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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Cartas de uma morta–Francisco Cândido Xavier

Nota do Blog: Apesar de estar integralmente apresentado. Esse livro ainda não está totalmente formatado nesse blog, para uma leitura mais prazerosa.

CARTAS DE UMA MORTA

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA

As páginas que vão ler são de autoria daquela que foi, na Terra, a minha

mãe muito querida.

Minha genitora chamava-se Maria João de Deus e desencarnou nesta cidade,

em 29 de setembro de 1915. Filha de uma lavadeira humilde, de Santa Luiza do Rio

das Velhas, ela não pode receber uma educação esmerada; mas todos os que a

conheceram, afirmam que os sentimentos do seu coração substituíram a cultura

que lhe faltava.

Quando o seu bondoso espírito se comunicou por meu intermédio, pela

primeira vez, eu lhe pedi que me contasse as impressões iniciais da sua vida no

outro mundo, recebendo a promessa de que o havia de fazer oportunamente; e, há

pouco tempo, ela começou a escrever, por intermédio da minha mediunidade, estas

cartas que vão ler.

Eu contava cinco anos de idade, quando minha mãe desencarnou; mas,

mesmo assim, nunca pude esquecê-la e, ultimamente, graças ao Espiritismo, ouço

a sua voz, comunico-me com ela e ao seu espírito generoso devo os melhores

instantes de consolo espiritual da minha vida.

Aí estão, minha mãe, as tuas páginas. Elas vão ser vendidas em benefício

das órfãzinhas. Deus permita que os pequeninos, que sofrem, recebam um conforto

em teu nome, e que a Misericórdia Divina te auxilie, multiplicando as tuas luzes na

vida espiritual.

Pedro Leopoldo. MG, 25 de junho de 1935.

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

5

NO LIMIAR DA VIDA DE ALÉM TÚMULO

Maria João de Deus

Para mim, meu caro filho, as últimas impressões da existência terrena e os primeiros dias

transcorridos depois da morte foram muito amargos e dolorosos.

Quero crer que a angústia, que naquele momento avassalou a minh’alma, originou-se da profunda

mágoa que me ocasionava a separação do lar e dos afetos familiares, pois, apesar de crer na

imortalidade, sempre enchiam-me de pavor de crer na imortalidade, sempre enchiam-me de pavor os

aparatos da morte; e dentro do catolicismo, que eu professava fervorosamente, atemorizava-me a

perspectiva de uma eterna ausência.

Lutei, enquanto me permitiram as forças físicas, contra a influência aniqüiladora do meu corpo;

mas foi uma luta singular a que sustentei, como sói acontecer aos corações maternos, quando periga a

tranqüilidade dos seus filhos. Unicamente esse amor obrigava-me ao apego à vida, porque os

sofrimentos, que já havia experimentado, desprendiam-me de todo o prazer que ainda pudesse me advir

das coisas terrestres.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

6

ÚLTIMOS INSTANTES DO TORMENTO CORPORAL

Maria João de Deus

Combati com tenacidade a moléstia que enfraquecia o meu organismo, porém chegou o dia que

assinalava o término das minhas possibilidades de resistência. As derradeiras horas me foram de

excruciante martírio e, depois de uma jornada repleta de dores violentas, veio a noite interminável da

agonia. Reparava que o meu tempo no mundo se escoava dificilmente, almejando o seu findar como o

trabalhador sedento e faminto – ávido de repouso.

O meu estado moral caracterizava-se por uma semi-inconsciência porque o tormento corporal

atuava sobre as minhas idéias, que vagavam desordenadas como se fossem violentamente expulsas do

meu cérebro.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

7

A VOZ DE COMANDO DESOBEDECIDA

Maria João de Deus

Desejava orar... Todavia, os pensamentos não conseguiam obedecer-me, dispersos pela confusão

estabelecida em meu mundo interior, em virtude dos padecimentos que me percorriam os centros da

atividade orgânica; e a minha vontade era semelhante a uma voz de comando, totalmente desobedecida

por elementos rebeldes e indisciplinados.

Hoje sei que naqueles angustiosos momentos muitos seres se conservavam, embora intangíveis,

ao meu lado, amparando-me com os seus braços tutelares e compassivos, porém não os distinguia.

Sentia-me sucumbir lentamente... A princípio, gemidos de sofrimento escapavam-se do meu peito

torturado, compreendendo a ineficácia dos esforços que fazia para não morrer; mas tão rude era aquela

suprema tentativa de resistência, que me abandonei, finalmente, àquelas forças poderosas e invencíveis

que me subjugavam.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

8

COMO NUMA ATMOSFERA DE SONHO

Maria João de Deus

Amanhecia... Afigurou-se-me, então, alcançar uma trégua a tantos padecimentos. Parecia prestes

a dormir, mas, sob as mesmas impressões de dor e mal-estar, envolvia-me nas influências do sono,

embora sendo presa de indescritíveis pesadelos. Ouvi tudo quanto se pronunciou ao redor de meu leio e

vi a ansiedade de quantos dele se abeiravam, mas todas essas impressões eu as recebia como se

estivesse mergulhada em mau sonho.

Desejei falar, manifestar vontades e pensamentos; isso, porém. Era impossível. Contemplei

pesarosa a imagem do Crucificado, que me puseram nas mãos enlanguecidas e quis sinceramente pensar

nele, orar com unção, segundo os meus hábitos. Todavia, reconhecendo-me cheia de vida, não obstante

as dores, pairavam os meus sentidos como numa esquisita atmosfera de sonho...

Percebi todos os carinhos que dispensaram ao meu corpo e que me foram igualmente

proporcionados em vida; e ouvi as lamentações de quantos deploravam a minha ausência. Ansiava por

movimentar-me sem que membro algum obedecesse aos meus impulsos, e, outras vezes, fazia inauditos

esforços para despertar-me, fugindo de tão singular pesadelo. Afigurava-se que me cobriam de flores e

sentia a carícia dos braços dos meus filhos, enlaçando-me com amargurada ternura; e dizia-lhes,

mentalmente, entre lágrimas:

- Meus filhos, eu não morri!... Aqui estou e sinto-me realmente mais forte para vos proteger e

amar. Por que chorais aumentando a minha angústia?

Mas tinha a boca hirta e os braços gelados para retribuir aquelas expansões de desvelado carinho!

Apenas possuía a sensação de lágrimas ardentes, que me rolavam sobre as faces descoloridas, como a

estátua viva da amargura e do silêncio.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

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NA VERTIGEM DA RETROSPECÇÃO

Maria João de Deus

O ataúde pareceu-me um novo leito; porém, quando me convenci de que me arrebatavam com

ele, entre os angustiosos lamentos dos que ficavam, uma impressão penosa, atroz, subjugou-me

integralmente. Achei-me, então, sob indefinível sentimento de medo, que me aniquilou a totalidade das

fibras emotivas. Um choque de dor brusca dominou-me a alma e eu perdi a consciência de mim

mesma...

Após algum tempo, cuja duração não posso determinar, paulatinamente afigurou-se-me acordar;

contudo, a princípio, achava-me envolvida no mesmo panorama de sonho. Como se a memória fosse

possuída de um admirável poder retrospectivo, comecei a ver todos os quadros da minha infância e

juventude, relembrando um a um os mínimos fatos da minha existência relativamente breve. Via-os,

esses quadros do pretérito, com naturalidade, sem admiração e sem surpresa...

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

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AH! EU MORRERA

Maria João de Deus

Descerrou-se, finalmente, o derradeiro véu que obumbrava o meu ser pensante... Senti-me sã,

ativa, ágil, como se despertasse naquele instante... Ah! Eu morrera...

E a morte representava um grande bem, porque eu me sentia outra, trazendo as faculdades

integrais, plena de favoráveis disposições para as lutas da vida. Todavia tinha a impressão de estar só, já

que ninguém respondia às minhas argüições, embora percebesse que a minha voz nada perdera de seu

vigor e tonalidade.

Propositalmente procurava fazer-me vista por todos, mas uma impossibilidade perturbadora

correspondia aos meus pensamentos. Refugiei-me, então, nas mais sinceras e fervorosas preces. Foi

quando comecei a divisar vultos sutis e ouvir vozes acariciadoras, das quais fugia amedrontada e

receosa, na ilusão pueril de que me achava com o corpo físico, trânsita de medo e suscetibilidades...

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

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O PRIMEIRO DIA DA ERRATICIDADE

Maria João de Deus

Chegara o dia 2 de Novembro de 1915 e mais de mês já havia transcorrido sobre a data de minha

desencarnação.

Nesse dia, sob o império de grande dissabor, que me advinha daquela incompreensão, dirigi-me

tristemente à Igreja para orar, aproveitando a quietude de sua soledade, Lá penetrando, porém,

compreendi que não me achava só, pois percebia que outras almas, talvez padecendo a mesma dor que

eu experimentava, conservavam-se estáticas ao pé dos altares, onde foram buscar um pouco de consolo

e de esclarecimento.

Todavia, assim que me entreguei aos arrebatamentos da prece, senti uma intraduzível vibração

percorrer todas as fibras do meu ser, como se fosse sofrer um vágado, afigurando-se-me invadida pela

influência do sono; mas durou poucos instantes, semelhante estado.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

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AMARGURA E ALEGRIA, SAUDADE E JÚBILO

Maria João de Deus

Despertei novamente e vi-me ao lado de uma legião de seres, que se achavam genuflexos como

eu. Já outro, porém, era o templo no qual me encontrava. Havia um recinto amplo e majestoso,

construído à base de elementos que não é possível qualificar, por falta de termos equivalentes no

vocabulário humano. Nesse magnificente interior não existia determinado santuário para orações, mas,

sim, obras de arte sublime, destacando-se uma tribuna formada de matéria luminosa, como se fosse

feita de névoa esvaecentes. Ouvia-se, provinda de um coro dulcíssimo de vozes meigas e cristalinas,

uma prece ao Criador, repleta de harmonias e de excelsitudes. E aquele cântico melodioso era mais um

ciclo de asas ou murmúrio de favônios unindo as pétalas das flores.

Aí, mais do que nunca, relembrei dos afetos que me ligavam ao lar; e um incoercível receio

inundou o meu espírito, amedrontado ante a perspectiva de separação eterna, porque, após as

incertezas e as agonias da morte, eu sabia ter sido arrebatada para um local distante, a menos que

estivesse possuída de extremas alucinações.

De onde provinham aquelas cadências harmoniosas de cavatina celeste, que me faziam vibrar de

emotividade até às lágrimas?

Então, toda minh’alma chorava de amargura e alegria; havia em meu coração um misto de

saudade e júbilo inexprimíveis.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

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A IRMANDADE UNIVERSAL DA DIVINA CAUSA

Foi quando se desenhou, na tribuna de neve translúcida, majestosa figura de um parlamentário,

parecendo-me que ali se materializara, por um processo misterioso e em forma humana, o anjo celeste,

no qual se destacavam todas as perfeições.

Irradiava do seu olhar benigno e fulgurante uma onda de indescritível ternura, que transbordava

na sua voz, saturada de suavidade e doçura:

- “Irmãos – começou ele – a nossa prece, o hino dos nossos corações, mistura-se a todas as

harmonias do Infinito, elevando-se para Deus numa corrente de melodia e de aroma. O laço que neste

momento une os nossos espíritos, misto de luzes da contextura estelar, igualmente prende todos os

sistemas planetários do Ilimitado, que se irmanam no amor mais sublime à sua Divina Causa.

Vós, que aqui vos encontrais, vindos das remotas plagas das sombras terrenas! Possuídos de

angústia e de esperança, que se refletem nas lágrimas dos vossos olhos, no íntimo ainda guardais

acerbas recordações da existência no exílio, como os carvões que sobrevivem no coração da Terra

longínqua sob os escombros das florestas incendiadas. Constituís, por isso, a multidão de almas errantes

e sofredoras, perambulando em derredor dos objetos que formaram a paisagem das vossas miragens

enganadoras, porque a única vida real é a vida do espírito de posse da sua liberdade preciosa”.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

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UM PÁLIDO RAIO DE LUZ NA NOITE DO RACIOCÍNIO

“Toda a existência terrena está calcada nos instrumentos que servem para as manifestações

espirituais e, infelizmente, a vossa excessiva dedicação a esses aparelhos viciou o nosso mundo emotivo,

circunscrevendo as suas possibilidades ao ambiente terrestre, onde apenas possuís pálida réstia de luz

na noite de um fraco raciocínio.

Não soubestes, contudo, dentro da pequenez educacional, que vos foi parcamente ministrada,

descerrar o velário angusto que encobre o santuário infinito da vida, acomodando-vos entre as

acanhadas concepções, que vos foram impingidas pelas idéias religiosas e que amesquinham a grandeza

do Criador do Universo, na fase do orbe que vindes de abandonar. Criar um local fantástico de gozo

beatífico ou de sofrimento eterno e inelutável, centralizar a vida em um globo de sombra, é, somente

obra da ignorância desconhecedora da onipotência e sabedoria divinas.

É que a vida não palpita, apenas, no mundo distante, onde abandonastes as vossas derradeiras

ilusões: em toda parte ela pulula triunfante e o veículo das suas manifestações é o que se diversifica na

multiplicidade dos seus planos. Os mundos são a continuidade dos outros mundos e os céus se sucedem

ininterruptamente através dos espaços ilimitados”.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

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NA PÁTRIA COMUM DE TODAS AS ALMAS

“Faz-se mister que dispais da vossa mente a roupagem dos enganos materiais, permitindo que a

espiritualidade interior vibre livremente em toda a intensidade da sua divina potência. Tendes o intelecto

atulhado de lembranças nocivas, as quais precisais alijar para o reencontro da felicidade. Não vos

demoreis em fazê-lo.

O corpo de vossas impressões persiste, desastrosamente, impelindo-vos a vertiginosas quedas

sobre os pauis, de onde regressastes, repletos de saudade e de amargurada tristeza.

Considerai o verdadeiro panorama da vida universal; sistema de mundos venturosos, enchem o

universo de harmonias excelsas; entre as distâncias infindas do éter, descobrem-se terras de

encantamentos e divinas grandezas! Sobre as vossas cabeças elevem-se os cânticos das vias –lácteas

siderais e, sob os vossos pés, ouvem-se os hinos dos sóis resplandecentes.

Ponderai sobre essa imensidade sem princípio e sem fim e reconhecei que o espaço é a pátria

comum de todas as almas. Terminadas as lutas majestosas, que os seres levam a efeito pelo seu

aprimoramento anímico, aqui se reúnem para elaboração de novos projetos grandiosos em novos surtos

de perfeição e de progresso.

Nas existências planetárias, como a que acabais de deixar, as almas lutam e sofrem os grandes

padecimentos remissores; às vezes conhecem de perto a taça das amarguras, mergulhando no oceano

das lágrimas, que salvam e regeneram. Aí nessas arenas augustas do aprendizado e da redenção,

cauterizam-se feridas cancerosas, curam-se úlceras malignas, aprimoram-se sentimentos desviados da

sua pureza, crescem os empreendimentos felizes e conhece-se o grande ensinamento da felicidade,

oriunda da solidariedade salvadora”.

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OS VENTUROSOS

“Venturosos são os que se conduzem através de todas as barreiras e percalços, com o estandarte

luminoso da fé, distribuindo os inesgotáveis bens da sua piedade e do seu amor. Vivem serenos na paz

de suas consciências, entre as ambições corruptoras que os perseguem ao longo dos caminhos e seus

dias representam um inaudito esforço de resistência contra o mal deprimente e oprobrioso.

Padecem continuadamente, e tombando nas batalhas morais, sangrando de dor, mas envolvidos

no halo bendito da esperança e da crença, despertam jubilosos para a existência verdadeira, onde o

egoísmo é uma palavra desconhecida e a confraternização universal é a mais legítima das realidades.

Retemperam as suas forças, trabalhadas pela intensa luta da vida, nos arquipélagos dourados de paz e

de repouso no infinito dos espaços e assim se preparam para outras refregas, para outras iniciativas, na

interminável e abençoada atividade espiritual, a fim de que se dilatem as suas potências em todos os

domínios da sabedoria e do amor!

Irmãos bem amados, alimentemos o anelo da vida perfeita!

Almas fracas e desditosas, cheias de saudades e desenganos, sacudi a poeira das estradas

palmilhadas, abri os vossos corações para a luz como sacrários de ouro sob um plenilúnio divino!

Esquecei temporariamente o teatro de vossos infortúnios, onde muitas vezes fostes traídas e

humilhadas, mas onde também obrivestes o alvará de vossa liberdade preciosa. Elevemos ao Pai a nossa

oração de reconhecimento e de amor da qual se evolem todos os nossos mais puros sentimentos,

transubstanciados em harmonias celestes!...”

