvário. O homem moderno sente o Cristo ao seu lado. Se todos ressuscitamos e continuamos atuantes na vida, por que motivo o Cristo, Nosso Senhor, continuaria morto? Essa tese é do apóstolo Paulo em sua 1ª Epístola aos Coríntios, mas só agora se impõe à consciência do mundo. Porque só agora o mundo está preparado para compreendê-la. Os mitos do passado se dissolvem à luz da razão esclarecida e a fé se renova ante as conquistas da Ciência, até agora acusada de inimiga da Fé.

Graças a isso Maria Dolores pôde ver, neste Natal, o homem moderno, junto à sua construção descomunal, dialogar solitário com o Cristo moderno que é o seu contemporâneo de todas as encarnações e reencarnações, no passado, no presente e no futuro. A figura clássica do Cristo sobrevive intacta ao longo da História, porque não é a figura de um homem do passado, mas o ideal humano que todos buscamos, o arquétipo divino que nasce do mito para a realidade vivencial de todos os tempos.

O pranto mudo em que o homem se cala nasce da fonte oculta das suas desilusões. De que valem as conquistas da Ciência e as construções descomunais, se a inteligência vitoriosa continua faminta de paz e amor? O reconhecimento dessa realidade áspera lembra o instante em que a vara de Moisés fez brotar a água do coração da rocha. Este é o Natal do reencontro. No fundo de si mesmo o homem moderno vê nascer o novo Cristo que, no entanto, é o companheiro de sempre a oferecer-lhe as diretrizes de paz e amor.


20

Matar por benevolência
(Chico Xavier)

Antes da nossa reunião pública, amigos da Guanabara mostraram-nos duas reportagens recentemente lançadas sobre a eutanásia. Éramos um grupo de irmãos debatendo assuntos da atualidade e o problema proposto despertou-nos a atenção. Depois de opiniões variadas na conversação em curso, o horário nos chamou para as tarefas da noite.

Aberta a nossa reunião de estudos, O Evangelho Segundo o Espiritismo, com surpresa para nós todos, ofereceu-nos o item 28 do capítulo V, sobre a questão da morte aplicada em nome da benevolência humana.

Diversos companheiros comentaram a lição, após o que Emmanuel, o nosso caro benfeitor espiritual, compareceu com a página “Eutanásia e vida”.


20

Eutanásia e vida

(Emmanuel)

Amigos da Terra perguntam frequentemente pela opinião dos companheiros desencarnados, com respeito à eutanásia. E acrescentam que filósofos e cientistas diversos aderem hoje à ideia de se apoiar longamente a morte administrada, seja por imposição de recursos medicamentosos ou por abandono de tratamento. Declaram-se muitos deles confrangidos diante dos problemas das crianças que surgem desfiguradas no berço, ou à frente dos portadores de enfermidades supostas irreversíveis, muitas vezes em estado comatoso nos recintos de assistência intensiva. Alguns chegam a indagar se os pequeninos excepcionais devem ser considerados seres humanos e se existe piedade em delongar os constrangimentos dos enfermos interpretados por criaturas semimortas, insensíveis a qualquer reação.

Entretanto, imaginam isso pela escassez dos recursos de espiritualidade de que dispõem para dilatar a visão espiritual para lá do estágio físico.

É preciso lembrar que, em matéria de deformação, os complexos de culpa determinam inimagináveis alterações no corpo espiritual.

O homem vê unicamente o carro orgânico em que o Espírito viaja no espaço e no tempo, buscando a evolução própria, mas habitualmente não enxerga os retoques de aprimoramento ou as dilapidações que o passageiro vai imprimindo em si mesmo, para efeito de avaliação de mérito e demérito, quando se lhe promova o desembarque na estação de destino.

A vista disso, o homem comum não conhece a face psicológica dos nossos irmãos suicidas e homicidas conscientes, ou daqueles outros que conscientemente se fazem pesadelos ou flagelos de coletividades inteiras. Devidamente reencarnados, em tarefas de reajuste, não mostram senão o quadro aflitivo que criaram para si próprios, de vez que todo espírito descende das próprias obras e revela consigo aquilo que fez de si mesmo.

Diante das crianças em prova ou dos irmãos enfermos, imaginados irrecuperáveis, medita e auxilia-os!

Ninguém, por agora, nas áreas do mundo físico, pode calcular a importância de alguns momentos ou de alguns dias para o Espírito temporariamente internado num corpo doente ou disforme.

* * *

Perante todos aqueles que se abeiram da desencarnação, compadece-te e ajuda-os quanto puderes.

Recorda que a ciência humana é sempre um fato admirável, em transformação constante, embora respeitável pelos benefícios que presta. No entanto, não te esqueças de que a vida é sempre formação divina, e, por isto mesmo, em qualquer parte será sempre um ato permanente de amor.


20

Piedade assassina

(J. Herculano Pires)

A eutanásia é uma questão de lógica. Se partirmos da premissa de que a morte é o fim, chegamos naturalmente à conclusão de que matar um doente incurável ou uma criança é um ato de piedade. Mas se partirmos da premissa de que a morte é apenas o fim de uma existência, nossa piedade será assassina. Uma premissa falsa nos leva a um raciocínio criminoso. Para raciocinar de maneira certa precisamos dispor de dados certos sobre o problema que enfrentamos. O materialismo só conhece o corpo e não leva em conta a existência da alma. Ignora por completo o sentido da vida. Seu raciocínio sobre a eutanásia se funda na ignorância.

O espiritualista sabe que a alma sobrevive ao corpo, mas nem todo espiritualista conhece o processo da vida. Seu raciocínio sobre a eutanásia pode levá-lo a um sofisma. Mas o espírita sabe que a vida é um processo de evolução e que cada existência corpórea é o resultado das fases anteriores desse processo. O espírita dispõe de dados seguros e precisos sobre o fenômeno biológico da morte. Esses dados, obtidos nas experiências científicas do Espiritismo, estão hoje sendo confirmados pelas pesquisas parapsicológicas e físicas sobre o transe da morte. Basta a descoberta do corpo bioplasmático pelos físicos e biólogos para advertir os espíritos sistemáticos de que podem estar enganados.

Os inquisidores medievais queimavam os supostos hereges em nome da caridade, para livrá-los do fogo eterno do inferno. Os materialistas atuais pretendem abreviar a morte em nome da piedade racional. Elas por elas, temos o dogmatismo da ignorância tripudiando sobre os direitos da vida. A mensagem de Emmanuel é uma advertência da razão esclarecida e deve ser meditada em todos os seus termos. Não basta lê-la, é preciso estudá-la.


21

Renovação do mundo
(Chico Xavier)

Nosso grupo de amigos, antes da reunião, discutia sobre os problemas da nossa época. Todos partilhávamos da conversação, tratando da renovação do nosso mundo. Salientávamos as dificuldades espirituais em curso.

O horário chamou-nos às tarefas programadas. E depois da prece inicial, O Evangelho Segundo o Espiritismo nos ofertou para estudo o item 19 do capítulo III.[9] Os comentários dos companheiros a respeito foram os mais valiosos. E ao terminar a nossa reunião, foi Emmanuel quem trouxe a página mediúnica de complementação dos estudos.


21

Dupla renovação

(Emmanuel)

“Época de transição”: esta é a legenda que repetis frequentemente para definir a atualidade terrestre, em que surpreendeis, a cada passo, larga fieira de ocorrências inusitadas.

Conflitos.

Desencarnações em massa.

Acidentes enlutando almas e lares.

Desvinculações violentas.

Dramas no instituto doméstico.

Processos obsessivos, culminando com perturbações e lágrimas.

Moléstias de etiologia obscura.

Incompreensões.

Forçoso observar, no entanto, que o plano físico e o plano espiritual que se lhe segue reagem constantemente um sobre o outro. Criaturas desencarnadas atuam no ambiente dos companheiros encarnados e vice-versa. E se vos reportais ao término do segundo milênio de civilização cristã em que vos achais, com a expectativa e o entusiasmo de quem se vê à frente de uma era nova, as mesmas circunstâncias se verificam na Espiritualidade, entre aqueles que aspiram a obter o retorno à Terra, expressando propósitos de autoburilamento em nível mais alto de evolução.

É por isso que legiões enormes de irmãos, domiciliados no Mais Além, vêm solicitando, desde algum tempo, reencarnações difíceis; testemunhos acerbos de aperfeiçoamento íntimo; tempo curto no veículo físico, de modo a complementarem tarefas inacabadas em diversos setores da experiência humana; presença ligeira, junto de seres queridos, a fim de chamá-los à consideração da Vida Superior; ou empreitadas de serviço moral para a liquidação de empreendimentos redentores, largados por eles nos caminhos do tempo.

