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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Somente o amor–Francisco Cândido Xavier

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

MARIA DOLORES

MEIMEI

E

Pelos Espíritos de:

Que Jesus o abençoe

Muita Paz.

Caro amigo:

O livro espírita é sempre um ótimo presente, se você tem condições de adquirí-lo, faça-o e doe, pois além de ajudar na divulgação da doutrina, estarás ajudando várias instituições de caridade, que para onde são destinados os direitos autorais dos mesmos.

 

Enquanto o progresso se amplia, povoando o mundo

de máquinas e arranha-céus, facilidades de ordem

material e teorias experimentais de libertação, é justo

recordar o imperativo dos valores da alma, sem os

quais a paz e a felicidade, a confiança na vida e a

segurança interior desapareceriam no nascedouro.

Ante as nossas afirmativas, é provável se questione:

- "o avanço tecnológico será, então, uma calamidade a

evitar?"

Respondemos, naturalmente, que de modo algum.

A evolução é irreversível.

O progresso é realizado para o homem. O homem,

no entanto, não é artigo no mercado de consumo.

O ser humano é, acima de tudo, espírito imperecível

e luz da razão no combustível da inteligência,

raciocínio e sentimentos conjugados.

Cérebros geniais, devotados ao brilho externo da

civilização se empenham a criar vantagens e troféus

para a existência física, em trabalho competitivo dos

mais nobres, de vez que se acha alicerçado em

propósitos do bem geral.

Entretanto, encontramos igualmente corações

sublimados na compreensão, consagrados a cultivar

luzes e bênçãos para a Vida Espiritual, em serviços de

abnegação dos mais altos, porquanto se encontra

baseado na exaltação do amor que é Presença de Deus,

nos fundamentos do Universo.

Situadas nas faixas do entendimento e da bondade,

Meimei e Maria Dolores, emissárias de paz e

solidariedade humana, nos oferecem este livro.

Mensagem de união e tolerância, esperança e alegria.

Agradecemos-te, leitor amigo, a atenção com que

nos partilhas o prazer de assimilar o conteúdo destas

páginas nutrientes e edificantes em que ambas as

autoras se esmeram em nos trazer somente amor.

E, ao mesmo tempo em que externamos a nossa

gratidão às duas missionárias do bem, cujos corações

palpitam em todos os tópicos deste livro de iluminação

íntima, rogamos ao Senhor, como sempre, as inspire e

abençoe.

Emmanuel

Uberaba, 4 de outubro de 1978.

Somente Amor

03

Iniciaste a tua construção espiritual da fé em que te

abrigasses. E sentias-te, à maneira de alguém, cujo

coração se revitalizasse ao contato de nova luz.

Entretanto, sombras apareceram no firmamento de

tuas mais belas aspirações, quais nuvens que te

empanassem a visão do Sol.

Afeições, em que te escoravas, desapareceram na

correnteza de interesses inferiores; companheiros

muitos deles obsidiados ou infelizes, te impuseram

inesperadas desilusões; perdeste recursos que

consideravas essenciais à própria segurança e te

refugiaste em amargurada introversão; provavelmente

viste seres amados vencidos pela morte e não pudeste

conter as lágrimas incessantes que te segregaram no

lar; ouviste injúrias de lábios queridos que dantes te

abençoavam a vida e tombaste em desalento.

Ainda assim, ergue-te da tristeza ou do desânimo e

caminhemos adiante.

Sofrimentos vencidos são tijolos de experiência

com que levantarás novas paredes no santuário da

esperança.

Não te demores na solidão e volve ao dia

resplendente do trabalho, de que se fará no mundo

solidariedades humanas, por fonte viva de amor, e

novas benções te farão sorrir.

Não importa a legenda que tragas na bandeira do

teu ideal de fraternidade.

Se caíste em algum erro, levanta-te e corrige com

bondade o que a vida te pede retificar.

Se paraste de servir, recomeça.

Guarda, sobretudo, a certeza de que ninguém

encontra a verdadeira felicidade sem Deus.

1 Recomeça

Meimei

04

Certo amigo de Cristo

Buscou a solidão, no pressuposto

De consagrar-se ao Mestre inteiramente...