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

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NA FALANGE DOS ESPÍRITOS BENIGNOS

Terminada que foi a alocução, pronunciada com a mais sagrada das eloqüências e que, de modo

geral, imperfeitamente reproduzo, com os meus olhos nublados de pranto, ouvi os soluços de muitos dos

circunstantes, que choravam sob o império da mais forte emoção.

Então oramos, acompanhando os inspirados impulsos daquele enviado celeste, que procurava

incutir-nos a fé, a esperança e a resignação, através das suas palavras compassivas e piedosas.

Um luar indescritível, projetando-se na tribuna que lhe guardava ainda a luminosa figura, banhou

as nossas frontes, e pude observar que a atmosfera se impregnava de capitoso perfume. Percebi ainda

que, sobre as naves encantadas do templo, profundamente caíram flores iguais às rosas terrenas, mas

que se desfaziam ao tocar em nossas cabeças como taças fluidas de luminosidade e de aroma.

Ah, como chorei naquele dia! Minh’alma frágil se comovia sob indômita emotividade; mas, desde

aquele instante, incorporei-me à grande falange dos espíritos benignos que mourejavam em suas tarefas

ao lado da Terra, trabalhando pelo bem dos seus semelhantes, beneficiando-se simultaneamente no mais

útil dos aprendizados.

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REENCONTRANDO UMA AFEIÇÃO DO PASSADO

Muitos encarnados, que têm ouvido as diversas explanações quanto à vida dos espíritos nos

planos da erraticidade, fazem uma falsa concepção do vocábulo, imaginando que a existência errática

das entidades se processa por jornadas intermináveis, sem um objetivo definido, sem uma organização

que regule o fenômeno das suas atividades nos espaços.

Essa maneira de encarar a questão não é verdadeira, pois, a vida no Além, decorre em um

ambiente que, pelas suas características fluídicas, escapa à vossa compreensão, já que, dentro do vosso

meio de matéria muito condensada, vos faltam as leis da analogia para que possais estabelecer uma

comparação.

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E A VIDA PROSSEGUE SEMPRE

Na vida do espaço, ainda existe a matéria, porém em condições totalmente diversificadas, numa

sutileza para nós inimaginável e constituindo verdadeira maravilha a sua adaptação à vontade dos

espíritos.

Lá, também, a sociedade se organiza, as suas leis predominam, as famílias s reúnem sob os

imperativos das afinidades naturais, luta-se, estuda-se, no amálgama dos sentimentos que caracterizam

o homem racional.

Em outras modalidades, pois, a vida prossegue e a única diferença é que a alma desencarnada

não se vê tão compelida ao cansaço, em razão dos elementos da matéria rarefeita. Isso quanto às

regiões da erraticidade, porque nos outros orbes, a existência segue o seu curso, de acordo com as suas

modalidades específicas submetendo-se o “EU” a essas forças diversificadas, como, por exemplo, na

Terra nos sujeitamos às suas leis físico-químicas.

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MEUS PULMÕES RESPIRAM E

MEU CORAÇÃO PULSAVA

Em minha condição de alma pouco evolvida iniciei, pois, a vida de após a morte, nesse ambiente

do espaço, que descrevi nas páginas anteriores. Decorrido o tempo inolvidável em que divisara a figura

sublime daquele mentor espiritual, que viera caridosamente balsamizar as minhas feridas e as daqueles

que formavam a grande turba de meus companheiros pela saudade e pelo sofrimento, embora me

sentisse relativamente feliz, pressentia o coração pungido pela angústia da distância, que me separava

do mundo que eu deixara. Os laços afetivos, os hábitos, os pequeninos nadas de minha existência

estavam inteiramente comigo...

Um dos meus primeiros pensamentos de estranheza foi o de compreender que havia morrido e, ao

mesmo tempo, conservar o meu corpo, o qual, segundo o bom senso, fora entregue à Terra. Constatei

que os meus pulmões respiravam e o meu coração pulsava com absoluta normalidade.

Tais pensamentos afligiram-me. Preocupava-me, apenas, o isolamento em que me encontrava

naquele ambiente, para o qual fora arrebatada, sem um preparo prévio. É verdade que me via envolvida

numa onda de simpatia por parte de quantos se abeiravam de mim; todavia, a minha angustiosa

estranheza crescia a ponto de me fazer chorar.

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O GUIA INVISÍVEL

Nesse ínterim, elevei fervorosamente a minha prece a Deus, ouvindo, em resposta, a voz de um

ser que me elucidava:

- “Maria, minha filha, estás ingressando na existência real. Esquece tudo quanto se relaciona com

os teus dias na Terra e busca atenuar a saudade que te calcina, porque as portas do teu lar terreno

fecharam-se com os teus olhos.

Por enquanto não me podes ver, porém, fui aquele que te orientou em meio dos labirintos do

planeta que abandonaste. Eu era a voz que falava à tua consciência nos instantes difíceis e fui o Cirineu

que te amparou nos amargos transes da morte! Acompanhei os teus passos quando te afastaste das

trevas do sepulcro, e a minha mão estava unida à tua quando erravas na obscuridade da incompreensão.

Desde o momento bendito que entendeste em verdade a tua situação, tenho espargido claridades

sobre a tua razão e sobre a tua fé. Fazes bem em te voltares para Deus nas tuas dolorosas conjeturas.

Os pensamentos da criatura, concentrados nele, em seu poder misericordioso, organizam as faculdades

espirituais, convergindo as suas possibilidades para maior potência do raciocínio e do sentimento,

atributos sublimes da existência das almas. O teu corpo, cuja organização te infunde a mais profunda

estranheza, é o envoltório de matéria quinta-essenciada, que constitui o invólucro sutilíssimo do espírito.

Impressiona-te o fato de haverdes abandonado a forma corporal, conservando outra idêntica; é

que não foste bem esclarecida sobre o problema do organismo espiritual, que, tomando as células vivas

no imenso laboratório das forças universais, compila o conjunto de elementos preciosos à tua

tangibilidade no orbe terráqueo. O teu corpo material constituía somente uma veste que se estragou na

voragem do tempo. Considera essa verdade para que te escutes no necessário desapego das coisas

mundanas”.

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OS PAIS DA TERRA NÃO SÃO OS CRIADORES E

SIM OS ZELADORES

- “E meus filhos? – inquiriu mentalmente comovida, entre prantos.

- “Ah! Compreendo – murmurou o meu guia invisível – as tuas hesitações e escrúpulos... Louvo a

afetividade do teu coração amoroso e sensibilíssimo, porém, faz-se mister que tudo encares

sensatamente, aceitando com resignação os ditames da vontade divina.

Aqueles a quem emprestaste o potencial das tuas energias orgânicas e que representavam, como

teus filhos, o grande tesouro de amor do teu coração, são, como somos, as criaturas do Pai de infinita

misericórdia. Os pais da Terra não sã criadores e sim zeladores das almas, que Deus lhes confia no

sagrado instituto da família. Os seus deveres são austeríssimos, enquanto é do alvedrio superior a sua

permanência na fase do globo; mas, aquém das fronteiras da carne, é preciso que considerem os filhos

como irmãos bem-amados.

É necessário, também, que se alheiem às suas lutas e dores, porque o trabalho e o sofrimento são

leis imperantes no planeta, em prol do seu próprio resgate e redenção psíquica. Nem todos sabem

cumprir as obrigações paternais e eu te felicito pelo constante desejo em bem cumpri-las. Se bem

souberes proceder dentro da nossa grande família das almas, ser-te-á permitido velar pela rua pequena

família humana, no minúsculo recanto da terra em que viveste.

Vence, pois, o teu mal-estar interior como tens triunfado das mais rudes provas morais!...

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PERTURBADORAS PERGUNTAS

Escutei enlevada aquela voz dulcíssima, que me embalava com as suas tonalidades maviosas e

enxuguei as lágrimas, sentindo-me mais disposta a afrontar a minha nova situação.

Ao meu lado inúmeras almas se conservavam silenciosas, abatidas, e outras retiravam-se em

companhia de espíritos fraternos. Acudiram-me, então, ao cérebro, esvaído pelo acúmulo de emoções, as

mais perturbadoras perguntas.

Eu estaria ali sozinha, em relação aos seres amigos que me haviam precedido no Além? Não

poderia reconhecer uma das antigas afeições da Terra? Antes do meu regresso às paragens siderais, não

havia voltado à elas quem fora a minha idolatrada mãe?

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MINHA MÃE – A GRANDE CONSOLAÇÃO

Entregue a essas amargas inquirições, vi-me pequenina e senil a sensação das lágrimas maternas

orvalhando as minhas faces. Recordava-me dos menores detalhes do lar, quando experimentei sobre os

ombros o contato de veludosas mãos. Ergui repentinamente o meu olhar e, - oh, maravilha! – vi minha

mãe a contemplar-me com a melhor das expressões de ternura e amor.

Como me senti recompensada, nesse momento inesquecível, de todos os infortúnios que houvera

sofrido! Uma inexpremível sensação de júbilo dominou-me a alma ao recordar os amargores da Terra

longínqua, pois, nesse instante, toda a minha existência estava concentrada naquela afeição,

reencontrada para a ventura imortal.

Eram os meus temores, as minhas esperanças, os meus afetos, a minha longa saudade; enfim

tudo ali estava nos meus prantos de imensa alegria. E aquele ente querido, que na Terra para mim fora o

anjo do amor maternal, também se sentia sob o impe´rio de grande emoção. Compreendi que os nossos

espíritos de há muito se haviam unido na milagrosa teia das vidas sucessivas, e caí-lhe nos braços

amorosos, misturando os soluços de nossos sentimentos.

- “Minha mãe – consegui dizer – poderá haver maior felicidade do que esta?...”

Percebi, a seguir, que era envolvida na onda simpática do seu caricioso olhar, ao mesmo tempo

que lhe ouvi a voz repassada de infinita doçura:

- “Maria, estás fatigada pelas emoções consecutivas... Vem descansar um pouco ao meu lado,

aqui, filha, junto ao meu coração!...”

Ah, minhas pálpebras, então, cerraram-me para o sono brando e tranqüilo e adormeci como um

pássaro minúsculo, que repousasse sob a proteção carinhosa de grandes asas...

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NA VIDA DA ALMA LIVRE

Num ambiente de paz e serenidade transcorreram os meus primeiros dias no Além-Túmulo.

Não obstante a minha tranqüilidade, impressionavam-me, ainda, as sensações corporais, em

razão das profundas raízes de sentimentos que me ligavam ao orbe terráqueo. Bastaria que me

colocasse em contato com as recordações da vida que deixara, para que revivessem, em meu mundo

interior, incidentes que presumia inumados para sempre no olvido, junto às mais acerbas lembranças.

Avivaram-se, então, as próprias dores físicas que eu experimentara nos meus últimos tempos na Terra; e

sentia-me alquebrada pela dor e pelos desgostos.

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NA VIDA DO ALÉM O PENSAMENTO É QUASE TUDO

São essas manifestações de vontade fraca e indecisa que mais torturaram os trespassados, no

início de sua existência extraterrestre.

Na vida livre, o pensamento é quase tudo. Não há nela formas determinadas como no mundo da

matéria; e tudo se subordina aos ditames de uma vontade potente.

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28

DIFICULDADE À CONCENTRAÇÃO MENTAL

Meus parcos conhecimentos a respeito do espírito e de suas possibilidades dificultavam-me a

concentração do poder mental num objetivo definido, o que auxilia sobremaneira os seres recém-libertos

da carne a compreenderem a vida que os rodeia.

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29

A INICIAÇÃO DO ALÉM

Francelina – o espírito boníssimo que me servira de mãe – obtivera permissão para acompanharme

na iniciação da existência espiritual; e foi guiada por sua meiguice que ingressei nas regiões

misteriosas, que a morte nos descerra em outros planos.

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O NINHO ACOLHEDOR DAS ALMAS ERRANTES

Para que possas ter idéia do local em que me encontrava, direi que era igual ao dos majestosos

edifícios daí, divididos em confortáveis apartamentos. Era, como se pode dizer, uma grande casa de

socorros espirituais, um ninho acolhedor de almas errantes e enfraquecidas.

Havia ali solicitude, zelo e amor fraternais. Muita coisa existe que não se parece com os objetos da

Terra; porém, lá vive algo que pode servir de formas intermediárias entre um e outro plano.

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A ELEVAÇÃO PARA A VERDADE

E PARA A PERFEIÇÃO

Num espaçoso recinto, cujo teto era a abóboda estrelejada do infinito, nos reuníamos para orar.

Era aí que, em sagrado recolhimento, ouvíamos, extasiados, as mais sublimes lições dos mestres, os

elevados espíritos que nos visitavam e que, como guias consoladores, orientavam o nosso pensamento

para concepções grandiosas do universo, confortando-nos em nossa fraqueza e ensinando-nos a vida

excelsa da verdade.

Muitas vezes, nos instantes em que nos entregávamos às mais fervorosas orações, víamos descer,

das vastidões etéreas que nos cobriam a cabeça, uma profusão de pétalas de flores, que desapareciam

quando aspirávamos os seus perfumes balsâmicos.

Explicou-me certo espírito evoluído que esse eflúvios aromáticos eram as manifestações do

benefício da prece, que elevávamos aos paramos da perfeição e que, a eles remontando, voltava aos

nossos corações saturados do amor das almas benditas que, por seu saber e suas virtudes, se tornavam

colaboradoras diretas da onipotência divina.

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32

O SÍMBOLO RADIADOR DA ALMA DIVINA

Em outras ocasiões, afigurava-se ouvir músicas estranhas e de ritmos desconhecidos, que nos

embalavam na sua harmoniosa carícia. Às vezes, parecia-me deslocada na sua vibração, acompanhado-a

no seu interminável caminho, vendo então, no céu, um coração dourado e resplandecente de luz, cujas

pulsações enchiam de melodias todo o universo, como um símbolo radioso e sagra

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33

HOSANAS!

Salmos!... Hosanas!...

Hinos de felicidade intraduzível, escutávamos, comovidos, transportados de esperança e de

inenarráveis alegrias.

Muitos dos sábios mentores que nos acompanhavam, aproveitavam-se desses ensejos para

materializarem os seus nobilíssimos pensamentos, transmitindo-nos mensagens que por instantes

ficavam maravilhosamente grafadas na eterizada tela do Infinito e eram generosos apelos ou profundas

exortações, que calavam no mais íntimo dos nossos espíritos.

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34

A MARAVILHOSA APRENDIZAGEM

Foi-me dito, depois, que tais ocasiões propiciavam esses fenômenos singularmente belos,

porquanto se aproveitava a vibração síntese de todos os nossos pensamentos reunidos em prece, como

grande coeficiente de força plasmadora.

Espetáculos indescritíveis, contemplados na vida errática, e as mais proveitosas lições ali eram

colhidas; desse meio é que muitas almas regressam ao mundo terreno, ricas de conhecimentos, para

acender os archotes guiadores da humanidade.

Nesse lugar a educação intelectual e o aprimoramento das possibilidades sensíveis são o principal

escopo de todas as atividades da criatura.

Assim como tendes os vossos livros, que representam o repositório de vossa cultura, há também

uma substância, que retém os grandes pensamentos das almas nobres. Nenhuma lição fica, pois perdida

e todos os espíritos procuram assimilar a essência desses profundos ensinamentos.

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35

A ILUSÓRIA NUTRIÇÃO DOS ESPÍRITOS

Esse ambiente constitui uma grande esfera fluídica, onde todas as nossas impressões tomam

corpo de realidade.

Lá existe, ainda, a nutrição, contudo, o espírito geralmente absorve os elementos, que regeneram

sua vitalidade, no próprio oxigênio que respira, em inimagináveis condições de pureza e nas mais

delicadas composições químicas da atmosfera.

Alguns seres, aí aportando, necessitam, por força dos arraigados hábitos, de alimentos análogos

aos da Terra, o que obtém por algum tempo, mas apenas na aparência de realidade, ilusão esta que é

consentânea com as superficialidades do corpo somático, até que se acostumem com as novas

modalidades de sua existência.

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36

ASSEMBLÉIA DAS ALMAS LIVRES

DAS FUTILIDADES TERRENAS

Altamente instrutivas são as conversações e assembléias dos espíritos. Personalidades eminentes

aí se encontram elaborando projetos grandiosos para as suas atividades porvindouras. Não há lacunas

para as futilidades de que a vida terrena está farta. Tudo ali é a súmula de aspirações edificantes, o que

é, aliás, natural, porque estando indene da fadiga que lhe advém da luta pelo pão diário, pode a alma

entregar-se às mais santificadas expansões.