Para isso, tentam aproveitar-se da última vigésima parte do segundo milênio, a que nos referimos, para encerrarem o balanço das experiências menos felizes que lhes dizem respeito nos séculos últimos.

Perante a Vida Maior, quase tudo aquilo que vedes, presentemente, em matéria de agitação ou desequilíbrio, nada mais significa que a movimentação mais intensa de vastas coletividades que retornam à Esfera Física, em regime de urgência, no intuito de conseguirem retoques e meios com que possam abordar os tempos novos em condições mais dignas de trabalho e progresso.

Mantenhamo-nos prudentes, abstenhamo-nos de agravar dificuldades, evitemos a formação de problemas, orando e construindo, seja nos obstáculos que nos atinjam, seja nas inquietações que assaltem aos outros. Mas sejam quais forem as circunstâncias, estejamos atentos à fé para servir e compreender, reconhecendo que todas as provas de hoje são recursos e instrumentos de que se vale a Providência Divina a fim de conduzir-nos à Vida Melhor de amanhã.


21

Nos bastidores da evolução

(J. Herculano Pires)

Estamos no palco do mundo e participamos do ato final de uma fase de evolução do planeta. Envolvidos na ação de figurantes, cada qual em seu papel, não vemos o que se passa nos bastidores. Emmanuel, com sua mensagem, nos mostra o que está acontecendo nas antecâmaras. E essa revelação das atividades do mundo oculto dá sentido ao que nos parece absurdo, mostra-nos a unidade e a coerência da dinâmica evolutiva a que estamos submetidos nesta hora grave, e não obstante auspiciosa, da vida terrena.

Quem leu o prefácio do livro Ave Cristo!, de Emmanuel, referente à fase de transição do mundo pagão para o mundo cristão, pode estabelecer valioso paralelo. A fase atual é mais intensa, porque mais adiantada. Avançamos agora decisivamente para o milênio de regeneração da humanidade terrena. Multidões de espíritos reencarnam-se em regime de urgência, como explica Emmanuel, submetendo-se por assim dizer aos últimos exames de adaptação ao curso superior que devem fazer.

Confirma-se assim a teoria espírita da evolução dos mundos. Há mais de cem anos Kardec divulgou o ensino dos Espíritos a respeito, anunciando que já no século passado se iniciara a fase preparatória da grande transição. Dali por diante, a partir da Guerra da Itália (1859-1860) desencadeou-se o processo de transformação que culminaria nas duas Guerras Mundiais de 1914-18 e 1939-45. Esta última conflagração acelerou, como estamos vendo, o processo evolutivo, abrindo perspectivas novas em todas as direções do progresso terreno. Guerras e revoluções são cataclismos sociais destruindo estruturas arcaicas para que novas estruturas possam surgir.

Muita gente pergunta para onde vai o mundo, com tantos conflitos e desequilíbrios. Mas acaso existem modificações profundas sem abalos profundos? Os que se desesperam ante os problemas da atualidade não alcançam o sentido real dos acontecimentos. O Espiritismo nos oferece a chave do enigma. Tudo se transforma ao nosso redor, porque um novo mundo está nascendo. Não há motivos para decepção. Basta ver que ao lado das aflições florescem grandes esperanças. A Terra amadureceu em seu processo evolutivo e as leis de Deus se cumprem à revelia da incompreensão humana.


22

Resposta de Cornélio
(Chico Xavier)

Antes do início de nossos trabalhos conversávamos sobre os obstáculos de que nos vemos constantemente rodeados na Terra, para solucionar os problemas que dizem respeito aos nossos deveres corretamente cumpridos. Sempre a luta em nós e fora de nós para descobrir o rumo exato, sempre algo a se mostrar por entrave ao melhor que nos cabe fazer.

Ao lado de nossas preocupações, uma carta de amigo rogando algumas palavras do nosso caro Cornélio Pires, sobre a maneira mais justa de acertar com o caminho do bem e da paz. Essa missiva motivara a nossa permuta de ideias sobre o assunto.

Iniciada a reunião, O Evangelho Segundo o Espiritismo nos ofereceu o item 7 do capítulo IX [10] para estudo. Depois dos comentários gerais, o nosso Cornélio realmente compareceu com a resposta ao amigo que lhe solicitara o pronunciamento.

Interessando-nos a todos a missiva-poema do nosso Cornélio, resolvemos enviá-la, na ideia de que possa ser aproveitada em nossos lançamentos.


22

Receita de acertar

(Cornélio Pires)

Recebi o seu bilhete,
Meu prezado Felisberto.
Você nos pede um roteiro,
A maneira de andar certo.

Difícil a indicação
De como pensar e agir.
Sabe você: cada um
Tem uma estrada a seguir.

Toda pessoa na vida
Caminha tal qual se vê;
Aquilo que me auxilia
Talvez não sirva a você.

Posso afirmar-lhe, no entanto,
Pelo “sim” ou pelo “não”:
Tranquilidade por dentro
Decorre de aceitação.

Não a inércia que enregela
O que encontra em derredor,
Mas sempre a conformação
De quem procura o melhor.

Em corpo são ou doente,
Não adote fantasia;
Trabalhe quanto puder,
Não faça hora vazia.

Se você tolera provas
Nas lutas de parentela,
Em qualquer dificuldade,
Mais vale aguentar com ela.

Pais e mães, esposo e esposa,
Afeições, almas queridas,
São provas renovadoras
Que trazemos de outras vidas.

Encargo suposto humilde?
Não se importe, nem de leve…
Seu esforço é nobre e grande
Se você faz o que deve.

Varando os mares da vida,
Amigos são nossos remos;
Se são bons ou se são falhos,
São sempre os que merecemos.

Esqueça qualquer ofensa,
Não guarde mágoa ou pesar
Trabalhe, sirva e prossiga,
Deixe o barco navegar…

Eis a receita correta
de acertar, seja onde for:
Mais amor e paciência,
Paciência e mais amor.


22

Problemas de parentela

(J. Herculano Pires)

Bem ao gosto do poeta de “Musa Caipira” essas quadras de sete sílabas, em tom ao mesmo tempo de conversa jocosa e conselheiral. E quem o diz é um primo e amigo do poeta, que conviveu com ele e esteve ao seu lado pouco antes da sua passagem. Conheci de perto o poeta caipira, com seu jeito bonachão de conversar e escrever que toda a sua obra atesta. E não tenho a menor dúvida em identificá-lo, nesses versos de quase conversa.

Os problemas de parentela são sempre os mais difíceis da vida cotidiana, para quem tem o senso do dever e das obrigações em família. O egoísta se desfaz deles com facilidade, mas com isso apenas adia obrigações desta existência para outras, naturalmente agravadas com os juros da indiferença comodista que representa uma infração à lei de amor ao próximo. Aguentar parentes-problemas não é mais do que reparar os danos que lhes causamos no passado. Daí a afirmação do poeta, no tocante à parentela: “Mais vale aguentar com ela”.

Trata-se de um princípio doutrinário que nem todos aceitam. Os que não conhecem a lei da reencarnação, tão clara em várias passagens evangélicas, rejeitam esse princípio por ignorância. Mas há os que a conhecem e nem por isso aceitam o princípio. É fácil alegar que parentes, amigos e conhecidos que nos oneram nesta vida com suas dificuldades são criaturas irresponsáveis. Mas convém lembrar que nada acontece por acaso. Se essas criaturas estão hoje ligadas a nós, existe para isso algum motivo sério. O Espiritismo nos mostra que esse motivo provém de existências anteriores. Os que hoje pesam sobre nós estão simplesmente cobrando afeição e atenção que lhes negamos ontem.

O remédio eficiente é o que Cornélio receita, na última quadra: mais amor e paciência / paciência e mais amor. Por outro lado, convém lembrar que a lei evangélica de amor ao próximo supre, de maneira perfeita, a falta de conhecimento da lei de reencarnação. Embora não aceitando a reencarnação, toda pessoa de formação evangélica deve saber que o seu dever para com as dificuldades e deficiências do próximo é mandamento divino e, ao mesmo tempo, norma de conduta humana. Espiritualistas e materialistas enfrentam nesse campo obrigações inalienáveis, embora em posições diferentes.


23

Permanecer com Jesus e Kardec
(Chico Xavier)

Lembro-me de que, num dos primeiros contatos comigo, Emmanuel me preveniu de que pretendia trabalhar ao meu lado por longo tempo, mas que eu deveria, acima de tudo, procurar os ensinamentos de Jesus e as lições de Allan Kardec.

E disse mais: que se um dia ele, Emmanuel, me aconselhasse algo que não estivesse de acordo com as palavras de Jesus e Kardec, eu deveria permanecer com Jesus e Kardec e procurar esquecê-lo.