A concentrar-se nisto,

Dizia achar, na Terra, um campo irreverente,

Que o situava sempre em extremo desgosto;

Considerava a multidão

Por massa preguiçosa em movimento vão,

Queria meditar sozinho e atento

Sem barulhos quaisquer, sem qualquer elemento

Que lhe pudesse em risco a paz que planejara.

Ei-lo, assim, na paisagem doce e rara

Que ele mesmo formara, dia-a-dia:

A choça acolhedora, em perene harmonia,

A plantação florindo

O chão tratado e lindo.

E as águas marulhosas

Da fonte que nutria os gerânios e as rosas...

Tudo ali era a paz da vida pura e mansa...

E ele, o aspirante à luz

Do contato supremo com Jesus,

Parecia, na essência, uma criança

Que pensava no Céu, de momento a momento,

Sem qualquer sofrimento

Que lhe pudesse vir

Das forças antagônicas do mundo;

E, solitário, em êxtase profundo,

Aguardava o porvir.

De quando em quando,

Fosse regando as palavras prediletas

Ou simplesmente contemplando,

Na mística alegria dos ascetas,

A luz do entardecer,

Dizia em prece calma;

- "Agradeço, Senhor, a santa solidão",

Na qual te posso dar toda a minhalma,

Todo o meu coração!...

Solidão

e

Amor

2

Maria Dolores

05

Graças a Ti Jesus; já não mais compartilho

Das discussões hostis com que o mundo te nega,

Sei que te espero em paz sem qualquer empecilho

Da Humanidade, às vezes, triste e cega...

Louvado sejas, meu Senhor,

Por me haveres doado,

Este sítio feliz, onde vivo isolado,

Para aguarda-te a vinda, em meu imenso amor!...

Meses correram, velozmente,

E o discípulo a sós, piedoso e crente,

Louvava a solidão e os Céus, todos os dias,

Esperando o Messias ".

Numa noite, porém, friorenta e escura,

Quando fitava os astros

A penderem da Altura,

Viu que uma luz de longe,

A esgueirar-se de rastros,

Vinha ao encontro dele e, de repente,

Eis que a luz a crescer, inopinadamente,

Torna a forma de um homem que ele fita

Com ternura infinita...

Ajoelha-se e chora de emoção,

Reconhecendo o Mestre Nazareno,

A pousar nele o olhar belo e sereno,

Renovando-lhe a paz no coração...

Mostrando-se em viagem,

O Cristo lhe sorri como que de passagem,

Mas sem se interromper, prossegue, além...

Levanta-se o aprendiz e corre-lhe no encalço,

Depois, grita, feliz:

- "Encontrar-te, Senhor, é tudo quanto eu quis...

Fica, porém comigo alguns instantes,

São tuas as flores repousantes,

Abençoa estes sítios em que penso

No teu amor imenso,

Este lugar é teu!..."

Jesus, deteve-se um momento

E, após abençoá-lo, esclareceu:

- "Agradeço-te, irmão",

Tudo quanto me dás ao coração,

As preces de louvor

Que me endereças, cada dia,

E o perfume de paz e alegria

Que me ofertas

Em teu jardim de amor

Nestas plagas desertas...

Desejo-te ao remanso,

Refazimento á fé, reconforto ao descanso:

No entanto, para mim,

06

Enquanto houver na Terra algum sinal de pranto,

Não posso demorar-me em teu jardim.

O trabalho do amor é meu clima e meu lar,

Ignoro se escutas

A alma da Humanidade em pavorosas lutas.

Ouço os gritos de dor dos corações caídos,

As petições amargas, os gemidos

De mães desesperadas,

Os apelos dos grandes infelizes,

Peregrinos de todas as estradas

Entre aflições e crises;

O choro das crianças sem ninguém,

Os doentes largados ao vazio

De espírito cansado e coração sombrio,

Ante as visões do Além,

A tristeza e a revolta dos ateus,

Irmãos infortunados

Que se afastam de Deus...

Tenho comigo a paz do Reino Excelso,

Mas de todos os lados

Ouço o imenso clamor

Dos que rogam aos Céus

Consolação e fé, auxílio, luz e amor...

Amo a todos, porém,

Devo permanecer com quem se aflige e chora

À distância do bem!..."