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37

A PREPARAÇÃO ÀS LUTAS FUTURAS

Influxos abençoados, inspirações salvadoras daí promanam para a humanidade; mensagens

enviadas pelas almas que, sob qualquer bandeira, viveram como condutores diretos ou indireto das

coletividades.

A vida, pois aí decorre como se fosse numa abençoada estação de repouso, onde se descansa de

muitas lides e se aprendem as mais proveitosas lições para o progresso nas lutas futuras.

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38

O LAR TERRENO ENTREVISTO DO

ALÉM

O tempo aqui não se conta pelos cronômetros terrenos, e o fenômeno

do dia e da noite é diversificado, verificando-se em lugar da treva noturna

leve diminuição de intensidades da luz solar, a qual se torna esbatida como

num dos vossos lindos crepúsculos, repletos de colorações e nuances

admiráveis, como se a luz interpenetrasse todas as coisas.

A vegetação é extremamente interessante e bizarra, em comparação

com a da Terra.

Imaginai um craveiro florescendo com suas raízes entrelaçadas na

própria atmosfera do mundo, para fazerdes uma idéia do que estou

descrevendo.

Poucas flores são mais ou menos semelhantes às dos vossos jardins e

a maioria delas vos pareceriam extravagantes à primeira contemplação;

caracterizam-se, porém, por sua indescritível e invulgar delicadeza.

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39

A LUZ E A FLORA DO ALÉM

Alguns espíritos me disseram que as almas sumamente perfeitas e que

já se tornaram em executores dos decretos do Altíssimo, auxiliam os seres

rudimentares do reino mineral e vegetal, ajudando-os na organização de suas

formas, dos seus pensamentos formosos e sábios, que elas saturam de

elementos de astralidade, favorecendo assim o embrião espiritual em suas

manifestações iniciais.

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40

PENSAMENTOS QUE ORIENTAM

A FORMAÇÃO DE CRISTAIS E DE FLORES

Como poderia descrever a serenidade e a paz que se desfruta num

ambiente feliz de erraticidade? Não há vocábulos ou arroubos de imaginação

para fazê-lo com fidelidade.

Foi aí que encontrei afetos acrisolados e reconheci as amizades que

desafiam o tempo e a morte, nesses locais onde existem ainda os reflexos da

vida planetária e onde o espírito adquire novas forças para a luta

interminável no progresso universal.

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41

AFETOS QUE DESAFIAM O TEMPO E A

MORTE

Como poderia descrever a serenidade e a paz que se desfruta num

ambiente feliz de erraticidade? Não há vocábulos ou arroubos de imaginação

para fazê-lo com fidelidade.

Foi aí que encontrei afetos acrisolados e reconheci as amizades que

desafiam o tempo e a morte, nesses locais onde existem ainda os reflexos da

vida planetária e onde o espírito adquire novas forças para a luta

interminável no progresso universal.

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42

A TERRA –

OBSCURO PLANETA DE EXÍLIO E DE

SOMBRA

– VISTA DO ALÉM

Após adaptar-me mais ou menos a essa nova vida, ocorreu-me como

vos poderia rever e solicitei de um instrutor informação a respeito.

- “Sabes em que direção está a Terra?” – perguntou ele com bondade.

Diante da minha natural ignorância, apontou-me com a destra um

ponto obscuro que se perdia na imensidade, recomendando fitá-lo

atentamente. Afigurou-se-me vê-lo crescer dentro de um turbilhão de sirocos

indescritíveis. Parecia-me contemplar a impetuosidade de um furacão a

envolver grande massa compacta de cinzas enegrecidas.

Tomada de inusitado receio, desviei o olhar; porém, o meu solícito

guia, exclamou com brandura:

- “Lá está a Terra com os seus contrastes destruidores; os ventos da

iniqüidade varem-na de pólo a pólo, entre os brados angustiosos dos seres

que se debatem na aflição e no morticínio. O que viste é o efeito das

vibrações antagônicas, emitidas pela humanidade atormentada nas

calamidades da guerra. Lá alimentam-se as almas com a substância

amargosa das dores e sobre a sua superfície a vida é o direito do mais forte.

Triste existência a dessas criaturas que se trucidam mutuamente para viver.

São comuns, ali, as chacinas, a fome, a epidemia, a viuvez, a

orfandade que aqui não conhecemos... Obscuro planeta de exílio e de

sombra! Entretanto, no universo, poucos lugares abrigarão tanto orgulho e

tanto egoísmo! Por tal motivo é que esse mundo necessita de golpes

violentos e rudes.

Busca ver naquelas regiões ensangüentadas o local em que estiveste.

Pensa nos que lá deixaste, cheio de amargurosa saudade! Deus permite e eu

te auxilio”.

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43

O REGRESSO ESPIRITUAL AO LAR

TERRENO

Delineei, então, na mente, tudo quanto se relacionava com a minha

derradeira existência. Primeiramente, vi-me à margem de uma encantadora

paisagem marítima avistando um caminho longo, através do qual fui impelida

a seguir.

Sentia-me na posse das faculdades volitivas, que obtivera com o meu

desprendimento da vida carnal, e, numa fração infinitésima de tempo, estava

ao vosso lado.

Ah! Como vos abracei a todos, emocionada e recolhida! Como achei

pequenino o nosso antigo lar e como me penalizou o quadro das vossas dores

e dificuldades!

Chorei amargamente vendo a miséria do mundo que vos compele ao

sofrimento e a uma batalha sem tréguas!...

Então misturei, com a prece dos encarnados, sofredores e aflitos, a

oração de minha alma amedrontada, rogando ao Pai Celestial que vos

fortificasse na luta redentora, onde, ao lado dos inúmeros prantos e das

alegrias mascaradas, esvoaça o bando das mil tentações que assediam os

espíritos no ambiente obscuro da vida carnal, obrigando-os ao esquecimento

de seus deveres e de suas austeras obrigações morais.

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44

OS DESENCARNADOS NA GUERRA

A grande dificuldade dos desencarnados, para se fazerem

compreendidos no tocante às modalidades da nova existência com todos os

seus pormenores, reside justamente na ausência de termos comparativos:

falta-lhes, em se manifestando nesse sentido, a lei analógica a fim de que se

possa assimilar devidamente o que digam.

Para darmos a idéia do que seja a nossa vida e os detalhes da nossa

habitação, muitas vezes é preciso que recorramos às imagens que a terra nos

oferece, a tudo quanto o homem, em sua situação temporária, tem guardado

na retina.

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45

CONSTRUÇÕES E AMBIENTES DE

TRANSIÇÃO

QUE LEMBRAM OS DA TERRA

Nos planos adjacentes ao mundo, contudo, a vida espiritual transcorre

em ambiente semelhante ao da vida terrena.

Suas construções, à base de uma substância para vós desconhecida,

têm, mais ou menos, as disposições que aí se observam; todavia, nas

menores coisas, há um caráter de transição, obrigando o espírito a elevar

suas aspirações e seus interesses para o Alto.

Nos locais em que me encontrava temporariamente, muitos

departamentos haviam que se preparavam às pressas. Decorações,

ornamentos, objetos, tudo ali se achava e se confundia, dando perfeita idéia

de grandes estabelecimentos hospitalares cuidadosamente organizados.

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46

A CHEGADA. NO ALÉM, DOS

DESENCARNADOS NA GUERRA

Surpreendida, vim a saber que os preparativos se destinavam aos

recém-desencarnados da última guerra; e não foi ainda sem surpresa que vi

chegarem os primeiros ocupantes daqueles alvos leitos, que se perdiam nas

vastas enfermarias, graciosas e confortáveis, não sabendo explicar por que

razão havia necessidade daquele cenário, mundano em demasia, onde nada

faltava, nem mesmo os instrumentos de técnica operatória.

De instante a instante eis que chegava uma leva de macas, conduzidas

por almas solícitas e devotadas.

Se muitos hospitais de sangue são preparados na Terra, nos infaustos

dias de lutas fratricidas, mais ainda são as organizações congêneres nos

planos da erraticidade. Nem todos, porém, que desencarnam, abrigam-se em

semelhantes lugares, havendo situações especiais, privativas àquelas que

elas fizeram jus.

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47

A CARINHOSA RECEPÇÃO

Admirei a delicadeza com que os seres espiritualizados recebiam os

seus irmãos egressos dos combates, onde centenas de vidas jovens foram

ceifadas impiedosamente. Eram, assim recolhidos com a maior bondade,

como se fossem feridos penetrando nos hospitais comuns da Terra.

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48

O DERRADEIRO APELO DA VIDA MATERIAL

Muitos dos que ali ingressavam, manifestavam o seu pavor à morte,

rogando em altos brados que os livrassem de perecer. Solicitavam aos que o

assistiam socorro e auxílio, suplicando que lhes prolongassem a vida em

favor da noiva idolatrada, dos pais carinhosos e queridos, dos seres

inesquecíveis que haviam ficado à mercê do abandono e do infortúnio.

Era para mim, singularmente interessante, ouvir-lhes essas rogativas,

porquanto desconhecia ainda todo o poder somático sobre a inteligência

recém-desencarnada.

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49

A CONVALESCENÇA DOS DESENCARNADOS

Eram todos tratados com inexcedível carinho e as suas amargas

queixas obtinham réplicas afetuosas e animadoras promessas.

Alimentação e tratamento tudo se assemelhava estritamente ao que se

pode verificar na face do orbe, até mesmo certas bagatelas que constituíam

motivos de prazer para alguns, com o uso do tabaco ou de beberagens

preferidas.

Tudo ali era confeccionado por entidades zelosas a fim de que se

preparassem convenientemente para o conhecimento do que ocorria.

Paulatinamente recuperavam suas forças perdidas; e os que se mantinham

num estado, que podemos classificar como o de convalescença, eram

separados dos demais companheiros.

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50

PRIMEIRAS NOÇÕES DO ALÉM

Recebiam, então, a vaga noção da verdade, observando fenômenos

interessantes, operados por sua vontade sobre as matérias circunstantes,

cuja maleabilidade os assombrava.

Esclarecidos mestres, freqüentemente, lhes dirigiam a palavra como

apóstolo da paz, em excursão nos departamentos militares.

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51

“QUE É A VIDA SENÃO AMOR?

Lembro-me de que, certa vez, quando elevado mentor espiritual

exaltava os benefícios da fraternidade, um dos ouvintes interpelou-o:

- “Não se pode pregar a paz em tempo de guerra!

- “Que é a vida, meu filho, senão amor? E poderá haver amor sem

paz? – replicou-lhe docemente o apóstolo. “Foi a maldade dos homens que

engendrou a guerra, dizimadora dos ideais e das existências. As fúrias da

impiedade varrem quase todas as extensões da Terra e os corações se

dilaceram ao sopro frio da adversidade!... Poderia Deus, em sua misericórdia,

sancionar esses crimes nefandos? Para sua infinita bondade não existem

franceses ou alemães: há filhos bem-amados da sua sabedoria e do seu

amor”.

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52

OS MORTOS ANÔNIMOS, O SOLDADO

DESCONHECIDO

Houve, porém, na grande assembléia, que ouvia aquela voz estranha,

um surdo clamor de protesto.

“Serenai o vosso ânimo!” – objetou-lhes calmamente. “Em vão

levantais o vosso clamor de protesto... Ouvi-me. Tendes vos preparado

convenientemente para saber a verdade. Já não podeis integrar as fileiras de

combatentes que fornecem mão forte à nefasta política da incompreensão

das leis divinas. Para a Terra, em cuja face presumis continuar, sois mortos

anônimos, sois o soldado desconhecido. Aprouve à magnanimidade da

Providência que aqui fôsseis acolhidos suavemente, sem abalos prejudiciais.

Vossos corpos estão muito distantes, no regaço da Terra benfazeja,

estraçalhados por forças cegas e assassinas.

Ingressastes em outra vida. Compete-vos, portanto, esquecer os

vossos dias, aniquilados pelo ódio execrando!

Considerai a lei de amor que deve unir todas as almas como laço

eterno e sacrossanto!

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53

GLORIFICAÇÃO DO ESPÍRITO IMORTAL

Então, como se estivesse em ação um misterioso poder, a atmosfera

transmutou-se, afigurando-me ter-se rasgado grande nuvem.

Uma paisagem maravilhosa desenhou-se na imensidade; muitas mães

estendiam seus braços amorosos aos filhos sempre lembrados; muitos seres

caros, chorando de emoção e alegria, vinham ao encontro daqueles corações

tomados de espanto e de receio.

Uma estrada florida desdobrou-se sobre as nossas cabeças e um hino

vibrante se ouviu nas vibrações do éter. Era a glorificação de ventura do

espírito imortal, onde haviam sonoridades indescritíveis.

“Oh, Senhor do Universo, vós, que criaste todas as coisas, concedestelhes

a beleza da imortalidade.

Sede bendito por todos os séculos dos séculos, pela dor que nos

redimiu e nos lavou todas as culpas, pelas lutas onde adquirimos experiência

e denodo moral, pelo vosso amor intraduzível que nos legou todas as

felicidades imorredouras!

Como é grande, Senhor, o júbilo do nosso último dia na Terra, se só

em vós buscávamos amparo e consolação, repouso e fortaleza, carinho e

devoção!”

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54

A SUPREMA HOMENAGEM

Todas as vozes então se reuniram num coro inigualável e, naquele dia,

presenciando o esclarecimento de algumas almas que daquela hora em

diante, se tornaram em ativas colaboradoras da beneficência sideral, assisti

uma das mais comovedoras homenagens prestadas à bondade do Criador.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

55

BELEZAS DE SATURNO A VERTIGINOSA

EXCURSÃO

Um dos planetas, cuja constituição mais me impressionava, quando

raramente me entretinha com essas questões na Terra, era Saturno,

imaginando como seriam pridigiosos os fenômenos da luz em sua superfície,

em virtude de seu anel e numerosos satélites.

Revelando essas preocupações ao espírito benévolo, que prosseguia

dispensando-me carinhosa proteção, concedeu-me o seu valioso auxílio para

que eu pudesse excursionar àquele orbe distante.

Bastou que fixássemos em nossa mente semelhante desejo para que

me visse ao lado de um boníssimo companheiro, envolto em atmosfera

diferente da que me era habitual nas adjacências da Terra.

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56

O SOL AZULADO DE SATURNO

Vi-me então, numa superfície diversificada, onde parecia pisar sobre

um amontoado de massas mais ou menos análogas ao gelo sentindo-me

envolvida numa temperatura singular.

Avistei muito distante, como um novelo de luz, levemente azulada, o

sol; todavia, só pude saber que se tratava desse astro porque me disse o

esclarecido mentor e devotado guia, tal era a diferença que eu constatava. A

luz se espalhava por todas as coisas, mas, o seu calor era menor, dando-me

a impressão de frescura e amenidade, arrancando do cenário majestoso, que

eu presenciava, tonalidades de um rosa pálido e de um azul indefinível.

Vi, depois, várias habitações de estilo gracioso, onde predominavam

grandes colunatas artisticamente dispostas, decoradas com uma substância

para mim desconhecida, que mudava de cor, em lindíssimas nuanças, aos

reflexos da luz solar.

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57

UM MUNDO SEM CLOROFILA

Uma vegetação estranha coalhava o solo branco, às vezes brilhante; a

clorofila, porém, que se conhece no planeta terráqueo, devia estar substituída

por outro elemento, porque todas as folhagens e ramarias eram azuladas;

contudo, os espécimes de flores, que eu tinha sob as vistas, eram de

coloridos variegados, apresentando as mais singulares tonalidades quando

refletiam a luz circunstante. Flores extraordinárias pela sua originalidade e

perfume ornamentavam todo o ambiente.

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58

OS MONSTROS FEIOS E GRACIOSOS

Contemplando o espaço, muito acima de nós, vi grandes massas

multicores, que tomei por variegadas nuvens, e, ao mesmo tempo notei que

seres estranhos evolucionavam nos ares, em gráceis movimentos, apesar de

me parecerem bizarros. Nada tinham de comum com os tipos da humanidade

terrena, afigurando-se-me extraordinariamente feios com a sua organização

animalesca, com suas membranas à guisa de asas, tão estranhas para mim,

as quais lhe facultavam o poder de volitar à vontade.