23

Emmanuel e Nóbrega [11]
(Cneius Lucius)

Amparado pelo Apóstolo dos Gentios, conseguiu Publius Lentulus transitar nas avenidas escuras da carne, em existências várias, até encontrar uma posição em que pudesse servir ao Divino Mestre com o valor e o heroísmo daquela que lhe fora companheira no início da Era Cristã. E assim temos em Manuel da Nóbrega o homem de raciocínio elevado, entregue a si mesmo em plena selva, onde tudo estava por fazer.

Noutro tempo, os livros prontos e as tribunas construídas, os direitos de família preestabelecidos e o dinheiro fácil, a sociedade constituída e o pedestal do poder para brilhar. Aqui, porém, eram a improvisação necessária e o deserto, as inibições do corpo deficiente que lhe apagavam a voz de tribuno, a insolência do selvagem recordando as feras do circo, à frente do qual devia imolar-se, consumindo as próprias forças para dar-lhe uma vida nova.

Surgiram ainda a devassidão e o crime, a ignorância e a audácia, os perigos mil que o hábil político transformado em missionário deveria vencer, exibindo não mais a toga do poder e as armas de seus guardas pessoais, e sim o sinal da cruz, sem mais ninguém que não fosse a sua pertinácia nos compromissos assumidos.

Entretanto, superou os óbices de toda espécie, lutou, sofreu e venceu, insculpindo com os poderes da ideia cristianizada um povo diferente e um novo mundo dentro do mundo.

Nóbrega podia ter vivido isolado no seu tempo. Contudo, desde cedo agregaram-se a ele multidões de amigos, exaustos de mando, de poder e dominação. E a teia dos destinos vai convertendo em trabalho para a coletividade tudo o que era cristalização do eu, em luz quanto era sombra, em liberdade espiritual o que era cárcere físico.

Da rocha surge o diamante, no curso dos milênios. Também a luz divina fluirá de nós um dia, quando a escória estiver abandonada no carvão que servirá de berço a outros diamantes no curso longo e paciente das eras.

O serviço do nosso amigo está longe de acabar. É preciso criar espírito para o gigante – costuma ele dizer. O gigante é a terra em que hoje nos situamos e o espírito é a luz com que devemos continuar erguendo os padrões de fraternidade mais alta e de mais avançado serviço com Jesus, no Brasil todo.

Prossigamos marchando à frente! Anos e dias correrão. Estejamos certos da brevidade de tudo o que se movimenta sobre a terra, para agirmos com segurança e paciência. Para construir é preciso lutar. E para colher é indispensável haver semeado.


23

A conversão do gentio

(J. Herculano Pires)

Dura foi a luta pela conversão do gentio. Tão dura que nunca chegou à conclusão desejada. Nóbrega, Anchieta e seus companheiros de catequese tiveram de enfrentar uma guerra sem tréguas. Nossos índios eram os mais selvagens da América. Sua civilização primitiva não oferecia pontos de contato com a civilização elevada que os jesuítas traziam da Europa. Nóbrega relata, em seu livro Diálogo da Conversão do Gentio, as dificuldades insuperáveis com que se defrontavam os padres catequistas. Esse livro marca o início da nossa literatura, no século XVI, e anuncia de maneira simbólica o prosseguimento da catequese de Nóbrega no futuro, através do livro psicografado.

Paulo exerceu o apostolado dos gentios para o Cristianismo. Nóbrega foi o Apóstolo dos Gentios no Brasil nascente, preparando o terreno para o seu apostolado espírita do futuro. Paulo encarna a transição histórica do Judaísmo para o Cristianismo. E com a sua teoria do corpo espiritual, a que chama de corpo da ressurreição, na I Epístola aos Coríntios, profetiza o advento do Espiritismo. Nóbrega marca a transição do Cristianismo medieval para o Cristianismo Redivivo da III Revelação, sob a égide do Espírito da Verdade.

“Tudo se encadeia no Universo”, ensina O Livro dos Espíritos. E a relação espiritual e histórica entre Paulo e Nóbrega, revelada pela mensagem de Cneius Lucius, dá-nos o exemplo vivo desse encadeamento no campo religioso. Por isso a cidade de São Paulo, fundada por Nóbrega, tem o nome do apóstolo cristão. As malhas da evolução espiritual, tecidas no tempo, mostram o desenvolvimento do Cristianismo em suas três fases culturais e históricas, sem solução de continuidade.

A mensagem de Cneius Lucius foi recebida por Chico Xavier, em Pedro Leopoldo, a 3 de agosto de 1949. Transcrevemo-la hoje por sua oportunidade, nas comemorações de mais um aniversário da Fundação de São Paulo.[12] Mensagem circunstancial, dada a um pequeno grupo de estudiosos, reduzimo-la aos pontos essenciais que revelam as ligações históricas. As dificuldades insuperáveis da conversão do gentio confirmam-se em nossos dias com a eclosão das formas de sincretismo religioso afro-brasileiro, em que as crenças indígenas e africanas sobrevivem ao nosso redor.

A conversão do gentio prossegue em pleno século XX. As crenças indígenas e africanas misturaram-se às práticas do Cristianismo. A ignorância popular, geralmente secundada pela ignorância-ilustrada, confunde Espiritismo com Umbanda e Candomblé. Publicam-se livros e realizam-se cursos sobre religiões mediúnicas, misturando a Revelação do Espírito da Verdade com danças selvagens, despachos e defumações. Mas Nóbrega prossegue infatigável na catequese evangélica, agora através da psicografia, preparando o triunfo da verdade cristã em beneficio de todos.


24

Palavras de bom-ânimo
(Chico Xavier)

Envio-lhe o soneto que nos foi dado pelo poeta Cruz e Souza, muito lembrado por nós, num grupo de amigos, na véspera da sessão em que nos visitou. Alguns companheiros, entre eles senhoras da Guanabara, falavam sobre a possibilidade de recebermos mediunicamente uma página do poeta.

Um dos participantes da nossa conversação expressava o desejo de obter de Cruz e Souza algumas palavras de bom ânimo, em vista dos tropeços que vem atravessando na seara da fé, ante o trabalho de fraternidade que lhe foi confiado. No dia seguinte as nossas irmãs do Rio nos convidaram para ligeiro culto de oração. Para centralizar os pensamentos na prece, recorremos à leitura de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que nos ofereceu o item 15 do capítulo XVIII para meditação.

Ao término do nosso ligeiro encontro espiritual, o nosso amigo Cruz e Souza veio até nós e deu-nos o soneto evidentemente dedicado em espírito ao amigo que esperava por ele. Sentindo que esse apelo nos serve a todos, passamo-lo às suas mãos.


24

Ao cultivador do bem

(Cruz e Souza)

Companheiro da Terra!… Companheiro,
Não te doa servir no solo obscuro,
Resguarda o sonho luminoso e puro
Sob os clarões do júbilo primeiro…

Vara lama, canícula, aguaceiro,
Vence o caminho áspero e inseguro,
Plantando o Bem nas leiras do Futuro,
O trigo excelso do imortal celeiro!…

Sofre, mas segue além das próprias dores,
Sê bondade e perdão por onde fores,
Olvida em prece o espanto que te invade.

Serve, tropeça, ergue-te e confia,
E encontrarás as fontes da alegria
Nas colheitas de luz da Eternidade.


24

A voz da experiência

(J. Herculano Pires)

Fala a voz da experiência neste soneto de Cruz e Souza. Quem conhece a vida do poeta facilmente o reconhece nestas estrofes. Negro e pobre, arredio, fugindo às glórias ilusórias da Terra, sofreu na carne as provas do exílio e morreu tuberculoso. Seu talento fulgurante e sua poesia exponencial só foram reconhecidos depois da sua morte. Era o poeta maior do nosso Simbolismo e não o reconheceram em vida. Ele mesmo se retratou no soneto “Vida Obscura”, como se vê no seu primeiro quarteto:

“Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto de prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.”

No soneto “Assim seja”, escrito em vida, como o acima citado, Cruz e Souza já dava conselhos semelhantes aos que agora envia ao companheiro que lhe suplica palavras de bom ânimo. Vejamos o seu último terceto:

“Morre com o teu Dever. Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa
Desdenhando de toda a Recompensa!”

Setenta e seis anos após a sua morte o poeta nos envia sonetos que o identificam pelo estilo, a temática e a posição pessoal diante do mundo e da vida. Os céticos perguntam se ele não teria evoluído, se não devia estar compondo em ritmo moderno. Se procedesse assim, como identificar-se? Nesse caso os céticos diriam: “Isso não é Cruz e Souza!”