Dito isso, o Senhor põs-se em caminho

Mas o devoto, em novo pensamento,

Deixou a solidão em que vivia

Tão deslumbrado quanto desatento.

E, de novo, entre as grandes multidões

Erguia e consolava corações,

Às vezes, insultado, injuriado e aflito

Mas procurando em todos

A presença do amor soberano e infinito;

Varando lodo e sombra, muito embora,

Seguia com Jesus, hora por hora,

Construindo o porvir...

E, elegendo no amor, a vida, o sonho e o lar,

Começou a esquecer-se e passou a servir,

Sem nada perguntar,

Sem nada mais pedir.

07

Devidamente reunidos, os seguidores de Jesus

viram chegar o Mensageiro da Orientação, cuja

palavra haviam solicitado com insistência.

Queriam alguma instrução que os fizesse mais

adiantados na senda do bem e que lhes propiciasse

mais amplo progresso espiritual, acentuando-lhes o

estímulo ao trabalho e dilatando-lhes a paz.

O Celeste Emissário, sem qualquer presunção no

olhar translúcido e sem o mais leve toque de

autoritarismo na voz, explicou-se com brandura:

- Irmãos, não tenho avisos especiais e nem sei

porque os servos dos Grandes Servos do Senhor, dos

quais não passo de colaborador pequenino, terão

determinado seja eu o portador da resposta às vossas

súplicas sinceras.

Sabemos que o Eterno Amigo confia em vossa

dedicação e a todos nos observa nos encargos

diferentes a que somos trazidos. O Excelso Benfeitor

não ignora que todos nos achamos detidos em

ocupações diversas. Esse administra, aquele ensina,

outro tece o fio e outro ainda lavra o campo. Muitas

criaturas amparam os doentes e outras muitas

protegem as crianças. Por isso mesmo, na Casa do

Senhor não se desconhece que pessoa alguma na

tTerra está sendo chamada a evidenciar-se em

espetáculos de grandeza. Em razão disso, o Lar

Bendito das Alturas recomenda vos seja transmitida

unicamente esta simples mensagem: "sempre que não

puderdes auxiliar-vos uns aos outros, não vos queixeis

de ninguém".

A

Mensagem

3

Meimei

08

Disse Jesus na Terra; "Eu sou o pão da vida".

E ansiando seguir os passos do Senhor,

Quis ser, de minha parte, a migalha sem nome

De algo que alimentasse a estranha fome

Dos que morrem no mundo à carência de amor.

Indaguei do mentor que me assistia,

Quanto a idéia de que me via presa

E ele apenas me disse: "Se procuras

Nutrir o coração das criaturas,

Ouve as informações da Natureza ".

Interroguei a Terra e a Terra falou calma;

"Para a manutenção dos seres que acalanto

Preciso tolerar enxadas e tratores

E abrir-me em golpes dilaceradores

Sem que ninguém me veja o sofrimento ".

Velho tronco explicou-me; "Vivo ao tempo,

Trabalhando sem perda de minutos,

Renovo o ar, produzo fartamente,

Mas padeço agressões de muita gente,

Sem que eu possa contar meus próprios frutos" .

Entrevistando o Trigo, ei-lo a dizer-me:

- "Devo entregar-me sem explicação

Á mó que me constringe e me tritura,

Fazendo-me farinha clara e pura,

Que assegure na mesa o júbilo do pão".

Em tudo achei no alento para a vida

O extremo sacrifício em constante processo,

Plantas gemendo em todos os instantes

E óleo a queimar-me em máquinas gigantes,

Sustentando a energia do progresso.

Reconheci então ser preciso esquecer-me,

Apagar-me ao servir, alegrar-me na dor,

Aprender humildade, aparar sem barulho

E despojar-me, enfim, de todo o humano orgulho

Para ser luz e paz, auxílio e amor.

Alimento

e

Vida

4

Maria Dolores

09

Não te afastes do bem, ainda mesmo que a

estrada se te mostre crivada de obstáculos.

Não te detenhas.

Ouvirás aqueles que se instalam na retaguarda

a te repetirem, de longe, os sombrios vaticínios

que os fizeram parar.