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59

O DIA DE DEZ HORAS

Ante a minha atitude de assombro, solicitamente o guia explicou:

- Vês, filha, estamos na superfície de Saturno, onde o dia se compõe

de dez horas e as estações duram mais de sete anos consecutivos, segundo a

contagem do tempo no planeta que deixaste. Aqui a situação climatérica é

eminentemente benéfica, em razão do equilíbrio da obliqüidade da eclíptica,

propiciando aos habitantes deste venturoso orbe, elementos de duradoura

saúde.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

60

NOVOS ASPECTOS DA LUZ

O sol, aqui apresenta novos aspectos, porquanto sua luz, em

combinação com os elementos atmosféricos, caracteriza-se por composições

que desconheces; e essa claridade eterna e suave, que te provoca

admiração, é conservada em suas vibrações pelos numerosos satélites que a

refletem, multiplicando os raios luminosos e caloríficos.

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61

MEDIUNIDADE GENERALIZADA

Aqui ainda existe o colégio sacratíssimo da família, que se reúne sob

os imperativos das afinidades naturais.

Chegados a certa idade, os saturninos ouvem os espíritos, seus irmãos

das outras esferas do sistema, existindo entre eles a mais poderosa

mediunidade generalizada. Conhecem todas as combinações fluídicas

requeridas ao seu bem-estar, e a eletricidade e a mecânica não têm para eles

segredos, sabendo utilizar-lhes as forças com plena consciência das usas

possibilidades.

Também estão ao par do que ocorre nos outros mundos e todo

habitante de Saturno pode calcular com precisão matemática, de um

momento para outro, a posição dos satélites dos outros planetas,

respondendo com acerto qualquer argüição nesse sentido. Conhecem a

história e os fenômenos dos globos cometários que lhes são familiares, e

sabem medir a paralaxe das estrelas mais próximas, conservando uma vasta

ciência das coisas do céu.

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62

A CIÊNCIA UNIDA À FÉ

Entre eles, a justiça e a verdade não são um mito e, há muito, a

ciência está reunida à fé. Não amontoam as riquezas, que resplendem no solo

em que pisam, no qual se conservam matérias preciosíssimas, as quais

somente são retiradas para ornamentação de seus lares ou dos templos da

sabedoria, onde se verificam prodigiosas manifestações da onipotência

divina.

A simplificação da existência, por meio das aplicações do seu

extraordinário engenho e de suas nobilíssimas concepções acerca das

finalidades da vida, minorou-lhes as fadigas e os trabalhos, que aqui não

precisam ser tão intensos. Podem-se dedicar com mais devoção ao que

concerne à espiritualidade, conservando-se acima da ciência terrena no

problemas referentes à medicina; as moléstias incuráveis entre eles são

desconhecidas e sagradas instituições recebem os que se avizinham da

transição que denominais morte, na Terra. Para eles a morte não existe,

porque estão cientes de tudo o que ocorre ao espírito liberto.

Não são, contudo, seres perfeitos como talvez presumas; são ainda

falíveis, mas o que te procuro demonstrar é a sua incontestável superioridade

sobre o orbe que abandonaste.

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63

ASSEMBLÉIAS AÉREAS

Vendo grandes nuvens multicores, que esvoaçavam no firmamento,

expressei minha admiração ao companheiro zeloso, que me esclareceu:

- Não são nuvens o que contemplas. São aparelhos gigantescos onde

os saturninos se reúnem para estudos maravilhosos. Em cada um deles se

agrupa uma assembléia de espíritos sedentos de sabedoria. A música, a

poesia e todas as artes lhes merecem especial carinho, porquanto um único

objetivo os irmana num mesmo ideal – a grandeza intelectual.

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64

AS ALMAS SOFREDORAS

Nas paragens da erraticidade nem todos os lugares são estâncias de

repouso, de aprendizagem ou bem-estar. Há regiões obscuras, atopetadas de

amargores, formadas pelas consciências polutas que as povoam.

Confrangente é a situação das almas sofredoras, que a esses

ambientes se destinam, porque viverão com o fruto amargo das sementes

que espalharam nos dias de sua vida temporária.

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65

SATURNO, DOS MARES ROSADOS ...

Nesse instante reparei que o dia se findava no hemisfério em que nos

achávamos, desaparecendo o globo azulado e longínquo do sol nos horizontes

desse mundo prodigioso; seu brilho esmaecia e, quando o reflexo cerúleo se

observava em todas as coisas, um cenário esplendoroso e inenarrável

descerrou-se ao meu olhar atônito. Nas imensidades do éter acendeu-se o

lampadário maravilhoso; afigurava-se que uma auréola de chamas,

lindamente coloridas, coroava esse orbe encantado, em meio às luas

fulgurantes, que me pareciam vitórias-régias, resplandecendo num mar de

suavíssimas claridades.

Locomovemo-nos em determinada direção e qual não foi o meu

espanto ao deparar com grande massa de substância fluídica, um pouco

semelhante à água levemente rosada, elucidando o meu prezado mentor

tratar-se dos mares saturninos, enquanto apreciava as fontes encantadas e

os lagos róseos como se fossem encravados em geleiras alvíssimas.

Observei, então, um quadro indescritível; bem no cume de um monte,

que parecia de neve, certo palácio de colunas preciosas energia de uma

alcatifa de flores.

Resplandeciam os anéis luminosos no firmamento e grande multidão

ali se reunia em atitude de recolhimento e prece.

Vi, então, elevar-se aos céus constelados uma onda de luminosidades

feérica e, da amplidão azul, onde evolucionavam os lindos satélites desse

orbe de sabedoria e ventura, um jorro de sol desceu sobre aqueles seres

silenciosos e recolhidos.

Era a correspondência visível entre dois planos...

Nesse instante, porém, o desvelado mentor me arrancou do êxtase em

que me achava. Saí então, daquela atmosfera densa, mas cheia de

encantamentos e de maravilhas, levando comigo a visão eterna daquele

celeste orbe de harmonia e beleza, que se afigurou, ao meu espírito

acanhado e imperfeito, como prodiosa estância de perfeições do Universo.

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66

O CÍRCULO DOS PADECIMENTOS

Tive ensejo de visitar alguns desses núcleos de prantos incontáveis e

amaríssimos; e neles encontrei alguns de meus antigos conhecidos na Terra.

Quão dolorosos são os dias que ali pesadamente transcorrem!

É, ainda, às impressões arraigadas do corpo físico que se devem esses

agrupamentos, onde pululam padeceres de toda espécie, mas que existem

sob as determinações de uma lei natural, reguladora dos problemas das

compensações.

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67

O PENSAMENTO É TUDO

Um espírito pode beneficiar-se com o que lhe provém do exterior, mas

o seu verdadeiro mundo é aquele criado por seus pensamentos, atos e

aspirações.

O pensamento é tudo.

Todas as construções terrenas, todos os portentos, que aí atestam o

progresso, são obras do ideal. Nações, cidades, leis, são as exteriorizações

dos pensamentos. Também eles são a fonte causal das manifestações do

espírito em outros planos, onde todas as formas, muitíssimo diferenciadas

embora, atestam o ascendente da alma, sua inteligência e seu poder.

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68

A EXPIAÇÃO DO EGOÍSMO, DA AVAREZA

E DA LUXÚRIA

Nos planos da erraticidade existem, pois, lugares especificados, onde

se aliam os seres cujas mentes se afinam pelo mesmo diapasão. Vivem ali os

que se apegaram em excesso às futilidades terrestres, sentindo-lhes

desconsoladamente a ausência; os que colocaram acima de tudo as

preocupações do egoísmo e da avareza; criando com suas idéias fixas todo

um mundo de moedas e de valores fictícios, obsedados pela visão do ouro.

No mundo, aqueles que demasiadamente se entregaram aos gozos

carnais, somente encontrando nisso o único objetivo da existência, vivem

com os reflexos das suas desvairadas paixões, e todos os quadros formados

pelas vibrações dessas mentes inferiores e enfraquecidas caracterizam-se por

suas densas trevas.

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69

GRITOS, BLASFÊMIAS, LÁGRIMAS

Suas exclamações pungiam minh’alma, enchendo-a de sofrimentos

aspérrimos.

- “Oh! Deus de misericórdia infinita, por que humilhais com tanta

dureza o meu espírito culpado? Que me valeram os títulos da Terra, suas

honrarias e distinções? Não já reconheci toda a enormidade dos meus

desvios, Senhor?

Exprobações como estas eram misturadas com gritos e blasfêmias, ao

lado de soluços e de muitas lágrimas.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

70

A REGENERAÇÃO E O TRIUNFO

SÃO POSSÍVEIS PELO AMOR

Inquiri, então, ao meu esclarecido mentor sobre a causa desses

sofrimentos.

- “Estas regiões – disse-me ele – “são as que mais se avizinham da

Terra e justamente sob o que determina o sagrado estatuto da compensação,

porque essas atmosferas pestilentas refletem os sentimentos que lá

predominam.

A inveja, a avareza, a ambição, o sensualismo, campeiam livremente.

Todos os seres, que aqui se amontoam, desvairadamente podem descer até

os lugares onde anteriormente viveram apegados a tudo quanto constitui o

substrato dos seus prazeres.

Não souberam vibrar com os ideais da alma e não quiseram abandonar

as ilusões de seus dias terrenos.

Vivem com a sua própria angústia, acalentando desejos inqualificáveis.

Quanto ao possível perdão de Deus, não se justifica; assim como os

insultos e blasfemos dos homens não o atingem, o Poder criador não se

poderia pessoalizar para conceder beneplácitos.

A lei de Deus é sempre o Amor. Amor é a luz que envolve o universo,

é o éter vivificador, é a afeição dos espíritos dedicados, é a alegria dos bons,é

a luta que aperfeiçoa.

A alma culpada pode, pela súplica, pelos desejos reiterados,

reorganizar o seu mundo interior, equilibrá-lo para a obtenção de maior força

aos novos propósitos de regeneração e aperfeiçoamento, captando assim,

nesse Amor Universal, os elementos do seu triunfo na luta; mas a prece não

afasta do caminho aquilo que ela própria buscou com seus pensamentos e

atos”.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

71

O DESERTO DA EXPIAÇÃO REDENTORA

A convite do meu solícito mentor, procurei colocar-me em relação

direta com aquelas mentalidades que se debatiam nos sofrimentos.

Ah! Vi, então, o deserto em que se experimentam os que viveram, na

Terra, para o seu gozo apenas... Os lagos de sangue em que se asfixiavam os

antigos dominadores, responsáveis pela eclosão da mais horrorosas lutas

fratricidas. As lágrimas pungentes derramadas pelos traidores sensíveis. Ouvi

o gemido de todos quantos haviam prevaricado, fugindo criminosamente ao

cumprimento de seus deveres.

Senti que o pranto minava dos meus olhos e um mal-estar inexplicável

atacou-me; todavia o meu companheiro espiritual arrancou-me dessa penosa

impressão, convidando-me para uma rogativa, que elevamos sentidamente a

todas as forças benéficas do Universo para que assistissem aquelas almas

flageladas nos padecimentos a que tinham feito jus, derramando sobre elas

os eflúvios da paz e da resignação, nas suas provas redentoras.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

72

A SEMENTE DA PAZ E DA ESPERANÇA

Nesse instante em que pedíamos com fervor, vi que um foco de luz

atravessava a pesada atmosfera, banhando aquelas frontes imersas no

martírio. Nenhuma delas percebeu aquele clarão; somemte em alguns notei a

eflorescência de uma estranha ansiedade, que representava ligeiro alívio ao

mesmo tempo...

Escutei, em seguida, o meu guia dizer:

- “Vamos, filha! A nossa prece foi ouvida. Se os sofredores não

conseguiram receber seus benefícios imediatamente, pelo estado de dor e de

endurecimento em que se encontram, basta, para a nossa alegria, que

algumas dessas almas vagamente tenham sentido o sagrado influxo dos

nossos apelos; porque hoje, nesses corações que experimentaram o anseio

da felicidade e da perfeição, plantamos com as nossas rogativas sinceras os

lírios perfumados da paz e da esperança”.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

73

OBSERVAÇÕES DE UMA ALMA

Logo que me habituei à nova vida na erraticidade, um dos espetáculos

mais empolgantes era o de contemplar a Terra à certa distância.

Podem os espíritos locomoverem-se como o faziam na Terra, lenta e

pesadamente, mas não há necessidade de que assim se proceda.

Graças às nossas faculdades volitivas, vencemos as maiores distâncias

com rapidez inimaginável, podendo estacionar em qualquer ponto até a zona

que nos é possível atingir em nossas condições de relativo desenvolvimento

espiritual.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

74

UMA VISITA À TERRA

Eu quis, então, ver o orbe terráqueo, dos lugares onde o ar rarefeita se

perde nas extensões infinita e viventes do éter. Desejava saber se eu poderia

ver o planeta em seus movimentos rotatórios, porém o que senti em tão

grandes alturas foi um imenso torvelinho, como se as atmosferas fossem

agitadas por furações destruidoras.

Muito abaixo vi massas informes e indistintas... Aproximando-me

gradativamente contemplei a Terra que se afigurou não um ponto móvel no

espaço, porém fixo e obscuro. Muito ao longe, ainda vi nessa mancha

escurecida, que se ia avolumando, alguns detalhes como nesgas cinzentas e

outras claras como espelhos gigantescos: eram as grandes cidades e os

oceanos que eu tinha sob as vistas deslumbradas. A ação do sol dava a tudo

isto um tom maravilhoso; todavia, aproximando-me mais, experimentei

indescritível medo. Não vi o movimento de rotação do orbe; o que me

amedrontava é que me parecia aportar em uma grande esfera líquida, cujas

extremidades se perdiam numa substância leitosa, com relação à cor, porque

eu não podia ponderar a sua estrutura íntima.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

75

A LEI DA GRAVITAÇÃO SUBORDINADA À

VONTADE

Mas uma voz salvadora murmurava aos meus ouvidos:

- “Não suponhas que te vais mergulhar nas extensões aquosas dos

oceanos terrestres; o receio é injustificável porque a lei da gravitação agora

está subordinada ao teu íntimo querer. Já não estás sob as leis físicoquimicas

da Terra, cujas medidas e pesos nada mais significam para nós.

Pensa no local aonde mais desejaria retornar, idealiza-o na mente segundo as

tuas lembranças e a vontade te guiará ao lugar de tuas preferências”.

Atentando bem nas advertências do mentor que me seguia,

impulsionada pelo meu desejo, mudei de rumo e, como pensava nos seres

caros, que no mundo havia deixado, repentinamente achei-me entre eles na

nossa antiga habitação.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

76

77

A AURA DA TERRA E A LIGAÇÃO DA

HUMANIDADE

AOS PLANOS INVISÍVEIS

Da volta das regiões atmosféricas do planeta, fui induzida pelo meu

preclaro companheiro a contemplar o que podemos chamar de aura da Terra.

Vi a princípio as camadas de espaço que lhe são imediatas como um todo

homogêneo numa cor uniforme.

Mas o meu guia exclamou:

- “Busca ver como a humanidade se une pelo pensamento aos planos

invisíveis. O teu golpe de vista abrangeu a paisagem, procure agora aos

detalhes”.

Fixando atentamente o quadro, notei que filamentos estranhos, em

posição vertical, se entrelaçavam nas vastidões sem confundirem. Não

haviam dois iguais e as suas cores variavam do escuro ao claro mais

brilhante. Alguns se apagavam, mas outros se acendiam em extraordinária

sucessão e todos eram possuídos de movimento natural, sem uniformidade

em suas particularidades.

- “Esses filamentos” – disse-me com bondade – “são os pensamentos

emitidos pelas personalidades encarnadas; são reflexos cheios de vida,

através dos quais podemos avaliar os cérebros que os transmitiam. Aos

poucos conhecerás quais são os da concupiscência, os da maldade, os da

pureza, os do amor ao próximo.

Esses raros, que aí vês e que se caracterizam pela sua alvura

fulgurante, são os emitidos pela virtude e quando nos colocamos em imediata

relação com uma destas manifestações, que nos chegam dos espíritos da

Terra, o contato direto se verifica entre nós e a individualidade que nos

interessa.”

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

78

A PRECE DA AFLIÇÃO MATERNAL

Aguçada a minha curiosidade, quis entrar em relação com um

pensamento luminoso que me seduzia, abandonando todos os outros, que

nos circundavam, para só fixar a atenção sobre ele. Afigurou-se-me que os

demais desapareciam, enquanto me envolvia nas irradiações simpáticas

daquele traço de luz clara e brilhante.

Ouvi, então, longínqua voz a exclamar:

- “Meu Deus!... Meu Deus!... Atende ao meu coração de mãe

desamparada. Se falta a mim e aos meus filhos a proteção do mundo, não

vos falte a tu providência misericordiosa! Valha-me neste vale de lágrimas a

tua bondade infinita, oh! Pai nosso que estais no céu...”