O Espírito volta, pelo pensamento, às posições antigas, reencontra o tempo perdido e nele se reintegra para nos dar a sua ficha de identidade. “Livre da matéria escrava”, como ele mesmo escreveu em vida no soneto “Livre”, o poeta se torna senhor do tempo que não é mais irreversível como lhe parecia na Terra. A experiência da sua própria dor então lhe serve para socorrer os que ainda sofrem no exílio. E ensina os que padecem a transformar o lodo em astros, como já antevira no soneto “Clamor Supremo”, que nos deixou na sua poética terrena.

O problema da poesia mediúnica não é de crença, de aceitação pacífica e ingênua. Só podemos legitimar a mensagem poética através da crítica. O poeta se identifica pelo que ele era quando vivo e não pelo que ele devia ser. Toda a poética psicográfica de Chico Xavier (e toda a sua prosa) é marcada pelo selo dos autores espirituais. Este soneto de Cruz e Souza, como se vê, não pode ser atribuído a nenhum outro poeta. Traz o cunho do grande simbolista em todas as suas facetas.


25

Incêndio do edifício Joelma
(Chico Xavier)

Tão logo nos chegou pelo rádio a notícia do incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo, reunimo-nos em prece, quatro amigos, solicitando auxílio dos Benfeitores Espirituais para as vítimas do aflitivo acidente. O nosso Emmanuel atendeu-nos e escreveu a prece que lhe envio. É uma oração sem título, simplesmente oração.

Tenho a certeza de que, se houvesse título, ele seria escrito com as nossas próprias lágrimas.

Até hoje, sob a forte impressão do incêndio do Edifício Andraus que acompanhamos pessoalmente em fevereiro de 1972, o triste acontecimento nos dói profundamente no coração. Por isso, na ideia de que a prece do nosso benfeitor Emmanuel [13] possa confortar algum coração amigo, mais diretamente atingido pela dolorosa provação coletiva que a todos nos fere, enviamo-la à sua atenção. Deus nos fortaleça e abençoe a todos.


25

Senhor Jesus!

(Emmanuel)

Auxilia-nos, perante os companheiros impelidos à desencarnação violenta, por força das provas redentoras.

Sabemos que nós mesmos, antes do berço terrestre, suplicamos das Leis Divinas as medidas que nos atendam às exigências do refazimento espiritual. Entretanto, Senhor, tão encharcados de lágrimas se nos revelam, por vezes, os caminhos do mundo, que nada mais conseguimos realizar, nesses instantes, senão pedir-te socorro para atravessá-los de ânimo firme.

Resguarda em tua assistência compassiva todos os nossos irmãos surpreendidos pela morte em plena floração de trabalho e de esperança e acende-lhes nos corações, aturdidos de espanto e retalhados de sofrimento, a luz divina da imortalidade oculta neles próprios, a fim de que a mente se lhes distancie do quadro de agonia ou desespero, transferindo-se para a visão da vida imperecível.

Não ignoramos que colocas o lenitivo da misericórdia sobre todos os processos da justiça, mas tocados pela dor dos corações que ficam na Terra – tantos deles tateando a lousa ou investigando o silêncio, entre o pranto e o vazio –, aqui estamos a rogar-te alívio e proteção para cada um!… Dá-lhes a saber, em qualquer recanto de fé ou pensamento a que se acolham, que é preciso nos levantemos de nossas próprias inquietações e perplexidades, a cada dia, para continuar e recomeçar, sustentar e valorizar as lutas de nossa evolução e aperfeiçoamento, no uso da Vida Maior que a todos nos aguarda, nos planos da União Sem Adeus.

E, enquanto o buril da provação esculpe na pedra de nossas dificuldades, conquanto as nossas lágrimas, novas formas de equilíbrio e rearmonização, embelezamento e progresso, engrandece em teu amor aqueles que entrelaçam providências no amparo aos companheiros ilhados na angústia. Agradecemos ainda a compreensão e a bondade que nos concedes em todos os irmãos nossos que estendem os braços, cooperando na extinção das chamas da morte; que oferecem o próprio sangue aos que desfalecem de exaustão; que umedecem com o bálsamo do leite e da água pura os lábios e as gargantas ressequidas que emergem de tumulto de cinza e sombra; que socorrem os feridos e mutilados para que se restaurem; e os que pronunciam palavras de entendimento e paz, amor e esperança, extinguindo a violência no nascedouro!…

Senhor Jesus!…

Confiamos em ti e, ao entregarmo-nos em Tuas mãos, ensina-nos a reconhecer que fazes o melhor ou permites se faça constantemente o melhor em nós e por nós, hoje e sempre.


25

O enigma insolúvel

(J. Herculano Pires)

As provas coletivas, profundamente dolorosas, como a do incêndio do Edifício Joelma, constituem enigma insolúvel para os que creem em Deus mas não conhecem os princípios da sua Justiça Divina. Diante da tragédia absurda o coração vacila e muitas vezes a fé desmorona. Como pode Deus castigar assim as criaturas humanas ou até mesmo permitir ocorrências dessa espécie? Não há argumentos que possam acalmar a revolta dos que perderam entes queridos.

Mas a prece de Emmanuel começa por uma referência a “provas redentoras”. E a seguir nos lembra que nós mesmos, ao reencarnar na Terra, suplicamos às leis divinas as medidas de que necessitamos. Assim, orando a Jesus, Emmanuel nos envia também a mensagem esclarecedora sobre as razões ocultas da tragédia.

Cada criatura humana se define como personalidade pela sua consciência. Graças à consciência, a individualização humana nos separa da individualização animal e nos confere a dignidade espiritual. Conscientes do que somos e do que fazemos, somos naturalmente responsáveis pelos nossos atos. Essa responsabilidade se acentua quando o espírito, livre da ilusão da matéria, se defronta com a realidade no mundo espiritual. É então que pede para voltar à Terra numa reencarnação de provas redentoras, submetendo-se aos mesmos suplícios que infligiu a outros em vidas anteriores.

Quem conhece a História da Humanidade sabe de quantos horrores ela se constitui. O egoísmo humano, a ganância, a sede de poder, a arrogância desmedida dos homens – não obstante a natureza passageira da vida terrena – levaram-nos a muitos desvarios por mares e terras do planeta. Agora, numa fase decisiva da evolução terrena, muitos Espíritos anseiam por aliviar sua consciência dos crimes do passado, preparando-se assim para experiências mais altas no mundo melhor que vai nascer.

Há quem se revolte à ideia de que uma criatura querida tenha praticado crimes em vida anterior. Mas a verdade é que somos todos, sem distinção, espíritos endividados com a nossa própria consciência. Nada devemos a Deus, que nada nos cobra, mas tudo devemos a nós mesmos. A natureza divina do espírito se revela nas leis de justiça da consciência. E é por esse tribunal secreto, instalado em nós mesmos, que nos condenamos a suplícios redentores. A tragédia passageira resulta em benefícios espirituais na vida sem limites que nos aguarda além-túmulo.


26

O ponto central
(Chico Xavier)

Precedendo a nossa reunião pública, os comentários sobre o incêndio havido em São Paulo, no dia primeiro deste mês de fevereiro,[14] foram ainda o ponto central de nossas conversações.

Éramos dezenas de companheiros, na maioria procedentes de cidades diversas. Não tínhamos, porém, outro assunto, mesmo porque estavam entre nós alguns familiares dos que foram vítimas da ocorrência dolorosa. Da troca de reflexões sobre o acontecido fomos às tarefas programadas.

Após a oração habitual O Livro dos Espíritos nos deu para estudar a questão 740, referente às provações coletivas. Após a interpretação do texto os poetas Cyro Costa e Cornélio Pires se manifestaram pela psicografia, oferecendo-nos os sonetos que lhe envio.

* * *

Nota – Publicamos neste capítulo apenas o soneto de Cyro Costa, em virtude da revelação que o conhecido e saudoso poeta paulista faz a respeito das vítimas do incêndio do Edifício Joelma. O soneto de Cornélio Pires se encontra no capítulo seguinte.


26

Luz nas chamas

(Cyro Costa)

Homenagem aos companheiros desencarnados no incêndio
ocorrido na capital de São Paulo em 1° de fevereiro de
1974, em resgate dos derradeiros resquícios de culpa
que ainda traziam na própria alma, remanescentes de
compromissos adquiridos em guerra das Cruzadas.
_ _ _

Fogo!… Amplia-se a voz no assombro em que se espalha
Gritos, alterações… O tumulto domina.
No templo do progresso, em garbos de oficina,
O coração se agita, a vida se estraçalha.

Tanto fogo a luzir é mística fornalha
E a presença da dor reflete a lei divina.
Onde a fé se mantém, a prece descortina
O passado remoto em longínqua batalha…

Varrem com fogo e pranto as sombras de outras eras
Combatentes da Cruz em provações austeras,
Conquanto heróis do mundo, honrando os tempos idos.