Falam dos perigos imaginários da frente;

relacionam conceitos das inteligências

encharcadas de pessimismo; exaltam a filosofia

da indiferença; ou destacam erros do passado,

apedrejando inutilmente o futuro.

Entrega ao tempo quantos se fixaram

transitoriamente nas margens do caminho,

receando calamidades e abismos, e prossegue

adiante.

Não importa encontres aqueles que se revelem

capazes de te golpear a esperança.

Recorda. O espinheiro não os fere

voluntariamente e sim porque ainda se faz

conhecer por lâminas agressivas. A pedra que faz

tropeçar na Terra não tem consciência disso; ela é

apenas um calhau fora do lugar de servir.

Espalha bondade e coragem, suportando com

paciência as forças contrárias que, porventura se

levantem, buscando barrar-te os passos.

Caminha, amando e auxiliando e Deus te

mostrará que ninguém se eleva, sem suor e sem

lágrimas.

Compreenderás que a lágrima na provação é o

suor que purifica e que o suor no trabalho é a

lágrima que aperfeiçoa.

Ainda que experimente, de algum modo, o frio

do entardecer, não te amedrontes perante as trevas.

Acenda a lâmpada de tua fé e prossegue

servindo sempre.

Os que caminham com Deus no coração

transportam consigo os clarões da alvorada. E por

mais espessas se façam as sombras nos cárceres da

noite, ninguém consegue prender o esplendor do

novo dia.

5 Seguindo

Meimei

10

Não lamentes, alma boa,

Contratempo que aconteça,

Que a luta não te esmoreça,

Na da existe sm valor;

Aquilo que te parece

Um desencanto de vulto

É sempre socorro oculto

Que desponta em teu favor.

Uma viagem frustrada,

Uma festa que se adia,

Uma palavra sombria

Que encerra uma diversão;

O desajuste num carro,

Um desgosto pequenino,

Alteram qualquer destino

Em forma de salvação.

Não chores por bagatelas,

Guarda a fé por agasalho,

Deus te defende o trabalho,

Atuando em derredor;

Contrariedades no tempo,

Quase sempre, em maioria,

É amparo que o Céu te envia

Por bênção do mal menor.

Amparo

Oculto

6

Maria Dolores

11

Não te queixes de cansaço na tarefa que Deus te

confiou: um filho a orientar, um lar a manter, o bem

a construir ou algum princípio nobre a defender.

Recorda aqueles companheiros do mundo que

suspiram por ligeira parcela das possibilidades que

te enriquecem a vida: os que anseiam por

movimentos livres e jazem parafusados no catre; os

que desejariam comunicar aos semelhantes os mais

belos sentimentos que lhes povoam a alma e sofrem

a provação da mudez; os enfermos e

desmemoriados que se atormentam na sede de um

lar e sofrem a provação e vagueiam sem rumo,

atirados à noite, mendigando assistência; e os outros

muitos que aspirariam a socorrer aos irmãos em

Humanidade, expondo as idéias de paz e reconforto,

cultura e beleza que lhes brilham no espírito e

permanecem trancados na obsessão ou que

caminham dissipando os próprios recursos nas

substâncias tóxicas que ainda não conseguiram

erradicar das próprias vidas.

Teu trabalho – tua bênção.

Seja lavrando o campo ou amoldando o metal

suportando com paciência algum calvário doméstico

ou sofrendo as vicissitudes das causas públicas, não

digas que te encontras em sacrifício por agradar a

teus pais ou a fim de acompanhar determinado amigo,

de modo a prestigiar um parente amado ou em

benefício desse ou daquele irmão.

Se guardas o privilégio de servir, amparando aos

outros, estás edificando a felicidade em favor de ti

mesmo.

Lembra-te de que todos nos achamos interligados

nas criações da Divina Sabedoria.

Embora transformado e redistribuído por muitas

mãos, à maneira da força elétrica que procede da

usina, o trabalho que se te confia vem positivamente

da Bondade de Deus.

Tua

Benção

7

Meimei

12

Alcei ao Alto o olhar, um dia,

Como quem desejasse adivinhar

Que prodígio de sóis encontraria

No celeste esplendor do Eterno Lar...