Ouvindo essa prece comovedora, vi igualmente uma figura de mulher

ajoelhada e banhada em pranto. Num átomo de tempo, por intermédio de

extraordinária interligação de pensamentos, pude saber qual a razão das suas

lágrimas, das suas preocupações e como eram amargos os seus sofrimentos!

Sensibilizada com as manifestações daquela alma exilada, instintivamente

enviei-lhe pensamentos consoladores, pronunciando palavras de fé e de

esperança.

Como havia pressentido, via-a meditar por instante com o olhar cheio

de estranho brilho, levantando-se reconfortada para enfrentar a luta,

sentindo grande alívio.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

79

O BÁLSAMO DO CONFORTO

Ah, como me senti feliz em haver derramado sobre aquela alma

sofredora o bálsamo do conforto! Já sabia como proceder para consolar os

infortunados e os infelizes, que aceitam a sua cruz com abnegação e

devotamento, e se elevam espiritualmente, espalhando nos espaços a luz de

seus corações resignados, a luz que é o distintivo dos redimidos em

contraposição com os orgulhosos, que na Terra somente buscam as suas

coroas, as quais rolam apodrecidas no sepulcro.

Continuei a reconhecer o valor das angústias depuradoras para os que

resgatam na Terra as faltas do passado ou lutam pela evolução psíquica,

reconhecendo que as dores constituem de fato os imperecíveis tesouros do

mundo.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

80

NOS DOMÍNIOS DAS RECORDAÇÕES

Nos planos da erraticidade, onde me encontrava, poucos eram os seres

cuja mente, em toda a intensidade das suas vibrações, já havia desabrochado

o domínio das lembranças relativas às existências passadas.

Nesses tempos imediatos ao post-mortem, repontados de impressões

físicas, as quais persistem em algumas entidades anos a fio, a vida é quase

cópia da existência da personalidade terrena e foi assim que conheci

inúmeros companheiros, que duvidavam dos ensinamentos dos mestres

quando se referiam aos pretéritos longínquos; e alguns deles me

asseveravam não poderem admitir a multiplicidade das existências da alma.

Semelhantes crenças eram o atestado da ignorância de quantos as

abrigavam, pois, como nos planos terrestres, ou nas regiões que vos são

ainda imponderáveis, a natureza não dá saltos.

Naquele ambiente misturavam-se os protestantes, os católicos, os

professos de outras seitas, inclusive espíritos que militam nas hostes do

materialismo mais avançado na superfície da Terra, e se aquelas falanges de

almas não eram más, também não eram perfeitas. Não discutiam

acaloradamente, mas cada uma preferia guardar os seus pontos de vista em

matéria religiosa, acariciados durante a vida inteira pela mais estranha

devoção.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

81

A REVELAÇÃO DECISIVA PARA OS

RELIGIOSOS E OS ATEUS

É verdade que nós, os católicos, não encontrávamos o purgatório e os

seus instrumentos de suplício depurados, nem o inferno de anjos e virgens.

Os protestantes de certas escolas reconheceram-se despertos, sem o sono

em que se diz estarem mergulhados os mortos, à espera do juízo final.

Nós, os religiosos, não acharemos o que nos prometiam as nossas

Igrejas, como os ateus não encontrarão o nada em que acreditaram. A

posição de todos, porém, nesse assunto, era de expectativa, segundo

presumi, e cada qual se escorava nas suas interpretações pessoais, à espera

de que os acontecimentos corroborassem às suas desconfianças.

A ignorância, de que dávamos testemunho com as nossas dúvidas em

fase daquilo que os pregoeiros da verdade nos vinham ensinar, era oriunda

de nossa persistência no atraso espiritual, infensos a toda idéia nova e

arraigados em benefício do nosso progresso. Essa resistência obstava a

necessária amplitude de estado vibratório do nosso espírito para que nele

desabrochassem as recordações adormecidas. É assim que justifico a

ignorância havida com respeito ao passado.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

82

A NECESSIDADE DE DIFUSÃO DAS

VERDADES ESPIRITUAIS

Através destas palavras reconhecereis como se faz precisa a difusão

das verdades espiritualistas no mundo; só elas servem de base a todos os

edifícios religiosos, escoimando a mente de fardos perigosos.

Habituada a acatar incondicionalmente os ensinamentos da Igreja,

mantinha também as minhas vacilações quanto à crença nas existências

passadas. Por que não me lembrava delas, já que não possuía mais o corpo

terreno? Já que a morte me havia arrebatado dos planos materiais, era

natural que não tivesse justificativa aquele esquecimento.

Entretanto, todos os mentores espirituais, que nos dirigiam, discorriam

sobre o nosso pretérito longínquo... Falavam dos compromissos a resgatar,

das dívidas penosas, das lutas necessárias ao nosso desenvolvimento.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

83

A EXPLICAÇÃO DO MESTRE

Intrigada com esses problemas procurei, como sempre fiz, apelar para

as almas beneméritas que nos guiavam em nossa ignorância. Um desses

mestres explicou-me.

- “A descrença e a hesitação de que vos achais possuída é, ainda,

questão das idéias reflexas, das quais só o tempo, aliado ao bom desejo, vos

poderá despojar. A vossa mente é quase a mesma que no mundo vos

caracterizava. É preciso meditar muito sobre esta condição, porque as

impressões que trouxestes podem perdurar por longo tempo, caso não

desejeis com sinceridade evitar essa ignorância e cegueira espirituais”.

Solicitei a sua assistência e auxílio ao que ele prometeu coadjuvar no

mesmo instante, a fim de me certificar quanto à realidade das existências

transcorridas.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

84

VISÕES COMOVEDORAS DO PASSADO

Pediu que me conservasse mentalmente numa atitude passiva e, com

as mãos sobre a minha fronte, colocou-se na posição de magnetizador. A

princípio senti a sensação de abalo, mas sem o mais leve traço de sono ou de

inconsciência, experimentando antes um extraordinário aumento de lucidez e

observando maior agudeza de percepções.

Comecei, então, a ver, não exteriormente, mas em meu íntimo, uma

série de coisas e de acontecimentos a que me sentia indissoluvelmente ligada

sem o saber. Vi seres aos quais me pressentia jungido por inquebrantáveis

algemas e lhes ouvi a voz terrível ou acariciadora... Eu ia compreendendo

todos esses fatos que se sucediam uns aos outros.

Ah! Se vi algo nesses panoramas retrospectivos que me trouxe gratos

prazeres ao coração, também enxerguei as misérias de minh’alma

necessitada de esclarecimento e redenção e, - se não é possível relatar todas

as visões daqueles minutos em que me coloquei sob o império da excitação

vibratória provocada pela bondade do meu guia com os seus poderosos

fluídos, - posso dizer-vos de uma cena tocante, eternamente gravada em

meu espírito.

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85

HISTÓRIA DE UMA REENCARNAÇÃO

Experimentei nessas sensações de volta ao passado o vácuo de meu

coração envenenado pela atração dos gozos mundanos, antes de retornar ao

orbe para minha derradeira encarnação; vi-me como um ser errante, sem

destino, crucificado pelo isolamento e pela condenação da consciência poluta.

Perambulando, mas retida no mesmo lugar como se fora chumbada ao solo,

encontrei alguém que reconheci ser um espírito querido à minha existência.

Aproximei-me, então, depois de longa ausência, daquela que me serviu de

mãe, a quem conhecestes. Como me sensibilizou vê-la naquela situação de

humildade, lutando com mil asperezas num destino de pobreza ingrata!

Acerquei-me daquela jovem de faces maceradas nos trabalhos e

lembrei as alegrias mentirosas de que fomos partícipes no passado. Tive

ímpetos de incitá-la a abandonar as tristezas da sua vida material, mas uma

voz imperiosa ordenou que eu me prostasse de joelhos.

Contemplei genuflexa o seu semblante cheio de serena grandeza no

infortúnio e chorei, chorei, muito, exclamando:

- “Oh! Tu que já sorveste comigo, na taça das efêmeras felicidades da

Terra, o mesmo vinho de envenenado sabor, e que hoje resgatas na túnica

dos pobres e dos humilhados as dívidas de outrora, ajuda-me em meus bons

desejos!... Eu quero também esconder nos trapos da plebe anônima e

sofredora as úlceras da minha enorme desdita. Lavarei com lágrimas as

nódoas da minha consciência. Seja eu sangue do teu sangue, carne da tua

carne! Dá-me das tuas vestes e das tuas preocupações, dá-me dessas dores

que hoje te crucificam e desses desgostos que desfazem os teus enganos e

ilusões, porque só eles, só esses sofrimentos salvadores, balsamizarão as

minhas feridas, devolvendo-me a paz consoladora.

Recebe-me, oh espírito bem amado, afaga-me em teu carinhoso

regaço para eu adormecer esquecendo!... Eu tenho necessidade de olvido

numa luta nova!...”

Nessas rogativas sinceras, vi que o rosto daquela mulher se cobria de

lágrimas; pensamentos tristes e amargosos envolviam-na. É que os meus

apelos repercutiram no seu coração.

Chorando, chorando, senti-me exausta de forças, sem poder erguerme

da prostação; vibrações de uma brisa misteriosa varriam, entretanto, do

meu cérebro esgotado, as mágoas e as preocupações.

Eu perdia a consciência de mim mesma... É que dava o primeiro passo

para o meu renascimento na Terra e, segundo os meus desejos, aquela

mulher me recebia em seu seio para, igual a ela, sorver o fel da provação

redentora e, imitando-a, fui também mãe para sofrer e me redimir.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

86

A HISTÓRIA VIVA DAS COISAS

Depois de nos adaptarmos à vida livre dos espaços, quando o ser não

se encontra de baixo de paixões absorventes e a sua consciência se despovoa

das lembranças penosas, compreende-se quão sublimes são os atributos das

almas, ornamentos luminosos do incomparável dom divino da inteligência.

Uma das faculdades, acerca da qual ouvia maravilhosas dissertações,

era a que fornecia ao espírito o poder de penetrar o passado longínquo, não

para se examinar individualmente, mas para o estudo de épocas, de

costumes, de civilizações, de raças, lendo a história viva da evolução

humana. Eu ainda não me aventurara nesse terreno para o qual me julgava

balda de forças; todavia, alguns estudiosos sentiam com tamanha

intensidade a sede de auscultar o pretérito da humanidade, que solicitavam o

auxílio de mestres aptos a coadjuvá-los para isso.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

87

PARA DESPERTAR A CONSCIÊNCIA

ESPIRITUAL

Organizavam-se, então, reuniões no ambiente em que me encontrava,

onde vários mentores espirituais operavam, como se fossem êmulos de

Mesmer, em experiências magnéticas. Espíritos desejosos de relação com o

passado entregavam-se passivamente como os sujets nesses estudos, com a

diferença de que não perdiam a consciência do seu “eu”, conservando-se

atentos a todo o ensinamento.

Esses estudos não eram, pois, completamente análogos aos vossos;

representavam somente o esforço de uns para que se despertasse com mais

rapidez a consciência espiritual, em toda a grandeza do seu poder vibratório.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

88

INVESTIGAÇÕES ESPIRITUAIS

Sabendo contudo que, com a ajuda do recolhimento em preces

constantes, cada um de per si, paulatinamente, poderia fazer as suas

investigações, esperei pacientemente a minha vez. A princípio, quando me

entregava a esses exercícios, parecia-me adquirir um segundo estado mental

em que os meus pensamentos eram coisas movimentadas, ativas e

palpáveis. Nada havia neles de abstrato ou de imaginário, caracterizando-se

todos os elementos por traços especiais.

Até hoje não sei se os quadros por mim lobrigados eram um

retrospecto de minh’alma às suas próprias existências passadas ou se fui

observadora de paisagens, fotografadas para sempre nos raios da luz que nos

circundavam em toda a parte.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

89

OS ERROS DA HISTÓRIA

Vi, primeiramente, os quadros atinentes ao passado local da cidade em

que nascera, os quais são em demasia sem relevo para que a eles me refira.

A minha visão, porém, foi ampliando-se estendendo-se no espaço e no

tempo com relação à existência da pátria. Contemplei, emocionada, em razão

do fenômeno que se operava, os seus grandes acontecimentos históricos

como revoluções intestinais, lutas com o estrangeiro, fatos políticos e sociais.

Vi o desenrolar de muitas cenas, donde se irradiam efeitos benéficos

ou nefastos para todo o país, porém a tudo assistia admirada de não ver as

solenidades e pompas de que se faz a história acompanhar nos seus erros

descritivos.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

90

FAMINTOS DE LUZ E DE PAZ

Em quase nenhuma das personalidades que se me deparavam aos

olhos, via a auréola de glória que a posteridade lhes havia dado; ao contrário,

pude constatar que inúmeros daqueles, que são venerados pelos homens

com o incenso de um falso patriotismo, não passavam de míseras almas

fracassadas em seus bons propósitos, conservando-se, além dos véus físicos,

famintas de luz e de paz.

O que mais me comoveu, nos quadros animados, que eu via da

existência coletiva da nacionalidade, foram os rasgos de heroísmo, os

romances de miséria e dor, as páginas sangrentas da escravidão do Brasil. Vi

seres crucificados em suplícios dantescos, perseguidos por dores lancinantes,

infligidas por senhores desalmados e cruéis; mas pude saber também que

naquelas vestes de infortúnio e padecimentos se ocultavam antigos

dominadores e verdugos da humanidade em eras de antanho, os quais

resgatavam penosamente as dívidas de outrora.

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91

OS DÉSPOTAS À PROCURA DA

REDENÇÃO MORAL

Poderosos e déspotas romanos, inquisidores da igreja, algozes das

coletividades, inúmeros tiranos de todas as épocas buscaram a purificação

pelos trabalhos do cativeiro, dominando climas bravos, devassando florestas

inóspitas e afrontando vexames na procura de sua redenção moral.

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92

MOMENTOS INICIAIS DA COLONIZAÇÃO

DO BRASIL

Minha visão estendia-se mais e mais e vi o solo brasileiro habitado

pelos aborígenes, admirando as suas bizarras manifestações de crença, sua

maneira especialíssima de viver, vi a chegada dos primeiros colonizadores e a

luta que se travou entre eles e os naturais. Auscultando os pretéritos

longínquos, tenho pessoalmente razões para acreditar que o continente

americano nada tinha de novo e que foi das suas grandiosas extensões que

saíram, aos magotes, os emigrantes para a criação dos surtos civilizadores de

outras terras.

Era para mim, portanto, um mundo novo de sensações, poder regredir

ao passado, sentir a ansiedade dos agrupamentos coletivos e vibrar com a

sua vida intensa.

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93

A FERVOROSA INVOCAÇÃO A HORUS

Certa ocasião eu quis experimentar se não poderia ver algo fora dos

assuntos relacionados com o recanto do mundo em que vivera e tomei para

isto, um antigo documento guardado por egiptólogos com atenção e carinho.

Tratava-se de um papiro, que trazia uma inscrição hieroglífica, da qual

não pude saber de relance a expressão textual; todavia, revirando-o nas

mãos, senti alguma coisa de extraordinário. Entrei em relação com o estado

vibratório do seu antigo possuidor quando ali grafara o complicado texto e

soube logo que se tratava de uma fervorosa invocação a Horus, formulada

por um sacerdote tebano, em momento de angustiosa expectativa. O que

senti, então, foi algo comparável ao que experimentam todos quantos

possuem o dom da psicometria.

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94

NO ANTIGO EGITO

Relacionei-me com a existência do sacerdote em apreço e senti as

suas impressões no instante em que formulara a sua rogativa... Vi ao meu

lado a grande pirâmide e não muito longe divisei o vulto da esfinge

gigantesca no deserto de areia, porém não trazia em si o vestígio do tempo e

das tempestades. Sobressaía do seu aspecto imponente, grandioso, o

esplendor das eras faraônicas... Lobriguei no corpo majestoso da pirâmide

uma porta lateral, onde penetrei acompanhando aquele sábio egípcio em

suas meditações profundas; atravessei corredores sinuosos e câmaras

escuras, repletas de ar sombrio, como se fossem povoadas de espectros

ameaçadores.

Chegada a certa altura, desci por caminhos tenebrosos, onde haviam

os maiores perigos para uma alma encarnada; símbolos terríveis se

apresentavam àquele iniciado e admirei a coragem desse homem de nervos

férreos, que não temia a sombra, a ameaça e a morte.

Através de peripécias inenarráveis, chegamos a um templo

subterrâneo de regulares proporções, entre cujas paredes se abrigavam

muitos homens silenciosos, bizarramente trajados. Eu vi, porém junto deles

muitos seres espirituais; e dentre os presentes destacava-se a figura

majestosa e complacente de um velho que, certamente, era o supremo

hierofante ou grande sacerdote da comunidade. Vi-o estender os braços

horizontalmente, pronunciando palavras num idioma para mim ininteligível

mas das quais pude alcançar a essência, penetrando-lhe o pensamento.