Na Terra o sofrimento, a angústia, a cinza, a escória…
Mas ouvem-se no Além os hinos de vitória
Das Milícias do Céu saudando os redimidos.


26

Resgates a longo prazo

(J. Herculano Pires)

Para as pessoas que ainda não aceitam o princípio da reencarnação, a revelação parece absurda, simplesmente imaginária. Mas quem conhece realmente o problema não terá dúvidas a respeito. O poeta Cyro Costa, autor do livro Terra Prometida (José Olímpio Editora, 1938) foi um dos homens exponenciais de São Paulo nos idos de 30. Foi ele, já desencarnado, quem encerrou o primeiro “Pinga Fogo” de Chico Xavier, no Canal 4, a 28 de julho de 1971, com o soneto intitulado “Segundo Milênio”.

Por que razão Cyro Costa teria revelado a causa longínqua da morte das vítimas do incêndio? Certamente para consolar os familiares aflitos que não viam motivo para esse fim cruel. Muitos desses familiares são espíritas ou aceitam os princípios doutrinários, como vemos pela presença de alguns na reunião de Chico Xavier. Além desse motivo caridoso há o interesse de confirmar o princípio da reencarnação diante de uma ocorrência que sem ele não seria explicável.

Em termos de consolação para os que ficaram, o final do soneto é de suma importância, pois informa que as vítimas da Terra foram recebidas no Além como vitoriosas. A convicção espírita, firmada em fatos reais e nas intuições profundas da alma, recebe com alegria informações espirituais dessa natureza, quando dadas por espíritos plenamente identificados e de comprovada elevação.

Mesmo entre os espíritas, alguns poderão perguntar por que motivo dívidas tão remotas só agora foram pagas. As Cruzadas se verificaram entre princípios do Século XI e final do Século XIII. É que a Lógica Divina é superior à lógica humana. Débitos pesados esmagariam o espírito endividado, sob cobrança imediata. Convém dar tempo ao tempo para que os resgates se façam de maneira proveitosa. Os Espíritos devem evoluir o suficiente para que suas próprias consciências os levem a aceitar o resgate e a pedi-lo, reconhecendo a medida como necessária para continuidade de sua evolução. Entrementes, nas encarnações sucessivas, partes do débito vão sendo pagas, aliviando o devedor. Por isso Cyro Costa alude a “resquícios de culpa” e não à culpabilidade total.

Também por isso as vítimas foram recebidas de maneira gloriosa, pois agora comparecem na Espiritualidade como heróis da evolução, espíritos que se propuseram a passar na Terra pelo que infligiram a outros no passado. Não foram submetidos compulsoriamente ao sacrifício, mas entregaram-se a ele de maneira espontânea, no exercício voluntário do seu livre arbítrio. Essa a sua glória. E o consolo para os que ficaram é evidente. Seus entes queridos não foram vítimas ocasionais de um golpe nefando do destino ou da fatalidade. Nada disso. Sacrificaram-se num momento terrível mas passageiro, para assegurar-se a felicidade no mundo espiritual e reencarnações felizes no futuro.

Sem as provas positivas que o Espiritismo oferece aos que o estudam e praticam, é difícil ao homem compreender o problema. Mas há mais de um século a revelação espírita vem beneficiando milhares de criaturas, hoje perfeitamente aptas a compreender esse processo.

Quanto às Cruzadas, convém lembrar que suas guerras foram das mais desumanas, marcadas por massacres e incêndios. Historiadores de insuspeita autoridade, como Brentano, Langlois, Michaud, relatam cenas de canibalismo, massacres de crianças, horrores de toda espécie praticados em nome da fé cristã.

Na queda de Jerusalém, segundo Brentano, em 1099, os judeus da cidade foram reunidos na sinagoga e queimados vivos. Correndo a notícia de que os mouros haviam engolido objetos de ouro, para escondê-los, milhares deles tiveram o ventre aberto e suas vísceras remexidas pelos cruzados, ainda quentes.

O fogo era largamente usado. Mouros e judeus eram levados aos edifícios mais altos e obrigados a saltar para se espatifarem no solo. Encurralavam-se prisioneiros em prédios altos, que eram incendiados para que eles morressem nas chamas. Como vemos, crimes tão hediondos só poderiam provocar resgates a longo prazo.


27

Os poetas e o incêndio
(Chico Xavier)

Os poetas Cyro Costa e Cornélio Pires manifestaram-se pela psicografia, como já dissemos anteriormente, oferecendo-nos visão nova do terrível acidente. Ambos os poetas trouxeram-nos grande conforto. Nossa troca de impressões sobre o acontecimento doloroso, antes da manifestação dos poetas, revelava o grande abalo que todos sofrêramos.

Concordamos todos em colocar os sonetos em suas mãos, na ideia de que possam consolar outros irmãos, cujos sentimentos estejam mais diretamente ligados à provação que nos atingiu a todos.

* * *

Nota – O soneto de Cyro Costa, que revela os motivos cármicos de tantas mortes no incêndio, está publicado no capítulo anterior.

Neste capítulo reproduzimos o de Cornélio Pires, o poeta de Tietê, de saudosa memória, que nos dá uma dupla visão da dolorosa ocorrência.


27

Incêndio em São Paulo

(Cornélio Pires)

Céu de São Paulo… O dia recomeça…
O povo bom na rua lida e passa…
Nisso, aparece um rolo de fumaça
E o fogo para cima se arremessa.

A morte inesperada age possessa,
E enquanto ruge, espanca ou despedaça,
A Terra unida ao Céu a que se enlaça
É salvação e amor, servindo à pressa…

A cidade magoada e enternecida
É socorro chorando a despedida,
Trazendo o coração triste e deserto…

Mas vejo, em prece, além do povo aflito,
Braços de amor que chegam do Infinito
E caminhos de luz no céu aberto…


27

Almas libertas

(J. Herculano Pires)

Tudo se encadeia no Universo, explicam os Espíritos na obra básica da doutrina. Nada acontece por acaso. Há em tudo uma sequência natural de causas e efeitos, de ação e reação. Cyro Costa nos deu em seu soneto as raízes da tragédia do Joelma. Cornélio Pires nos relata as consequências. Temos assim uma visão em três tempos da catástrofe que seria absurda, ininteligível, sem os esclarecimentos proporcionados pela comunicação mediúnica.

A ocorrência não se torna menos dolorosa, mas a consolação é levada a muitos corações desesperados. Saber que os entes queridos não pereceram ao acaso nem desapareceram nas cinzas, mas foram socorridos por amigos espirituais e estão a caminho de recuperação nos planos superiores da vida, é aliviar o coração e desafogar a alma. Muitos perguntarão: E as provas de tudo isso? E quantos, ao fazer a pergunta, já obtiveram a resposta pela intuição da realidade que trazem em si mesmos, nas profundezas misteriosas da consciência.

O soneto de Cornélio Pires é descritivo, como era de seu estilo tão conhecido de todos. O poeta busca socorro nas reticências, nos três pontinhos que, sem mudar de aparência, mudam de significação em cada verso. Todo o quadro da tragédia foi apanhado nesses catorze versos de um decassílabo modesto, mas preciso. Não há uma pincelada a mais nem a menos. E a última reticência é uma abertura para tudo aquilo que a palavra não pode traduzir.

Das terríveis guerras das Cruzadas, em nome de Cristo, as almas enclausuradas em reencarnações sucessivas vieram imolar-se no último sacrifício. Em breves momentos de desespero e dor libertaram-se do passado para librar-se a planos superiores da vida. Aliviaram para sempre suas consciências doloridas. Almas libertas, podem agora prosseguir nos caminhos da evolução espiritual sem cair em novos enganos. Possuem a experiência maior. Amadureceram para a imortalidade. Ontem queriam servir a Deus a ferro e fogo. Hoje compreendem que só o amor nos livra das ciladas do egoísmo e da arrogância e nos prepara de maneira eficiente para os serviços de Deus.


28

Os acidentes são inevitáveis?
(Chico Xavier)

Qual a posição da máquina perante o homem?

Diante dos acidentes ocorridos nos tempos últimos, comentávamos diversos assuntos que nos vinham à palavra em forma de perguntas, antes da nossa reunião pública.

O progresso, criando tantas facilidades para a vida física, será um mal? Como definir a posição da máquina perante o homem? Os acidentes são inevitáveis? Um homem guiando um carro, por exemplo, caso esteja conduzindo o veículo com respeito e compreensão pelos outros, acatando com sinceridade as determinações do Trânsito, pode evitar um desastre, alterando os princípios cármicos? Ou aqueles que conduzem carros estão fatalmente presos aos acidentes, sem nenhum meio de evitá-los? A bondade de Deus, que dirige a vida, não conseguirá livrar os homens dessas provas?