Vendo constelações e nebulosas

Lançando irradiações maravilhosas,

Indaguei do mentor que seguia a meu lado:

- "Na faixa de trabalho a que me abrigo,

Quereria saber, prezado amigo,

Se todo este Universo que entrevemos,

Astros e luzes pelos Céus supremos,

Vem a ser limitado ou iluminado...

Onde se ocultaria a rútila nascente,

A luz primeira da primeira fonte

Do Universo esplendente,

A vibrar e a fulgir, acima do horizonte?"

Na bondade que marca os grandes instrutores,

Ele apenas me disse: "Irmã Dolores,

Conhecimento exige gradação,

Não faças do porvir um ponto de aflição...

Sigamos, passo a passo,

Sem antecipações do Tempo, ante as forças do Espaço.

Aprimora-te, estuda, informa e ensina,

Mas fitando as Alturas,

Não tentes alcançar em visões prematuras,

Todo o excelso fulgor da Grandeza Divina..."

Interrompeu-se um tanto, ao pisarmos na Terra,

E prosseguiu depois, em tom profundo:

- "Nota, irmã, este nosso antigo mundo...

Quantas lições encerra!

Quem nos explicará, conscientemente,

O segredo interior de uma simples semente?

Que força existirá na flor que desabrocha,

Como entender a formação do mar

E a gênese da rocha?

É preciso, porém, caminhar, caminhar,

E servir por dever...

Outros pesquisarão na luz da inteligência

Os princípios celestes da existência...

Quanto a nós, entretanto,

Vendo tantos irmãos em dura prova,

Sem mágoa e sem espanto,

Cabe-se acender a luz da vida nova

E construir o bem ao suprimir a dor.

Busquemos o trabalho que nos chama,

Não há tempo a perder...

Vemos, por toda parte, o mundo que reclama:

- Quanta cousa a fazer! ...

Por agora, é impossível

Definimos, por nós, os mundos de alto nível;

Mas podemos ouvir, do palácio à choupana,

Toda a tribulação que atinge a vida humana...

8 Sonho e Trabalho Maria Dolores

13

Quantas mães, temos hoje a confortar,

Marcadas pela dor que lhes aflige o lar?

Quantos homens leais aguardam fortaleza,

A fim de prosseguir na luta que os retém

Sustentando no mundo a batalha do bem?

Quantos irmãos doentes sem defesa?

Quantos pedintes amargando crises?

Quantas crianças tristes e infelizes?

Quantos amigos jazem mutilados,

Quantos deles se arrastam desprezados?

Quantos barracos tombam sob o vento?

Quantas mansões guardando o sofrimento?

Quantos homens, tentando a deserção da vida?

Como paralizar tanto impulso suicida?

Na pausa do instrutor que silencia, atento,

Fitei de novo, a luz do firmamento

E de olhar retornando à vastidão do mundo,

Eis que em meditação e em prece me aprofundo...

E concluí, de mim para comigo:

- Deus de Infinito Amor, por tudo te agradeço,

Não me deixes, porém, pensar em céus que ainda

não mereço! ...

Dá-me forças na estrada em que prossigo,

A Terra que nos deste é o nosso imenso lar...

Faze-me trabalhar! ...

Ajuda-me, Senhor,

A espalhar a esperança, a cultivar amor

E deixa-me aceitar e compreender

Tanta gente a lutar, tanta cousa a fazer!...

14

Não te doa a obrigação de repetir, vezes e vezes,

esse ou aquele esforço que consideres de sacrifício.

Se já te aceitas na condição de criatura

imperecível, reflete no tempo gasto pela sabedoria

da vida, nas criações na natureza.

Sabemos que a gestação do diamante, no

claustro da Terra exige milênios.

Com semelhante ensinamento, perguntemos a

nós mesmos quantos séculos despenderemos para

construir a compreensão e o devotamento, a

humildade e o amor, no campo da própria alma.

Meditemos nisso e abracemos com paciência as

tarefas que nos foram confoadas.

Regozija-te com as obras de renúncia dentro do

lar; ele é o reduto em que te habilitas para a total

consagração à Humanidade.

Agradece ao trabalho que te cerca de problemas

e, tantas vezes te alaga de suor; nele aprendes a

conquistar a sublimação e a criatividade dos anjos.