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95

A VIDA, ETERNO FENÔMENO DOS JOGOS

VIBRATÓRIOS

Assisti a cerimônias extravagantes e esquisitas, regressando, depois

de terminadas, pelos mesmos caminhos a que me referi. Aquele iniciado, ao

grafar as idéias no papiro, experimentava a lembrança dos seus venerandos

mestres. As vibrações da sua mente haviam impregnado aquele objeto e a

sua prece estava ali patente e imortal.

Concluída a minha experiência, ouvi a voz do meu guia a exclamar:

- “Considera, minha filha, como todas as coisas têm a sua história!... A

vida é o eterno fenômeno dos jogos vibratórios e tempo virá em que as almas

na Terra compreenderão o papel do espírito na sua esfera infinita de

influenciação. Nessa era nova, os homens verão mais além e hão de

construir, com os seus conhecimentos, a felicidade eterna.

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96

JESUS É O CAMINHO, A VERDADE E A

VIDA

Pareceu-me que eu havia concluído um curso de preparação na vida

errática, porque, naquele dia, fui levada por amorosos e devotados guias a

um local maravilhoso pela sua amplitude e beleza.

Tratava-se de uma esfera fluídica, comparando-se as matérias

delicadas de sua constituição com os elementos grosseiros, característicos da

Terra. Uma vasta superfície, como um campo divino, tínhamos sob os nossos

olhos; a claridade, que se espalhava, iluminando-o, era abundante, mas não

ofuscava, de forma que, sobre as nossas frontes, víamos o zimbório celeste,

recamado de estrelas tremeluzindo... Mais me impressionavam porém as

flores estranhas, de bizarros contornos, que espargiam no ambiente um

capitoso aroma...

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97

O LÚCIDO MENSAGEIRO DO SENHOR

Parecia que nos achávamos num templo maravilhoso do infinito, sem

limites nos portentos de sua grandeza. Elementos de vida penetravam

profundamente em nosso ser, enchendo-nos de uma deliciosa sensação de

bem-estar agradabilíssimo.

Verdadeira multidão de almas ali se conservava, quando, numa

graciosa elevação da substância que constituía a superfície desse orbe, como

se fora um cômoro de névoas opalinas, materializou-se um dos mais lúcidos

mensageiros do Senhor, que já me foi dado ouvir na existência do Além-

Túmulo.

Uma túnica delicada e leve, à maneira romana, caía-lhe dos ombros,

mas o que sobremaneira nos encantava era o extraordinário poder atrativo

que se irradiava de toda a sua personalidade.

As suas palavras derramavam-se nas nossas almas, como bálsamos

deliciosos, tal a profundeza do seu ensinamento aliada à mais encantadora

magia.

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98

PELA OBRA GRANDIOSA DA

RESTAURAÇÃO DAS CRENÇAS PURAS

Não me é possível reproduzir com fidelidade absoluta tudo quanto

escapou dos seus lábios, apenas, nas minhas expressões grosseiras, posso

sintetizar a moral da sua inesquecível preleção:

“Irmãos, - iniciou ele, - em vossas experiências nos planos da

erraticidade, compreendestes como são fugazes as ilusões do mundo físico!...

Felizmente já vos despojastes do corpo de impressões materiais, que

conserváveis dentro das lembranças nocivas daquilo que, em sua maior

parte, constituía o lado prejudicial da vossa existência passada. Repousastes

no fim de labutas insanas e penosos trabalhos, reconstituindo o vosso

organismo espiritual, combalido nas lutas.

Agora faz-se preciso que vos reergais para as tarefas dignificadoras!

Na face longínqua da Terra estão ainda, sonhando e padecendo aqueles que

amastes; na superfície desse orbe distante, lutam os homens, obsecados pelo

orgulho e pela impenitência. Lá, todo um campo ilimitado de trabalhos se

desdobra às vossas vistas. Guerras destruidoras, sentimentos aviltantes,

corações aflitos, coletividades sofredoras, trabalhadas pelas mais duras

privações, leis absurdas, ignorância, martírio, insânias, tudo se confunde,

esperando a luz espiritual.

Os homens têm lutado por muitos séculos procurando a verdade, onde

ela não se pode encontrar. Um dia lhes foi dado contemplar a face luminosa

do Divino Plenipotenciário. Houve regeneração parcial dos abusos que se

perpetravam e observou-se grande argumento da civilização. As criaturas

humanas, porém, esqueceram muito depressa o Sublime Enviado. Os abusos

de toda espécie reapareceram; a verdade foi obscurecida e o erro se

restabeleceu no mundo.

Os homens, no seu afã de saber, criaram então as filosofias e as

ciências, as quais, contudo, não podem ir além da matéria, em sua expressão

mais grosseira. No orbe terreno, pois, verifica-se atualmente o eclipse das

luzes espirituais.

Cabe-nos operar o movimento grandioso de restauração das crenças

puras. Voltemo-nos para o solo ingrato daquele mundo de experiências e

provas, onde o pão, que nutre o corpo, se mistura com os prantos amargosos

das almas.

Trabalhemos! Levantemos as criaturas humanas da sua inércia moral.

Verifiquemos a nossa ação sob as vistas amoráveis daquele que é o Caminho,

a Verdade e a Vida...”.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

99

A MISSÃO CONSOLADORA DOS

ESPÍRITOS NA TERRA

Mas, nesse momento, houve naquela maravilhosa preleção, estranho

staccato. Um relâmpago indescritível, esplêndido na sua beleza e silêncio

iluminou as profundezas do ilimitado. Eu não saberia contar o que se passou

então; um sentimento intraduzível de êxtase e veneração se apoderou de

nossas almas fazendo-nos curvar, cheios de compunção e de lágrimas.

Todos os espíritos, que ali se confraternizavam, sentiram como eu,

nessa hora, uma energia nova e, sem saber relatar o que se passara,

adquirimos uma força que não possuíamos, uma estranha iluminação,

fazendo-nos volver à superfície da Terra, para a qual trazemos a missão

consoladora.

Desde esse instante integramos às fileiras dos que pugnam pelo

aparecimento de uma nova era para a humanidade e, laborando ao lado de

todos quantos se experimentam sob o aguilhão da carne, esclarecendo-os e

confortando-os, de forma indireta, sem que sintam de maneira tangível a

influência de nossa ação, nós queremos dizer a todos os homens como nos

foi dito, naquele inenarrável momento:

- Sigamos a Jesus!... Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida!...

E que o Celeste Enviado, na sua infinita misericórdia, faça cair em

todos os corações a luz maravilhosa do divino relâmpago do seu amor.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

100

UM ADEUS

Meu filho, aí estão, nas minhas cartas despretensiosas, as primeiras

impressões do meu espírito na vida do Além-Túmulo.

Por mais que me esforçasse, não pude ser fiel nas minhas descrições

referentes ao aspecto que formam os ambientes dos desencarnados.

Objetos e panoramas, que não se coadunam com as coisas conhecidas

na Terra, é natural que permaneçam alheios à compreensão do homem e daí

surge a dificuldade para que a alma liberta se manifeste com o objetivo de

esclarecer as criaturas terrenas quanto à vida extracarnal.

Minhas páginas refletem justamente o panorama dos planos da

erraticidade no desenrolar da última catástrofe mundial, que enlutou milhares

de corações, quando se verificou o meu afastamento da vida material. Elas

podem, aos olhos dos incrédulos, estar repletas de afirmações audaciosas e

pouco acessíveis ao entendimento. Mas a morte é soberana e um dia os

crentes e os descrentes atravessarão os caminhos da vida errática e hão de

se certificar no sentido das coisas espirituais.

Ao fim dessa série de minhas elucubrações, dou graças a Jesus por

havê-las conseguido e ao caridoso Guia, que me auxiliou na exposição das

idéias, ajudando-me nas deficiências da minha incultura.

Nos momentos em que me aproximava de ti para escrever, sentia-lhe

a salutar influência, ditando-me trechos inteiros para que eu os transmitisse

com a fidelidade possível.

Vezes inúmeras corrigia a pobreza das minhas faculdades de

expressão e a ele devo o que pude grafar por teu intermédio.

Possivelmente, meu filho, mais tarde prosseguirei escrevendo algo de

novo; contudo, enquanto se cale a minha voz, continua desempenhando a

tarefa que se foi confiada, fazendo jus ao salário do bom trabalhador.

Nós sabemos o quanto tens sofrido no cumprimento dos teus deveres

mediúnicos.

Sacrifícios, dificuldades e provações, inclusive os espinhos aguçados,

que polvilham as tuas estradas, tudo isso representa o meio de redenção que

a magnanimidade do Senhor nos oferece na Terra, para o nosso resgate

espiritual.

Suporta pois corajosamente, com serenidade cristã, os revezes da tua

existência.

Exerce o teu ministério, confiando na Providência Divina.

Seja a tua mediunidade como harpa melodiosa; porém, no dia em que

receberes os favores do mundo como se estivesses vendendo os seus

acordes, ela se enferrujará para sempre. O dinheiro e o interesse seriam

azinhavres nas suas cordas.

Sê pobre, pensando n’Aquele que não tinha uma pedra onde repousar

a cabeça dolorida e, quanto à vaidade, não guardes a sua peçonha no

coração. Na sua taça envenenada muitos têm perdido a existência feliz no

plano espiritual como se estivessem embriagados com um vinho sinistro.

Não encares a tua mediunidade como um dom.

O dom é uma dádiva e ainda não mereces favores do Altíssimo dentro

da tua imperfeição.

Refleti que, se a Verdade tem exigido muito de ti, é que o teu débito é

enorme diante da Lei Divina.

101

Considera tudo isso e não te desvies da humildade.

Nos tormentos transitórios da tua tarefa, lembra-te que és assistido

pelo carinho dos teus Guias intangíveis.

Nas noites silenciosas e tristes, quando elevas ao Ilimitado a tua

oração, nós, estamos velando por ti e suplicamos a Deus que te conceda

fortaleza e resignação.

A vida terrena é amarga, mas é passageira.

Adeus, meu filho!... Dentro de todas as hesitações e incertezas do teu

viver, recorda-te que tens neste outro mundo, para onde voltarás, uma irmã

devotada que se esforça para ter junto dos filhos, que deixou na Terra, o

mesmo coração, extravasante de sacrifício e amor.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

102

NO PLANO DOS DESENCARNADOS

Ainda há pouco tempo, meu filho, manifestaste o desejo de que eu te

descrevesse o local onde agora me acho no plano espiritual. É bastante difícil

uma descrição literal, com respeito ao meu novo ambiente, mas vou tentar

fazê-lo, apesar das deficiências naturais que se me apresentam.

A terra é o centro, isto é, a sede de grande número de esferas

espirituais que a rodeiam de maneira concêntrica. Não posso precisar

número dessa esferas, porque elas se alongam até um limite que a minha

compreensão, por enquanto, não pode alcançar.

Quanto mais evoluído o ser, mais elevada será a sua habitação, até

alcançar o ponto em que essas esferas se interpenetram com as de outros

mundos mais perfeitos, seguindo os espíritos nessa escala ascendente do

progresso, sob todos os seus aspectos. Somente agora consegui passar à

segunda esfera, depois de penosos labores em favor do burilamento de

minha personalidade. Procurarei resumir o mais possível para oferecer-te

uma idéia do meu habitar.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

103

UMA TERRA APERFEIÇOADA

Aqui, filho, sinto-me surpreendida, porque vejo uma espécie de

continuação do planeta que deixamos. Imagina a Terra, cheia de suas belezas

naturais, porém, moralmente mais aperfeiçoada e terás a imagem dessa

segunda esfera que me serve de habitação.

Temos casa, pássaros, animais, reuniões, institutos como os das

famílias terrenas, onde se agrupam os espíritos através das mais santas

afinidades.

A arte aqui é mais linda e mais perfeita e, como o culto a Deus, faz

parte integrante de todas as coisas de nossa nova vida, há muita alegria

entre nós. Eu, por exemplo, sinto-me rodeada de companheiros muito

bondosos, com quem me entrego às tarefas que me são afetas.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

104

COMO NUM GRANDE DISTRITO

O local onde nos encontramos é como se fora grande distrito terreno,

sob a orientação de um chefe. Ainda outro dia, desejavas saber as coisas

mais pormenorizadamente e eu busco satisfazer-te a curiosidade.

Nosso governador chama-se Aulus, se é que posso transmitir-te o

nome em linguagem equivalente ao dicionário terreno. É um elevado espírito,

cujo progresso e superioridade estamos distantes de alcançar. Foi um dos

mártires anônimos do cristianismo nascente e, desde épocas remotas,

semelhante entidade vem acendrando a sua evolução que segue em altos

vôos para o regaço do amor de Deus. Chamamo-lo Príncipe, se é que

podemos dizer-te tudo, de modo que possas compreender.

E, quanto a nó, que o obedecemos alegremente, integrados no

conhecimento da hierarquia que aqui é alguma coisa bem mais sagrada que a

que se conhece na Terra, não estamos inativos. Toda a atividade do distrito

espiritual sob a administração de Aulus se compõe de núcleos destinados a

socorros e auxílios a quantos se debatem entre as incertezas e as lágrimas da

Terra.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

105

AS ORAÇÕES DOS HOMENS

Nossa especialidade é examinar as preces dos seres terrenos, acudindo

às casas de oração ou a qualquer lugar onde há um espírito que pede e que

sofre. As rogativas de cada um, então, são anotadas e examinadas por nós,

procurando estabelecer a natureza da prece, os seus méritos e deméritos,

sua elevação ou inferioridade para podermos determinar os socorros

necessários. Até as orações das crianças são tomadas em consideração:

qualquer pedido, qualquer súplica, tem a sua anotação particular. Há orações

sublimes que se elevam da Terra até o nosso distrito, tão puras elas são,

todavia, que atravessam as nossas regiões como jatos de luz, buscando

esferas mais altas e mais elevadas que a nossa. Existem, igualmente, as

imprecações mais negras e mais dolorosas. Todas, contudo, merecem o

nosso particular carinho e acurada atenção.

Há muitos espíritos elevados sob as ordens imediatas de Aulus, e que

vêm até nós transmitindo as ordens necessárias. Chamamo-los anjos, para te

dar a expressão do respeito e da veneração que esses elevados seres nos

merecem, e sempre um desses anjos chefia as nossas expedições para

atender os que erram e padecem, nos torvelinhos da luta material.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

106

A ESCADA DE LUZ

Da esfera em que me encontro percebo perfeitamente que existe uma

escada de luz atravessando os abismos ligando as esferas uma às outras. A

região imediatamente vizinha da Terra abriga muitos sofredores e muitos

desesperados. Aí, freqüentemente, descemos para buscar irmãos nossos que

suplicam e choram, implorando o socorro e o auxílio de Deus.

Nessa região há organizações perfeitas e inúmeras de muitos espíritos

do mal, que, reunindo-se uns aos outros, formam congregações nefastas e

terríveis. Nosso combate é contínuo para por os encarnados a salvo de suas

traições e sevícias.

Temos igualmente horas de repouso, onde formamos projetos

santificados e belos, acerca dos nossos bem-amados que aí estão para nós

como mortos, sepultados nos túmulos da carne. Muitas almas amantes, que

poderiam ter ascendido a planos mais superiores e formosos, aqui

prosseguem ajudando aos que pelejam, estacionando voluntariamente nessas

esferas inferiores, nas quais me encontro, para esperarem um noivo, um pai,

um irmão, uma mãe, muitos queridos do coração.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

107

NO AMBIENTE ESPIRITUAL

Ainda aí observarás que se existem os abismos tenebrosos como as

regiões infernais de certos planos na erraticidade, ou como os purgatórios da

Terra, há também o recurso da bondade divina, que constantemente concede

a cada qual um anjo tutelar, um estímulo sagrado em favor de seu

aperfeiçoamento e redenção.

Há entidades, aqui, que só cuidam da confecção dos trajes de seus

companheiros, há música e instrumentos mais perfeitos e mais adaptáveis à

harmonia que os conhecidos na Terra. Temos festas e assembléias seletas,

meios de comunicação, visões à distância, através de processos que os

homens estão ainda muito longe de entender. Todos os nossos trabalhos e

atividades são regulados por leis de vibrações daí desconhecidas. A nossa

matéria é mais delicada, o mundo vegetal muito mais soberbo e mais rico,

minerais também os há, mais complexos e mais formosos nas suas estranha

colorações.