Reunidos para as tarefas da noite, O Livro dos Espíritos nos deu para estudo a questão 793. Após diversos comentários dos irmãos, o nosso caro Emmanuel nos trouxe a mensagem que nós, os companheiros da reunião, desejaríamos, se possível, ver publicada com as suas anotações, para complementarmos as nossas reflexões.


28

Progresso e segurança

(Emmanuel)

Vez em vez, somos interpelados por amigos domiciliados na Terra que perguntam se será realmente válido o crescimento da Civilização. E acentuam que as engrenagens do progresso material passam no mundo a lembrar mandíbulas de gigante triturando existências e deixando vasto sulco de lágrimas.

Considerando, porém, o progresso por lei da vida, é mais razoável ponderar quanto ao imperativo de nossa habilitação espiritual para recebê-lo.

* * *

Nenhuma forma de vida permanece estática nos domínios do Universo.

Tudo vibra e tudo se transforma com vistas ao aperfeiçoamento incessante.

A lei da evolução é irreversível.

Entretanto, é justo observar que não surgem vantagens sem preço.

O Criador determina facilidades para a vida e elevação das criaturas, mas não exime essas mesmas criaturas do dever de usufruí-las com responsabilidade para o bem próprio.

O automóvel é concessão divina, através da criatividade humana, para abreviar providências, encurtando distâncias.

Impossível, no entanto, que a dádiva não esteja controlada pelos regulamentos do trânsito, em cujo desrespeito o Espírito dos beneficiários é corrigido nos resultados da própria imprevidência.

A força elétrica elimina numerosos problemas, relacionados com rendimento de trabalho, preservação, eficiência, saúde e bem-estar, mas não pode ser culpada pelos acidentes em que se envolve, quando não seja protegida e manejada com o respeito de quantos se lhe fazem favorecidos.

Os aparelhos domésticos economizam o esforço dos braços; entretanto, reclamam esforço mais amplo do cérebro nos domínios da atenção evitando-se calamidades dentro de casa.

Computadores ganham tempo mas exigem estudos complexos, para não perturbar as operações da inteligência prejudicando a comunidade.

* * *

O conflito entre progresso e segurança não decorre da máquina e sim do homem que a mobiliza, toda vez que se mostre sem a necessária conscientização para o trabalho.

* * *

Não acuses o Céu porque o Céu te beneficie na Terra.

* * *

Recebe os recursos da Civilização com o apreço que se deve à Providência Divina que os promove em auxílio à Humanidade.

* * *

Nos eventos difíceis, reverenciemos os princípios de causa e efeito que nos regem os destinos, mas não nos esqueçamos da lei de renovação, em bases de amor aos semelhantes, capaz de superá-los.

E quando o desastre porventura apareça, examina criteriosamente o mecanismo das circunstâncias que o produziram, e muito raramente não encontrarás a imprevidência ou o desequilíbrio do próprio homem por trás dele.


28

O preço do progresso

(J. Herculano Pires)

Todos querem progredir, mas se esquecem de que o progresso tem o seu preço. O operário que sobe a um cargo de chefia paga essa elevação com o aumento da sua cota de responsabilidade. O homem ignorante que adquire saber assume novos compromissos perante a coletividade. A civilização que se desenvolve cria novas necessidades para si mesma e tem de supri-las com redobrado esforço. A evolução humana é acompanhada do desenvolvimento técnico e exige do homem maior controle de si mesmo.

A habilitação espiritual do homem para enfrentar o progresso foi proposta por Jesus nos princípios evangélicos. Desde o início do impulso do progresso que o Cristianismo deu ao nosso mundo, a carta de habilitação nos foi posta em mãos. Nela aprendemos a necessidade básica de amor ao próximo, de desapego aos bens terrenos, de orar e vigiar para que as tentações não nos empolguem; de tomar consciência da fragilidade humana e da responsabilidade do espírito, como ser imortal, diante das leis de Deus.

A lei de causa e efeito age em nosso destino como exigência de nossa própria evolução. Mas a lei do amor está em nós como providência divina que nos permitirá superar os efeitos negativos. O amor dissolve o mal. Quem ama repara voluntariamente as faltas do passado. Se a lei de renovação nos impele ao pagamento de pesados compromissos, o amor é o tesouro de que dispomos para adiantar esses resgates. Podemos pagar com amor o preço do progresso, ao invés de nos submetermos por negligência à cobrança compulsória.


29

Revelação de poeta
(Chico Xavier)

Motivos da explosão do DC-10 em Paris

Regressávamos de ligeira viagem e reunimo-nos em oração, apenas três companheiros, após comentar o acidente aéreo ocorrido em Paris, no dia 3 deste mês.[15] Os sofrimentos de perto nos fazem meditar nos sofrimentos que se verificam longe de nós.

Ainda não refeitos das atribulações pelas quais todos passamos, com o incêndio de fevereiro, em São Paulo, reunimo-nos em prece para buscar, acima de tudo, compreensão para nós mesmos, de maneira a entendermos que a dor, em qualquer parte, vem das leis de Deus em benefício de nós próprios.

Abrimos O Livro dos Espíritos antes de iniciar o nosso culto de oração e a questão 266 veio em nossa ajuda. Pensamos no assunto e, numa confortadora surpresa, recebemos a visita do poeta Silva Ramos, que nos tomou a mão e escreveu o soneto que ele mesmo intitulou “Culpas”.

Ainda profundamente sensibilizados com o lamentável desastre, enviamos ao prezado amigo o soneto do poeta desencarnado, na ideia de que as suas anotações auxiliem-nos a desenvolver o nosso pensamento a respeito das desencarnações coletivas.


29

Culpas

(Silva Ramos)

A Natureza aponta a culpa que começa:
Em cidade praiana, a legião pirata
Desembarca, saqueia, humilha, fere, mata…
Por nada se detém, por mais que se lhe peça…

Quantas vidas ao mar sob golpes à pressa!…
Incêndios e orações no horror que se desata…
Depois, vinho e prazer, os butins de ouro e prata
E as horas avançando ao tempo que não cessa…

Os séculos se vão marchando em luz e treva…
Um dia, em mar aéreo, enorme nave leva
Os piratas de outrora e a Justiça Divina…

Surge a morte no ar… A aflição se renova…
Preces, gemidos e ais de corações em prova…
E a Natureza apaga a culpa que termina.


29

A escolha do Espírito

(J. Herculano Pires)

A revelação do poeta Silva Ramos pode parecer absurda e até mesmo ofensiva para muitas pessoas. Pereceram na explosão do avião turco, sobre Paris, 345 pessoas. Três brasileiros estavam nesse número espantoso de vítimas. Como considerar todas elas criminosas, envolvidas em atos de pirataria? Convém lembrar que se trata de culpas remotas, de vidas anteriores. Quem pode, na Terra, examinando suas próprias tendências atuais, considerar que há cinco séculos tenha sido uma criatura virtuosa, incapaz de ações criminosas?

O Espiritismo ensina que os Espíritos escolhem e pedem as provas por que vêm passar na Terra. Outra dúvida se levanta, mas já a vemos registrada na questão 266 de O Livro dos Espíritos. Kardec perguntou: “Não parece natural que os Espíritos escolham as provas menos penosas?” E os Espíritos Superiores responderam: “Para vós, sim, para o Espírito, não.” Nossas provas decorrem de nossa consciência. As leis de Deus, inscritas na consciência, levam o culpado a pedir o seu próprio castigo. Note-se a perfeição absoluta dessa justiça que não vem de fora, mas se processa de dentro para fora. O culpado é o seu próprio juiz, o mais severo dos juízes.

Por isso mesmo as provas mais graves não são imediatas. O Espírito do culpado precisa amadurecer moralmente para sentir o aguilhão da consciência e obedecê-lo. As provas coletivas reúnem criaturas que nos parecem incapazes de haver cometido atrocidades. Elas tiveram de atingir esse grau atual de evolução para terem a coragem heroica de submeter-se às expiações necessárias. Nessa perspectiva, como vemos, tudo se torna compreensível. As vítimas de hoje são almas purificadas que se redimem por vontade própria. Não são mais criminosas, são heroínas da evolução.

Silva Ramos usa o soneto para mostrar, numa síntese poética, o que podemos chamar de mecânica da prova. As ações do passado dão começo à culpa; os séculos de luz e treva desenvolvem os Espíritos nas experiências dolorosas; e, por fim, a culpa se apaga na prova coletiva em que todos se reúnem. As lentas depurações individuais se conjugam, no final, para o resgate coletivo em que a culpa é liquidada.