Abençoa os dias de prova em que a vida te pede

serviço habitualmente entremeado de labaredas de

inquietação com aguaceiros de pranto; tempo

chegará em que eles trarão a soma das

experiências que se fará luz permanente para os

teus próprios caminhos entre os sóis da

Imortalidade.

Rejubila-te com a possibilidade de contar

comas aulas da angústia e do sofrimento, no

aprendizado da vida terrestre.

Os olhos que nunca choraram raramente

aprendem a ver.

Provas

Meimei

9

15

Quando mãos devotas e piedosas

Arrancaram da cruz o Cristo Amado,

Certo amigo

A revelar extremo desconforto,

Exclamou para o lento áspero, erguido:

- "Antes nunca tivesses existido,

Cruz infamante, horrível instrumento,

Pouso de criminosos,

Ódio a ti para sempre, cruz maldita!"

Mas eis que, em tudo, a vida brilha a estua...

A cruz assinalando a maldição,

Mostrou sentir a própria humilhação...

Atormentada e triste,

Relegada, por fim, à sombra merencória,

Acreditou-se a escória

De tudo quanto existe.

Destacou-se, porém, generoso emissário,

Dentre os Espíritos Sublimes,

Assessores de Cristo no Calvário,

Que acompanhando a cena,

Falou à cruz silente e abandonada,

Carregando de amor e a voz serena:

- "Não te sintas ferida ou desprezada,

Cruz generosa e amiga,

Por mais que o homem te maldiga,

Ninguém te arredará do quadro e da memória

Onde o Cristo estiver nos destaques da História...

É preciso te lembres

Que Jesus te escolheu, racionalmente,

Para atender a Deus, no sacrifício ingente,

A que se deu para elevar o mundo...

O Mestre poderia

Ter escolhido outro instrumento

O anjo

e a Cruz

Maria Dolores

10

16

Para fazer-lhe companhia,

Na amarga agitação que vimos neste dia,

Talvez algum punhal brazonado e violento,

Alguma lança de aguçado corte,

Lapidação ou açoite

Fossem a escolha dele para a morte

Entretanto, o Senhor

Para remate da missão de amor,

Elegeu-te como és,

Madeira despojada,

Obscura madeira,

Para expressar contigo a lição derradeira

Que nos podia ser doada...

Ele, Jesus, sabia

Que tiveste um passado de alegria...

Eras árvore linda, em vigor opulento,

Crescendo para o Sol, às carícias do vento...

Vivias descuidada,

A cobrir-se de flores e de frutos,

Que oferecias sem quaisquer tributos

A quem te procurasse o verde tronco...

Eras o doce lar dos passarinhos.

Encantava-te a música dos ninhos,

Mas sob os golpes de machado bronco,

Tombaste, certo dia...

Ninguém mais te lembrou a bela ramaria,

Nem mais te recordou o refúgio e a riqueza

Que trazias nos braços

Pela bênção de Deus na luz da natureza...

Logo após abatida,

Foste feita aos pedaços,

Maltratada, vendida e revendida...

A Terra não conhece a dor que te consome

E para quem te veja como estás,

És madeira sem nome,

Mas o Mestre da Vida e Príncipe da Paz

Elegeu-te a presença dolorida

Para exaltar com ele as lágrimas da vida...

Contigo, o Cristo Amado quer dizer

Ao sublime futuro por nascer

17

Que o Céu não desampara os fracos e os caídos,

Que a vitória do bem, criando resplendores,

Nem sempre dos vencidos!...

Por isto, oh! Cruz de bênçãos salvadoras,

Na civilização que se aproxima,

Brilharás muito acima

De quaisquer expressões renovadoras.

Terás imitações de prata e ouro

Por sinal de Jesus, no caminho vindouro,

Resplenderás, no mundo, em muitas leis,

Serás consolação dos pobres deserdados,

Tanto quanto prestígio e poder conjugados,

Desde a choça da fé ao palácio dos reis!...

Por tudo isso,

O Céu mandou fazer-te em dois pedaços,

Um deles vertical

Apontando no Além a amplidão dos Espaços,

O outro horizontal em traços certos,

Simbolizando o amor universal,

Muito embora, entre os homens esquecido,

Escorraçado, preso, combatido,

Mas de braços abertos...