Mas já é tarde e precisamos nos separar. Pretendo revelar ainda muita

coisa de nossas ocupações e do nosso modo de vida, tendo obtido a

permissão superior para isso. Por hoje é só. Fiquem todos na paz de Jesus,

nosso Divino Salvador.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

108

NAS REGIÕES DA LUZ

Desejo prosseguir, nesta noite, meu filho, sobre as dissertações a

respeito dos panoramas, em cujo seio se desenvolvem as nossas atividades

espirituais. Assim como as almas encarceradas na Terra têm, às vezes,

quando se tornam dignas de semelhantes conhecimentos, visões perfeitas e

transcendentes em relação à vida real dos planos da espiritualidade pura,

assim também alguns de nós, quando demonstramos resignação aos ditames

do Alto e boa vontade na execução da tarefa que nos é designada,

conseguimos a companhia de amigos, cheios de sabedoria, que nos

arrebatam temporariamente da esfera a que pertencemos, conduzindo-nos à

visão grandiosa de outras manifestações mais elevadas da vida superior, no

seio dos espaços infinitos. Foi assim que consegui a viagem a Saturno, já

descrita.

Apenas, dentro da insipiência de nossa evolução, ignorantes da nossa

condição de entidades que a existência da Terra perfeitamente caracteriza,

contemplamos esses mundos grandiosos, cenários sublimes de

exteriorizações aperfeiçoadas da vida, mas sem compreender os fenômenos

do seu desdobramento nesses meios, para nós totalmente desconhecidos e

ignorado.

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109

UMA EXPÉDIÇÃO DE ESTUDOS

Ainda há pouco tempo, eu mais dois companheiros, fomos escolhidos

para uma expedição de estudos, atinentes à luz e, sem que eu esperasse,

elevado mentor nos conduziu bondosamente a um plano cuja beleza jamais

suspeitei existir. Quando nos afastamos da esfera que nos serve de habitação

nunca nos sentimos, de forma imediata, muito à nossa vontade. É o mesmo

que acontece ao homem terreno quando arrebatado inopinadamente do seu

meio.

Há, sempre, nos que se mudam, no tocante às condições ambientais, a

sensação de estranheza. Felizmente, semelhantes emoções pouco nos

dominam em razão de termos ampliado as nossas faculdades de ação,

educando a vontade e disciplinando os sentimentos.

Como dizia, porém, atravessamos abismos de luz e hiatos dos

espaços, cheios de frio e de treva, não obstante o nosso mentor e guia

asseverar que o espaço nunca está vazio, havendo em todos os seus

recantos, manifestações de vida, que nem sempre nos é dado conhecer.

Em certa altitude, contemplamos o orbe terreno que não era mais que

uma estrela de imensidade, brilhando com luz avermelhada, refletindo a

claridade do sol que por sua vez se nos afigurava uma lâmpada maior que as

de uso comum, até que o centro radioso do nosso sistema e seus

companheiros que rodopiam na imensidade, em condições de planetas

opacos, figuravam pirilampos perdidos ao longe, no silêncio aparente do

infinito. Mas, o espetáculo ao nosso lado era sedutor e deslumbrante.

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110

TRES SÓIS DE CORES DIVERSAS

Penetramos numa atmosfera rosada, plena de luz, mas de claridade

suave, que se irradiava espalhando sons dentro da mais harmoniosa das

cadências que os meus ouvidos escutaram nas condições de minha nova vida.

Sobre as nossas frontes, contemplávamos, então, um sol magnífico, cor-derosa

quase enrubescido, emprestando ao ambiente, em que nos movíamos,

as mais estranhas cambiantes. Todavia, não ficou aí a novidade. A seguir,

percebemos que uma estrela esverdeada brilhava no infinito dos céus,

misturando as suas claridades esmeraldinas com as tonalidades róseas, que

se estampavam em todas as coisas e, de repente, enquanto uma dessas

estrelas se encontravam no zênite e a outra prestes a desaparecer nos

horizontes desse planeta maravilhoso, outro sol surgia, amarelo, cor de

laranja amadurecida, tonalizando como um elemento novo as paisagens. As

ousadas concepções dos pintores terrenos ficariam aquém das sublimes

realidades por nós observadas, referentes aos efeitos da luz, nesse sistema

de encantamento.

O elemento sólido do orbe que pisávamos, num dos mundos

privilegiados que giram em torno desses três sóis de cores diversas, era

formado de substâncias que não é possível descrever. Mas, lá, observei, a

existência de oceanos e florestas, jardins, minerais, animais e muitas outras

coisas que equivalem aos objetos e manifestações da vida sobre a Terra.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

111

PLANOS APERFEIÇOADOS DE LUZ

Vi que os seres pensantes desse maravilhoso orbe, todavia, são muito

superiores aos homens e cuidam somente de trabalhos elevados e de ordem

divina, cuja vitalidade essencial não posso transladar à linguagem terrena

ainda tão imperfeita para reproduzir aquilo que constitui algo de inacessível

ao entendimento dos homens atuais.

Ali estudamos, eu e os amigos que me acompanhavam, sob os

esclarecimentos do nosso mentor, muitas novidades atinentes aos estudos da

luz e das suas vibrações no seio do éter, base primordial de todas as

construções e organizações da matéria, em todos os mundos.

Devo dizer-te, contudo, que os felizes habitantes desse mundo,

alumiado pelos três sóis e onde não se conhece a palavras noite, sombra ou

escuridão, puderam nos ver e entender, mas nós não conseguimos penetrar

nos seus problemas, nem na elevação e na superioridade de seus labores,

devido ao nosso estado moral. Apenas o nosso Mestre podia conversar com

eles, mas pelo que pude observar, devo acrescentar que são criaturas

altamente dotadas de sensibilidade e aguçada inteligência.

Uma grande bondade se irradia dos seus pensamentos, porque nos

sentimos maravilhosamente bem dispostos enquanto estivemos em contato

direto com seu ambiente.

As suas moradias são caracterizadas por uma arquitetura

eminentemente interessante. Quase todas as casas possuem torres como se

fossem agulhas, tão elevadas que são e ali, a luz tem aplicações que eu

própria não consegui compreender, tal a transcendentalidade dos seus

trabalhos, isto é, das atividades, onde são empregadas as suas vibrações.

Fiquei sabendo, porém, que a luz dos astros, em sua substância

intrínseca, contém potencialidades profundas de natureza elétrica. Mesmo na

Terra, futuramente os homens chegarão a compreender essas coisas quando

souberem dissecar e entender o espectro solar. Mas já é tarde. Tenho outros

afazeres e voltarei breve. Deus te abençõe e conceda a cada um a sua santa

paz.

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112

NAS ESFERAS VIZINHAS DA TERRA

Não são poucos os que na morte presumem o encontro inesperado de

uma fonte inesgotável de onisciência e julgam, na sua inércia, intelectual,

que os espíritos são criaturas sobrenaturais, cuja zona lúcida já atingiu o

zênite do conhecimento.

Tais julgamentos são absolutamente falsos não só na sua base como

na sua estrutura, porquanto supõem que o espírito encarnado representa

outra individualidade, conferindo à carne determinados poderes, que ela está

muito longe de possuir na sua situação de elemento passivo e maleável. A

matéria, com o seu complexo atômico. Nada mais significa que um

revestimento temporário, condição necessária à tangibilidade do ser.

Todavia, somente quando as lesões orgânicas, dentro das provações

individuais, geram obstáculos ao surto evolutivo da personalidade, tem ela

uma zona de influência natural sobre o desenvolvimento moral dos

indivíduos.

Por exemplo, os loucos (não obsessos), os cegos de nascimento, os

que surgem do berço com graves deslizes de ordem corporal, semelhantes

espíritos têm a empecer-lhes o círculo do progresso na atuação do

organismo. Mas, na generalidade dos homens, a matéria nada mais é que a

veste temporária, que o fenômeno da morte nos faz trocar por outra,

diferente em suas expressões estruturais, porém, sempre à mesma base de

ordem material, de acordo com as necessidades do novo plano onde teremos

de desenvolver as nossas atividades. É, portanto, natural que o nosso

ambiente em grande parte ainda seja caracterizado pelas idéias e concepções

da Terra.

São inúmeros os que examinam as nossas descrições do espaço,

imbuídos de idéias preconcebidas, incapazes de nos criticar com isenção de

ânimo.

Contudo, isso não altera a nossa maneira especialíssima de viver aqui.

As leis naturais são sempre as mesmas. A ordem, na sua expressão divina,

não pode ser modificada. Se os núcleos humanos entrassem no torvelinho de

uma conflagração universal e se todas as criaturas perdessem a vida em seus

excessos, o sol não deixaria de fazer o seu percurso na imensidade; a lua

prosseguiria com as suas mudanças, as correntes polares seriam as mesmas,

a natureza continuaria criando sob o olhar misericordioso de Deus e as

estrelas entre os seus reflexos, sorririam, de longe, para a Terra silenciosa e

desabitada. É inútil, portanto, revoltar-se ou sentir incompreensões em face

das nossas exposições da vida real. A crítica não destrói as realidades, por

mais judiciosas que nos apareça.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

113

A VIDA EM TODA A PARTE

Nossa vida aqui é o prolongamento da vida humana. Não existem

vazios no Universo. Todas as zonas interplanetárias estão repletas de vida em

suas manifestações multiformes. Uma gota d’água encerra um universo

infinitesimal onde uma grande humanidade microscópica vive, trabalha e

palpita.

Se Deus se conserva inatingível ao nosso entendimento atual,

porquanto não podemos concebê-lo segundo a nossa individualidade, único

índice que possuímos para apreciar os outros, também a Vida como

manifestação de sua divindade ainda não é compreendida por nós, em toda a

intensidade de suas grandezas multiformes.

Aqui, desenrolam-se as nossas atividades, a maneira dos homens, e

nessa segunda zona onde me encontro e aguardo oportunidade feliz para

reencarnar-me na Terra, apenas o que observo é que os homens são mais

aperfeiçoados em seu modo de sentir, considerando-se totalmente eliminado

a hipótese de guerras e dizimações de quaisquer obras. Há mais impulsos de

fraternidade nestes núcleos de seres, onde se agitam os sentimentos

humanos em sua generalidade.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

114

AS AFINIDADES RACIAIS

O amor, a esperança, a tristeza, a fé, a confiança, o caráter, a

sinceridade, e demais atributos da personalidade humana, aqui estão vivos,

palpitantes. Tenho observado porém, que apesar de livre do perigo das lutas

fratricidas, entre todos existe grande movimento de afinidade racial,

parecendo-me que a questão das raças aí na Terra está subordinada a um

forte ascendente de natureza espiritual.

Os saxões, os latinos, os árabes, os orientais, os africanos, formam

aqui grandes falanges, à parte, e em locais diferentes uns dos outros. Nos

núcleos de suas atividades, conservam os costumes que os caracterizavam e

é profundamente interessante observarmos de perto como essas imensas

colônias espirituais diferem uma das outras, apesar de se encontrarem

ligadas pelos mais santos laços da fraternidade e do amor.

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115

HEGEMONIA DE JESUS - A ESFERA

CHEIA DE SOL

Muitos dos componentes desses núcleos tão arraigadamente

conservam o modo de pensar que possuíam no planeta terráqueo, que raros

são os que não relutam em aceitar a hegemonia espiritual de Jesus Cristo,

como orientador e guia do orbe que deixamos e ao qual ainda estamos

ligados por fortes elos de natureza afetiva, segundo o grau de progresso que

já alcançamos.

É comum notarmos, então, pregadores do evangelho do Mestre por

toda a parte, esclarecendo as consciências e iluminando os raciocínios.

Inúmeras colônias desconhecem ainda a mensagem da Boa Nova, apesar de

terem as suas leis de caridade, de fraternidade e de amor, como a Terra as

possuía antes do cumprimento das profecias que anunciavam o aparecimento

do Senhor.

Mas, há sobre todas essas esferas, falando de oitiva, segundo as

explicações que tenho recebido de grandes mestres da espiritualidade, uma

esfera cheia de sol, de claridade bendita e de belezas inenarráveis, onde

promana a fonte que poderemos chamar inspiracional.

Do seu centro, dimanam todos os elevados conhecimentos que

felicitam as leis humanas e os seus raios são refletidos pelas mentes que

estão em correspondência direta com a sua grandeza, em concepções de

bondade, de tolerância, de sabedoria e de amor.

Assim está explicado porque, muito antes de Cristo, já existiam na

Índia grandes pensadores, essencialmente evangélicos nas suas doutrinas,

pois a Grécia, o Egito e o Oriente já possuíam as teorias de solidariedade e de

fraternidade humana. Dessa esfera grandiosa, parte o equilíbrio para todas as

correntes espirituais entre a Terra e as esferas que lhe são concêntricas.

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116

CONTINUAÇÃO DA TERRA

É desse modo que tenho visto aqui muitas extravagâncias de

costumes. Por exemplo, na primeira esfera, mais apegada à Terra e às suas

ilusões, temos muitas organizações à maneira do planeta.

São inúmeras as congregações de espíritos que se dedicam à

salvaguarda de seus ideais religiosos sobre o orbe terráqueo. A Igreja

romana, por exemplo, têm aí organizações, conventos, irmandades, que

defendem os seus erros e, assim, de facção em facção, podereis

compreender a imensidade de nossa luta, Nas colônias de antigos

remanescentes da África vim conhecer costumes esquisitos, como bailados

estranhos, ao som de músicas bizarras que me deram a impressão de

fandangos, tão da preferência dos escravos no Brasil.

A luta estabelecida não é pequena. A nossa existência é a continuidade

da vida material com todas as suas características.

Vem daí o nosso contínuo conselho para preparardes uma vida melhor,

pela aquisição de virtudes e conhecimento. Assim como tenho visitado outros

mundos e outros ambientes, cujas belezas constituem um sagrado estímulo

para minha vontade de progredir e aprender, igualmente muita coisa

lamentável tenho presenciado, optando sempre pela exortação fraterna, a fim

de que saibas aproveitar proficuamente o vosso tempo na face do orbe que

atualmente habitais.

Desejaria dizer-vos algo quanto às manifestações de vida sobre a

superfície de Marte, mas temos de contar convosco o tempo, se estamos ao

vosso lado, e é assim que observo o adiantamento das horas. Se Deus

permitir falarei na próxima semana de outros ensinamentos obtidos por mim

nessa Terra distante.

Deus vos dê boa-noite e vos abençoe.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

117

O PLANETA MARTE

Meus amigos, é com permissão dos nossos Guias dos planos

superiores que desejo prosseguir, nesta noite, as minhas narrativas de Além-

Túmulo. Não está em nós a presunção de resolver incógnitas científicas e

nem derrogar os decretos do Altíssimo, que, do lado de cá, nos merece a

mais sublime de todas as venerações. Escrevo esta impressões somente

objetivando a consolação dos que sofrem, visando a amplitude das

esperanças dos que nos compreendem, a fim de que aguardem, confiantes

na bondade d Deus, o prêmio compensador da vida em outras paragens mais

felizes, onde a alegria não se extingue, como na Terra, e a paz é uma

vibração permanente do pensamento de todas as criaturas.

Aqui, tenho aprendido que há mundos de todas as espécies,

diversificados em sua natureza como a essência dos sentimentos das almas.

Mundo de dor, de ventura, de aprendizado, de luta, de regeneração.

Todas essas distantes pátrias, que os vossos telescópios focalizam,

dentro da noite imensa, não poderiam estar vazios e abandonados. Não se

compreende uma cidade edificada, rica de monumentos e obras, sem

habitantes e sem vida. Os planetas, que rolam no infinito, constituem a

família universal, por excelência. Cada um deles comporta uma humanidade,

irmã de todas as outras que vibram na imensidade.

É toda vaidade do homem terreno afirmar-se a única criatura pensante

do Universo, mesmo porque a Terra é um dos planos mais obscuros e mais

repletos de amargura para quantos já experimentaram algo das felicidades

imorredouras, que a evolução do sentimento e do raciocínio pode facultar.

Para as almas acendradas no amor, a Terra é bem o recanto do exílio e das

sombras.

Todavia, vós outros, os que estudais, tomados da disposição benéfica

de conhecer a vida espiritual, em suas mais remotas e múltiplas

modalidades, deveis arquivar no coração o tesouro divino da esperança. Se

na atualidade as dores vos assediam, sabeis que a vida não se circunscreve

no âmbito mesquinho do orbe terráqueo. Patrimônio da criação e divindade

de todas as coisas, é ela a vibração luminosa que se estende pelo infinito,

dentro de sua grandeza e do seu sublime mistério.