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Assistência à criança
(Chico Xavier)

Fracasso da educação sem Deus

O Centro Espírita Eurípedes Barsanulfo, situado na Vila de Peirópolis, à distância de vinte quilômetros de Uberaba, dedicava sua reunião aos serviços de assistência à criança. Lá estávamos em reduzida caravana de amigos. O tema da noite era Educação. E o texto de O Evangelho Segundo o Espiritismo que saiu para o nosso estudo foi o item 2 do capítulo XXV. Diversos comentários se fizeram ouvir.

Ao término da reunião a mensagem recebida foi o soneto “Lição da vida”, da poetisa desencarnada Narcisa Amália. Nós, os companheiros presentes à reunião, concordamos em enviar-lhe a mensagem, na expectativa de vê-la publicada, para nossos estudos, com os seus comentários doutrinários.


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Lição da vida

(Narcisa Amália)

Veio o mestre à prisão para encargos de ensino,
Guiava jovem turma às lições do Direito;
Junto dele estacou, de chofre, um carro estreito
A transportar um morto – um malfeitor menino.

Fala à equipe curiosa um guarda em desatino:
– “Matei-o!… Era ladrão e matador perfeito!…”
O corpo envolto em pano é visto com respeito…
Solene, o mestre exclama: “Infeliz assassino!…”

E prosseguiu: “Já sei… O morto não me ilude
Para ser um bandido assim na juventude,
Certo, nasceu da lama agarrado ao gatilho…”

Depois, descobre o corpo… Em todos, vibra o espanto.
O professor tombara a desfazer-se em pranto.
E gritava: “Oh! meu Deus! Ah! meu filho… Meu filho!…”


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O engano do mestre

(J. Herculano Pires)

A educação puramente formal perde a sua essência que é o amor. O mestre se habitua aos objetivos imediatos do ensino, esquecendo-se da formação moral e espiritual, dos fins verdadeiros do processo educativo. O quadro que o soneto de Narcisa Amália nos apresenta não é imaginário, não tem apenas a finalidade de chocar-nos pelo seu aspecto trágico. Seu verdadeiro objetivo é mostrar-nos a falência da educação formal, convertida em máquina de ensino, incapaz de atingir a alma do educando.

O mestre sem amor revela a sua frieza ao dizer, diante do cadáver de uma criança assassinada: “ O morto não me ilude”. Na verdade, o morto não o iludia, mas ele se enganava. Não havia sido a lama dos bairros miseráveis nem o apego precoce ao gatilho que transformara aquela criança em criminosa. A causa deformadora estava no coração do pai, do mestre que não aprendera a amar, que não conseguira entender a verdadeira natureza da educação. Não era um mestre, mas um profissional do ensino.

A vida, a grande educadora, que não se formaliza nem profissionaliza, surpreende-nos às vezes com lições terríveis. Fatos como esse, episódios em que o fracasso do mestre o leva a desilusões arrasadoras, ocorrem com mais frequência do que se supõe. Apenas as ocorrências mais trágicas aparecem no noticiário da imprensa. Outras, de natureza mais íntima, são abafadas com lágrimas no próprio lar.

Pestalozzi, mestre de Kardec, foi um apóstolo da Educação. Kardec aprendeu com ele que educar é amar. Por isso, Kardec insiste no valor e na importância da Educação como única maneira eficiente de modificarmos o mundo, melhorando o homem. A Educação sem Deus dos nossos dias, produzida pelos abusos do sectarismo religioso, terá de ser substituída pela Educação Espírita, onde a fé não é imposta de maneira arbitrária, mas se desenvolve no educando à luz da razão e ante a comprovação dos fatos. Estamos vendo no mundo o resultado de uma educação errada e deformada.

O soneto de Narcisa Amália é um choque emocional para nos despertar, a nós, espíritas, da negligência nesse terreno. Temos fundado escolas, é verdade, mas nos esquecemos do principal que é dar a essas escolas um sistema seguro de Educação Espírita, elaborado com amor pelos educadores espíritas. Para isso já existe entre nós a revista especializada do Grupo Espírita de Estudos Pedagógicos. Mas, quantos espíritas já se interessaram por ela? Quantos professores espíritas leram os exemplares já publicados? Até quando continuaremos indiferentes ao problema maior que nos desafia nesta hora do mundo? Que cada qual responda para si mesmo.


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Aguilhões invisíveis
(Chico Xavier)

Remédio eficiente para a obsessão

Envio-lhe uma página do nosso Cornélio. Antecedendo a nossa reunião, o entendimento fraterno desdobrava-se em torno do problema de supressão das influências destruidoras. Obsessões em forma de doenças e vibrações agressivas em forma de aguilhões invisíveis, foram os temas que nos animaram a conversação.

Chamados pelo horário às tarefas espirituais, demos início à reunião. O Evangelho Segundo o Espiritismo nos deu para estudo o item 7 do capítulo XXV. Após os comentários dos amigos a respeito, no término de nossas atividades, o nosso amigo Cornélio Pires nos ofertou o soneto “Consulente Difícil”.


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Consulente difícil

(Cornélio Pires)

Veio à sessão Nhô João do Rio Raso
Curar a obsessão que o perseguia.
Rogou cansado a irmão José Maria:
– Socorro, irmão, na luta em que me arraso!

O guia disse: “João, qualquer atraso,
Doença, provação, melancolia,
São curados na prece dia a dia.
Mas ouça, ninguém vive por acaso.”

E prosseguiu: “Embora a fé nos guarde,
Trabalhe e sirva, antes que seja tarde.
Mais trabalho no bem, mais alegria!”

Mas Nhô João replicou, rude e vermelho:
– Não vim pedir serviço nem conselho,
Larva do Astral, você nunca foi guia!”


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Remédio fácil

(J. Herculano Pires)

A obsessão é um mal de cura difícil, mas de remédio fácil. Se os doentes aceitassem o remédio, a cura se processaria com maior rapidez. Em geral os casos de obsessão demandam longo e paciente tratamento, porque os doentes não tomam o remédio. Isso não quer dizer que se o tomassem ficariam curados em quinze minutos. As curas instantâneas de obsessões são ilusórias. Só Jesus as fazia, quando verificava que as conseqüências do passado estavam esgotadas. Então dizia ao doente curado: “Perdoados foram os teus pecados”, o que escandalizava os judeus, conhecedores das dificuldades do exorcismo que seus rabinos praticavam.

A obsessão tem suas raízes nas vidas anteriores. E essas raízes mergulham fundo no chão do sentimento, da afetividade. Afetos e desafetos de ontem determinam as obsessões de hoje. Criaturas que prejudicamos em vidas passadas vêm agora cobrar o que lhes fizemos. Se estão doentes até hoje, aproximam-se de nós e por meio da indução nos transmitem os seus males. Sofremos então o que fizemos os outros sofrerem. Não há, pois, nenhum fenômeno novo de indução a ser descoberto no Espiritismo. A indução é o processo pelo qual se realiza a obsessão. Muitas vezes o obsessor consegue aproximar do obsedado um doente aparentemente estranho, para que a indução de um novo mal se processe pela aproximação.

O remédio é fácil. Apoiados em nossa fé, temos de usar a prece dia a dia e empenhar-nos no trabalho do bem. Esse trabalho nos proporciona alegria, porque nos liberta do passado egoísta, nos tira da consciência o peso opressor que facilitava a nossa sintonia com os obsessores. Como vemos, o soneto de Cornélio Pires é um primor de síntese. Em apenas catorze versos o poeta caipira nos transmite uma verdadeira aula sobre obsessão.


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Ante os desajustes atuais
(Chico Xavier)

Como ajudar aos que não compreendem

Vários grupos de amigos e simpatizantes da Doutrina Espírita nos honravam com sua presença e participação em nossa reunião habitual.

Antecedendo as tarefas programadas, o assunto central das conversações era a necessidade de encontrarmos recursos que nos ajudem, na atualidade, a aliviar ou socorrer os companheiros de humanidade que nos procuram, tantos deles em desarmonia e sofrimento espiritual. Falávamos sobre os problemas da obsessão, do desencanto, da descrença e do desequilíbrio, quando a reunião foi iniciada. O Evangelho Segundo o Espiritismo nos ofereceu a exame o item 14 do capítulo V, referente à loucura e ao suicídio. Diversos comentaristas falaram sobre o tema. E o nosso Emmanuel nos deu a mensagem “Presidiários da Alma”, que tomamos a liberdade de enviar-lhe, no desejo de vê-la publicada com as suas elucidações doutrinárias.


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Presidiários da alma

(Emmanuel)

Quando os companheiros em aflição se aproximem de ti, compadece-te deles, antes de ouvi-los.

Acolhe-os na condição de presidiários da alma, a suportarem conflitos íntimos que talvez desconheças.

Prisioneiros do sofrimento: será essa designação provavelmente a mais adequada para definir a condição dos que buscam socorro, situados nas últimas raias da resistência ao desespero!

* * *

Este enlaçou-se aos problemas da culpa quando se supunha conquistando a felicidade e ignora como reaver a tranquilidade perdida; aquele recusou a provação em que se redimiria e algemou-se a compromissos difíceis de resgatar; outro desperdiçou força e tempo, caindo nas malhas do desgaste orgânico que lhe exige cuidado e conformação; aquele outro tem o espírito encadeado ao frio de um túmulo em que se lhe guardam as derradeiras lembranças de um ente amado!…

Encontrarás os desencorajados e os tristes, os encarcerados em desânimo e azedume e ainda aqueles outros que a rebeldia trancafiou em celas de angústia, a te pedirem amparo e libertação!…

A nenhum desconsideres nem firas com advertências inoportunas.

Recordemos que ninguém se arroja em vulcões de pranto simplesmente porque o deseje.

Os que te cercam, implorando socorro, habitualmente já lutaram o bastante para se conscientizarem quanto à própria situação.

Constrói a ponte da misericórdia entre a fé que te ilumina e a dor dos irmãos que te apresentam o coração ferido e dá-lhes o braço salvador a fim de que se transfiram da treva para a luz.

Quantos se tresmalharam nas estradas do mundo, tantas vezes ludibriados por eles mesmos, não precisam tanto da interferência baseada em nossos recursos de austeridade e conhecimento.

Eles todos esperam de nós, acima de tudo, um gesto de simpatia e uma bênção de amor.


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A rebelião dos pedintes

(J. Herculano Pires)

Assistimos hoje, no mundo, à rebelião dos pedintes. Milhões de criaturas que pediram reencarnações de provação, vindo à Terra para descarregar suas consciências atormentadas, rebelam-se contra as condições que elas mesmas solicitaram. Ao mergulhar no plano da matéria densa, em seus escafandros carnais, esses Espíritos sofredores reencontram o clima de suas antigas paixões, de seus anseios frustrados, de suas ilusões desfeitas e desejam repetir as tentativas do passado. Mas a verdade é que agora estão atrelados ao carro das provas, com a finalidade de se libertarem dos anseios egoístas, preparando-se para a civilização do altruísmo que já começa a alvorecer no planeta.

Estamos numa hora de transição. Temos de deixar os nossos erros no passado e avançar corajosamente para o futuro. Não é fácil alijar na estrada o fardo das velhas pretensões. Por outro lado, a vida de hoje oferece facilidades novas, perspectivas que no passado eram impossíveis e que agora fazem renascer as tentações antigas com maior violência. São os juros da dívida antiga, exigindo maior esforço dos devedores que, embriagados com a volta à condição corporal, esquecem-se dos compromissos espirituais assumidos para essa experiência.

Falta-lhes a capacidade de compreender de pronto a nova situação. Não obstante, todos eles trazem no íntimo as advertências do plano superior, prontas a brotar do inconsciente quando ajudados pelos companheiros terrenos que possuem a mente iluminada pelos princípios renovadores do Espiritismo. É por isso que procuram intuitivamente o socorro espírita. Mas, se ao invés de compreensão encontrarem em nosso meio a rejeição e a reprimenda, sentirão aumentar a revolta e o desespero que os afligem.

Daí a recomendação de Emmanuel no sentido de os recebermos com atenção e carinho, compadecendo-nos deles, antes mesmo de ouvi-los. Temos de ter compreensão para ajudar os que não compreendem. Se formos capazes de amá-los, ao invés de censurá-los, poderemos dar-lhes a ajuda que nos pedem. E o Alto secundará os nossos esforços de fraternidade. Suportemos a galhofa, a ironia, a zombaria com que nos desafiam. Toleremos as suas impertinências, como outros já nos toleraram. Encaremos todos eles como irmãos que nos pedem amor, atenção e carinho, pois só assim os ajudaremos, ajudando-nos a nós mesmos.

É claro que não devemos acolhê-los para incentivar-lhes o apego às velhas paixões. Todos necessitamos – sem exceção – na vida terrena de apoio afetivo e corrigenda. A ação dupla do freio e da espora, como ensina Lázaro, é que nos leva a saltar os obstáculos da prova.

A rebelião dos pedintes exige dos pais, dos educadores, dos orientadores religiosos – e sobretudo dos espíritas – uma atitude de permanente disponibilidade afetiva, de coração aberto e ao mesmo tempo de mente vigilante. Não podemos, por amor sem controle, auxiliá-los na rebelião.

Essa atitude não é fácil de ser mantida, pois os pedintes rebeldes nos acusarão de crueldade e atraso, sempre que nos opusermos aos seus abusos. E terão ao seu lado familiares que os apoiam. Mas se tivermos amor em nossos corações, venceremos, pois nosso amor despertará na consciência rebelada a lembrança dos compromissos assumidos no mundo espiritual.

– Fim –

Notas:


[1] 117º aniversário de O Livro dos Espíritos. – (Nota da editora.)

[2] Sugerimos, a propósito, a consulta dos livros anteriores desta série: Chico Xavier Pede Licença, Na Era do Espírito, Astronautas do Além. (N.E.)

[3] Nota da editora – Eis a questão 296 de O Livro dos Espíritos:

Pergunta – As afeições individuais dos espíritos são susceptíveis de alterações?

Resposta – Não, porque eles não podem enganar-se, pois não mais usam a máscara sob a qual se ocultam os hipócritas. É por isso que suas afeições são inalteráveis quando se trata de espíritos puros. O amor que nos une é para eles a fonte de uma suprema felicidade.

[4] Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti foi eminente médico cearense que residiu longos anos no Rio de Janeiro, tendo-se destacado na vida política e intelectual da Corte, onde exerceu elevadas funções públicas. Convertendo-se ao Espiritismo, tornou-se verdadeiro apóstolo da Doutrina. Dedicou-se à assistência social, de tal maneira, que passaram a chamá-lo de Médico dos Pobres. Por suas atividades na divulgação e prática da Doutrina, foi cognominado de Kardec Brasileiro.

Tendo nascido a 29 de agosto de 1831, as instituições espíritas de todo o país costumam prestar-lhe homenagens no correr do referido mês. Na sua bibliografia figura um volume de relevante importância médica, intitulado A loucura Sob Novo Prisma. (N.E.)

[5] A questão 643 se refere à prática do bem na vida diária. Os espíritos afirmam que podemos fazê-lo a todos os instantes e acrescentam: “Fazer o bem não é apenas ser caridoso, mas ser útil na medida do possível, sempre que o auxílio se faça necessário.”

[6] A questão 768 de O Livro dos Espíritos trata da necessidade da vida social para o desenvolvimento das faculdades do homem. Kardec observa: “Nenhum homem dispõe de faculdades completas e é pela união social que eles se completam uns aos outros.” (Nota da editora.)

[7] A questão 738 acima referida trata do problema da guerra, dos flagelos destruidores e da situação do homem diante desses acontecimentos. Os espíritos lembram a natureza espiritual do homem, que é imortal, e por isso mesmo não é afetada por essas destruições materiais. (N.E.)

[8] Na questão 904 de O Livro dos Espíritos Kardec faz várias perguntas sobre a responsabilidade dos que escrevem para o público. Os espíritos respondem comentando a responsabilidade dos autores quando se desviam do dever de esclarecer e orientar, entregando-se a intenções exclusivamente pessoais que em nada beneficiam os leitores.

[9] O item citado trata da evolução dos mundos e refere-se especialmente à Terra, concluindo pela afirmação de que o nosso planeta se encontra “num dos seus períodos de transição, em que passa de mundo expiatório a mundo de regeneração”. As crises que o abalam são apenas sintomas desse lento processo de sua transformação. (N.E.)

[10] O item citado do livro doutrinário trata precisamente dos problemas em causa. Os Espíritos aconselham paciência e resignação na luta contra as adversidades. Um Espírito escreveu: “A vida é difícil, bem o sei. Constitui-se de mil pequenas alfinetadas que acabam por nos ferir”. (N.E.)

[11] Emmanuel viveu em Roma, no tempo de Jesus, tendo sido o senador Publius Lentulus. Teve posteriormente várias encarnações. Numa delas foi o Padre Manuel da Nóbrega e, juntamente com Anchieta, fundou a cidade de São Paulo. A essa encarnação refere-se a mensagem de Cneius Lucius que publicamos.

[12] O autor refere-se ao 420° aniversário da Capital Paulista, a 25 de janeiro de 1974. (N.E.)

[13] Recebida em reunião íntima realizada no dia 1° de fevereiro de 1974, data em que ocorreu o incêndio no Edifício Joelma. (N.E.)

[14] 1º de fevereiro de 1974. (N.E.)

[15] 3 de março de 1974. (N.E.)