Livro Cartas de uma Morta - Psicografia Chico Xavier

118

A VIRGEM VERTIGINOSA

Mas eu vos prometera falar de minha excursão ao planeta que vos é

vizinho e vou me desviando em considerações doutrinárias e filosóficas,

esquecendo o escopo de minha visita.

É para a vossa ciência uma afirmativa audaciosa, dizer-vos que pude

ver o planeta Marte, identificando-me com os seus elementos a fim de

conhecer de mais perto as suas belezas ignoradas.

A verdade, porém, tem igualmente as suas revelações pelos caminhos

da fé. Nem tudo se mostra somente nas análises frias dos laboratórios e das

suas retortas. As grandes realidades primeiramente falam ao coração. Na

atualidade, à mingua de elementos mais positivos de ordem material, nós vos

falamos como se fôssemos vítimas de nossos surtos imaginativos, mas dia

virá que os homens hão de verificar, com as positividades requeridas, a

veracidade de nossas afirmativas.

Como das outras vezes, meus amigos, não pude fazer sozinha uma

excursão dessa natureza. O guia de sempre conduzia os meus passos. E foi

assim que bastou um pensamento forte de nossa vontade, concentrada nesse

objetivo, para que efetuássemos essa viagem vertiginosa, cuja duração foi de

poucos segundos, de acordo com a vossa contagem do tempo aí na Terra.

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119

A PAISAGEM DE MARTE

Vi-me à frente de um lago maravilhoso, junto de uma cidade, formada

de edificações profundamente análoga à da Terra. Apenas a vegetação era

ligeiramente avermelhada, mas as flores e os frutos particularizavam-se pela

variedade de cores e de perfumes.

Percebi, perfeitamente, a existência de uma atmosfera parecida com a

da Terra, mas o ar, na sua composição, afigurava-se muitíssimo mais leve.

Assegurou-me, então o mestre, que me acompanhava, que a densidade em

Marte é sobremaneira mais leve, tornando-se a atmosfera muito rarefeita.

Vi homens mais ou menos semelhantes aos nossos irmãos terrícolas,

mas os seus organismos possuíam diferenças apreciáveis. Além dos braços,

tinham ao longo das espáduas ligeiras, ligeiras protuberâncias à guiza de

asas que lhes prodigalizavam interessantes faculdades volitivas. Percebi que

a vida da humanidade marciana é mais aérea. Poderosas máquinas,

muitíssimo curiosas na sua estrutura, cruzavam os ares, em todas as

direções. Vi oceanos, apesar da água se me afigurar menos densa e esses

mares muito pouco profundos. Há ali um sistema de canalizações, mas não

por obras de engenharia dos seus habitantes, e sim por uma determinação

natural da topografia do planeta que põe em comunicação contínua todos os

mares.

Não vi montanhas, sendo notáveis as planícies imensas, onde os

felizes habitantes desse orbe desempenham as suas atividades

consuetudinárias. As águas são muito mais raras. As chuvas quase que se

não verificam, mostrando-se o céu geralmente sem nuvens. Afirmou-me o

protetor que grande parte das águas desse planeta desapareceram nas

infiltrações do solo, combinando-se com elementos químicos das rochas,

excluindo-se da circulação ordinária do orbe.

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A EVOLUÇÃO MARCIANA

Assegurou-me, ainda, o desvelado mentor espiritual, que a

humanidade de Marte evoluiu mais rapidamente que a da Terra e que desde

os pródromos da formação dos seus núcleos sociais, nunca precisou destruir

para viver, longe das concepções dos homens terrenos cuja vida não

prossegue sem a morte e cujos estômagos estão sempre cheiros de vísceras

e de virtualhas de outros seres da criação.

O dia ali é igual ao da Terra, pois conta 24 horas e quase 40 minutos,

mas os anos constam de 668 dias, tornando as estações mais demoradas,

sem transformações bruscas de ordem climática que tanto prejudicam a

saúde humana.

Disse-me, ainda, o mestre desvelado, que os marcianos já

descobriram grande parte dos segredos das forças ocultas da natureza.

Conhecem os profundos enigmas da eletricidade, sabendo utilizá-la com

maestria. Nas questões astronômicas, são eminentemente mais adiantados

do que seus companheiros da Terra, compreendendo todos os fenômenos e a

maior parte dos mistérios da natureza do vosso planeta.

Vi lá formidáveis aparelhos fotoelétricos que registram, com precisão

matemática, a quase totalidade das expressões fenomênicas dos mundos que

estão mais próximos desse orbe maravilhoso. Em vez do satélite, que ilumina

as vossas noites, observei que Marte é servido por dois. Duas luas que

parecem gravitar uma em torno da outra, porém menores, muito menores

que a vossa.

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GRANDE ESPIRITUALIDADE

Todavia, o que mais me admirou não foram as expressões físicas

desse planeta, tão adiantado em comparação com o vosso. Nele a sociedade

está constituída de tal forma, que as guerras ou os flagelos seriam

fenômenos jamais previstos ou suspeitados. A vibração de paz e de harmonia

que ali se experimenta irradia aos corações felicidades nunca sonhadas na

Terra. A mais profunda espiritualidade caracteriza essa humanidade, rica de

amor fraterno e respeito ao Criador.

Não me é possível de momento falar-vos sobre a organização de suas

coletividades, regidas à base do melhor da fraternidade. Espero, porém,

ainda fazê-lo com a permissão de nosso Pai.

E como o nosso amigo Emmanuel ainda necessita escrever, vou

colocar aqui o ponto final, suplicando a Jesus que envolva a todos nós a

vibração luminosa e divina da bênção do seu amor.

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NO LIMIAR DOS GRANDES

ACONTECIMENTOS

No local onde nos encontramos, muito profundo e crescente é o nosso

interesse pelos estudos, os quais vão sendo aperfeiçoados por nós, ao preço

de iniciativas nem sempre facilmente conquistadas.

Como já tive ocasião de observar, as minhas atividades se

desenvolvem em torno de um grande número de entidades que apenas se

dedicam aos problemas de socorro espiritual a todas as almas que sofrem e

se redimem na Terra, no cadinho das renúncias e dos grandes sacrifícios.

Ultimamente, estivemos reunidos em extraordinários movimentos,

junto à ponte a que já me referi, e que atravessa a distância incomensurável

que separa o vosso orbe da primeira esfera que lhe é concêntrica. São

inúmeros os espíritos que se debatem do lado oposto àquele em que nos

encontramos, esforçando-se para realizarem a difícil travessia.

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ESPÍRITOS ALUCINADOS

Dolorosos são os espetáculos que vimos presenciando porque essas

almas perturbadas e sofredoras estão constituindo uma turba imensa de

alucinados e de loucos. Muitos dos nossos companheiros corajosamente

atravessam o abismo (em certas ocasiões esses movimentos oferecem

perigos para os espíritos inexperientes de minha esfera, perigos esses de

natureza fluídica, condizentes portanto, com os elementos de nossa matéria e

organização) mas são frustrados os seus esforços no sentido de consolar

essas criaturas amotinadas.

Figurai alguém sob o império de um sofrimento indescritível; a dor lhe

impressiona de tal maneira, desorganizando-lhe a faculdade sensorial, que

semelhante criatura é incapaz de ouvir o consolo fraterno ou a amiga

exortação.

É talvez devido a esse estado de extrema perturbação que as almas

aflitas, em cujo socorro estamos ocupados, não nos ouvem, entregando-se às

mais dolorosas imprecações. Súplicas, brados angustiosos, soluços, gemidos,

repercutem junto de nós e temos procurado, no refúgio da prece a Deus, os

recursos necessários para essas coletividades espirituais, egressa do planeta

nestes últimos dias. São muito raras as individualidades que conseguem ouvir

o nosso chamado ou aprender as nossas observações.

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A TAREFA DA SALVAÇÃO

Temos aqui instrumentos semelhantes a barcos salvadores, onde

alguns espíritos conseguem se transportar para o nosso meio, para se

entregarem a tratamento e a repouso que lhes são necessários, porém, as

condições psíquicas dessas almas são muito lamentáveis. Demasiado

comovedores são os gritos maternos, as preces fervorosas e angustiadas que

temos ouvido, filhas do gemer opresso de mãos infelizes. A todos buscamos

oferecer o concurso de nossa assistência, todavia é difícil lograrmos um

resultado imediato e efetivo.

Não obstante a incompreensão, com a qual somos geralmente

recebidos, ainda conseguimos evitar muitos males e afastar muitos

infortúnios, dentro das possibilidades de nossa influência indireta.

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UM NOVO CICLO ESVOLUTIVO

Interpelamos os Mestres que nos dirigem sobre os quadros dolorosos a

que vimos assistindo, com infinita mágoa, em virtude das derradeiras lutas

fratricidas que se vêm desenrolando na superfície do planeta. E os nossos

venerandos mentores espirituais sempre nos elucidam, explicando que a

Terra se acha em vias de conhecer um novo ciclo evolutivo.

Explicam-nos, então, que esses movimentos objetivam não só o

cumprimento exato das provações individuais e coletivas dos homens e dos

povos, como também representam um trabalho de drenagem sobre as

multidões humanas, selecionando as almas então encarnadas nesse mundo.

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AS CORRENTES MIGRATÓRIAS

Os nossos Mestres nos falaram das grandes correntes migratórias que

modificam as civilizações, asseverando que o mundo atual se encontra à

beira desses movimentos inevitáveis. Compreendemos, então, que todos os

progressos da civilização terrestre dependem da economia, sobre cuja base

repousa todo o edifício da organização social.

Soubemos assim que, em tempos remotíssimos, quando o planeta se

encontrava em véspera de inaugurar nova posição progressiva, ocorreu o

deslocamento das raças arianas que invadiram os territórios europeus. O

congestionamento de certos países, o problema da economia regulamentada,

a necessidade de expansão que muitas nacionalidades experimentam nos

tempos modernos constituem uma determinação desesperada dessas

corrente migratórias, cuja passagem é assinalada por guerras destruidoras,

ensaiando novas soluções para as magnas questões da vida coletiva.

Afirmam, portanto, os nossos guias que apenas começamos a

presenciar os grandes acontecimentos que, fatalmente, terão de ocorrer nos

anos vindouros. As raças amarelas e determinados núcleos da civilização

ocidental requerem expansão e nova fonte econômica para a solução dos

problemas que os assoberbam; e, nesses dolorosos movimentos, mas

necessários, a humanidade se depura, aperfeiçoando-se cada vez mais para o

seu glorioso futuro espiritual. Reconhecendo-se embora tudo isso, para as

almas dotadas de pouca experiência, com respeito a esses enigmas dos

povos, os quadros isolados, como nos é dado conhecer, são profundamente

angustiosos.

Mas a dor, a dor soberana que aí na Terra dobra toda a cerviz e

subjuga todas as frontes, essa está igualmente aqui conosco, na aquisição de

ensinamentos, exercendo a sua função de remodelar e de aperfeiçoar toda a

glória suprema da vida.

Todavia, Senhor, vós que sois a grandeza e a misericórdia suprema do

Universo, estendei as vossas mãos magnânimas para a Terra, mansão de

sombras e de provações, onde irmãos nossos se entregam ao mais

proveitoso dos aprendizados.

Dá-lhes fortaleza de ânimo e resignação nos embates contra a

adversidade dolorosa, alçando os seus olhos para os vossos impérios

resplandecentes, onde compreendemos as luminosas afirmações da Vida

Espiritual.

Protegei-me a todos, Senhor, integrando as suas consciências no

caminho retilíneo da salvação e os seus entendimentos na compreensão

profunda das vossas leis. Que a Terra conheça a nova era do amor e da

fraternidade espiritual.

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UMA PALAVRA AOS SOFREDORES

Páginas recebidas em 30.10.1936

Concluindo a segunda edição do nosso volume, dedicadas às

orfãzinhas, meu filho desejaria que eu dirigisse uma palavra aos sofredores.

Mas não posso dizer-lhes mais do que já lhes disse no conjunto de

minhas páginas despretensiosas e humildes. Contei a todos os que sofrem,

com palavras simples, as minhas impressões de Além-Túmulo, tentando

dirigir-me, em particular, a todos os sofredores, para os quais o vento do

infortúnio é mais frio.

Muitos espíritos passaram, despreocupadamente, os olhos pelas

páginas em que procurei gravar as emoções de minh’alma, não obstante as

dificuldades insuperáveis para me fazer compreendida. Outros lamentaram a

ausência de característicos científicos em meus comunicados, ansiosos do

rigorismo das críticas minuciosas.

Estas cartas, todavia, não foram grafadas para as teorias científicas

que florescem no século, à beira da estrada do Espiritismo evangélico.

Consagrando o meu respeito e a minha veneração aos estudos dos sábios

terrenos, eu não saberia corresponder aos seus desejos de conhecimento

superior, dentro da minha insipiência individual.

Escrevi-a pensando nas mães sofredoras, cujo coração dilacerado não

tem outra luz, no caminho escuro da Terra, que as esperanças e súplicas

postas no Céu; vejo-lhes, daqui, as amargas dificuldades e os acerbos

desgostos e sinto-lhes, comovida, a tortura dos aflitos, clamando pela

misericórdia infinita de Jesus. Grafei-as ponderando as expectativas ansiosas

dos homens desolados que as dores cercam e humilham, nos carreiros

aspérrimos do dever e das obrigações mais penosas.

Sim!... A falange onde me encontro para executar as mais santas

determinações espirituais, sabe de muitas misérias ocultas e de muitas

lágrimas desconhecidas... Nem sempre os grandes infortúnios se

circunscrevem às casas públicas do sofrimento. Sob as sedas faustosas e sob

o som de músicas festivas, buscamos cicatrizar as úlceras cancerosas e

paralisar os soluços em muitos corações que se purificam na Terra.

Não desdenhemos as atividades preciosas dos espíritos insatisfeitos

que alargam atualmente os horizontes científicos do século, com o concurso

do Além-Túmulo. Mas consideramos a expansão evangélica e moralizadora do

Espiritismo como seu objetivo primordial.

A Europa, desde os fins do século passado, não se encontra repleta de

fenômenos supranormais, servida pelas constituições medianímicas mais

poderosas? Grandes mestres não têm oferecido ao continente inteiro o fruto

de seus exames e de pesquisas, no caminho largo das ciências terrestres?

Entretanto, há muitos anos sucessivos, a confusão ali se estabeleceu

nas almas, envenenando as fontes culturais do Velho Mundo.

Nos terríveis enganos políticos da Igreja católica romana, a Europa

inteira se prepara, aguardando inquieta, a guerra cruel dos extremismos.

Entre a ciência humana e a sabedoria espiritual sempre existiu

considerável distância. A primeira é filha do labor inquieto e transitório dos

homens. A segunda é filha das grandes e abençoadas revelações das almas.

Na primeira sobram as dúvidas amargosas e as hipóteses falíveis. Na

segunda vibram as grandes e eternas esperanças do coração do iluminado

128

ideal da vida superior.

Dentro das ciências terrestres prevaleceram, em todos os tempos, as

descrenças inquietantes e angustiosas; os trabalhos dissolventes de crítica

dos campos adversos sempre objetivaram a destruição de patrimônios

sagrados do ser.

Ainda agora, muitos jornalistas e estudiosos eminentes, às vezes

falando de Crookes e de Lombroso procuram desmerecê-los, acusando-os

como possuídos de declínio de compreensão, no trato com os fenômenos

espíritas. E, nesse movimento de acusações, perde-se um tempo precioso, a

par de muitas energias que poderiam se empregar na construção do edifício

da felicidade humana.

Fenômenos? O homem nunca encontrará outro maior que a vida de

Jesus, localizada na História. Mensagens elucidativas? Poderia haver alguma

maior que a da palavra permanente do seu Evangelho?

É para vós, os espíritos sofredores da Terra, que o Espiritismo trouxe

uma aleluia de esperanças e glorificações. Heróis obscuros e ignorados do

mundo; alguém sabe dos vossos sacrifícios, de vossas renúncias e dedicações

que o planeta terreno não pode conhecer!...

Chorai vossas lágrimas remissoras de olhos postos no Céu, onde se

guardam todos os vossos prantos e onde são conhecidas todas as vossas

preces e aspirações.

Aprendei nas experiências penosas da Terra a soletrar o abecedário do

amor, da piedade e da resignação, porque se viveis a dolorosa angústia das

almas infortunadas e incompreendidas no mundo, há no Céu quem vos

estenda as suas mãos carinhosas e compassivas.

Trabalhai, sofrei e confiai na misericórdia divina, pois não foram

pronunciadas para os espíritos satisfeitos e felizes aquelas divinas palavras:

“Bem aventurados os aflitos na Terra, pois que a eles pertencem as

alegrias do Céu”.

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