Cruz amiga de forças benfazejas,

Deus de guarde e abençoe, bendita sejas!..."

Nesse exato momento,

Desfizeram-se nuvens

Descerrando a visão do firmamento...

A Lua apareceu em remoto horizonte,

Concentrando clarões nos ápices do monte,

Abrilhantando em tudo os detalhes da cruz

Que não mais resguardava

Qualquer nota de dor e de agonia...

Cintilante no alto, o lenho parecia

O caminho real da Perfeita Alegria

Para o Reino da Luz.

18

Cada criatura, na Terra, traz consigo uma cela

oculta em que trabalha com os instrumentos da

provação em que se burila.

Pensa nisso e auxilia aos que te rodeiam.

Esse companheiro alcançou a fortuna, mas sofre a

falta de alguém; outro dispõe de autoridade, no

entanto, suporta espinhosos conflitos nos

sentimentos; essa irmã construiu o lar sobre preciosas

vantagens materiais, contudo, tem um filho que lhe

destrói a felicidade; e aquele outro atingiu o favor

público, entretanto, é portador de moléstia indefinível

a corroer-lhe todas as forças.

Quando encontres alguém que te pareça em crises

de inquietação e desarmonia, isso não é sinal de que a

tua presença se lhe fez indesejável.

Esse alguém estará em momentos de enormes

dificuldades no reduto invisível do coração em que se

aperfeiçoa. E os resíduos da luta íntima se lhe

transbordam do ser pelas janelas do trato.

Observa o ponto nevrálgico da própria vida em que

o sentimento te procura para efeito de prova e

compadece-te dos outros para que os outros se

compadeçam de ti.

A Cela

Oculta

Meimei

11

19

Em muitas ocasiões,

Sofres ante os próprios gritos,

Abafados nos conflitos

Das tentações a transpor...

É o fel do orgulho ferido,

A rebeldia, a tristeza,

As lutas da natureza,

Agindo em nome do amor.

Queres seguir nos princípios,

Que a Lei Divina te aponta,

Mas as sombras são sem conta

Que o desânimo produz...

Cais, reergues-te e caminhas,

Às vezes, cambaleando,

E, em preces, perguntas quando

Chegarás à Grande Luz.

Entretanto, alma querida,

Deus nos conhece os problemas,

Cala-te, serve e não temas

Treva, amargura ou pesar...

O erro é sinal de escola,

A dor é lição contigo

E Jesus segue contigo.

Não pares de trabalhar.

Norma

de

Vencer

Maria Dolores

12

20

Muitos companheiros em abençoadas tarefas

alusivas ao próprio aperfeiçoamento, na seara do

bem, largaram encargos e compromissos por ouvirem

dizer...

Ouviram dizer palavras descaridosas que lhes

arrefeceram o propósito de trabalhar e o anseio de

servir.

Prepara-te a fim de ouvir semelhantes projeções de

zombaria por parte daqueles que ainda não

despertaram para o amor que Jesus nos ensinou e não

abandones o teu lugar de ação.

Se cometeste algum erro no passado, dirão que não

mereces confiança.

Caso ainda não possuas cultura do mais alto

gabarito, nomear-te-ão por ignorante.

Na hipótese de usares discrição e benevolência

para com os outros, classificar-te-ão por modelo de

ingenuidade.

Se carregas algum desajuste psicológico,

suportarás julgamentos precipitados com amargos

pejorativos de permeio.

Em revelando essa ou aquela enfermidade,

afirmarão que te apaixonaste por desânimo e doença.

Demonstrando afeição mais íntima por essa ou

aquela pessoa, desenharão estranhas sombras sobre

os teus mais belos sentimentos.

Quando isso te ocorra, escuta as censuras que se te

façam, guarda silêncio na certeza de que Deus tudo

reajustará no tempo próprio e prossegue agindo e

construindo a felicidade do próximo, porquanto

erguer a felicidade alheia será descerrar no coração a

fonte de nossas próprias alegrias.

E ainda mesmo quando as tuas faltas hajam sido

muitas, continua trabalhando e servindo, no

levantamento do bem, recordando que o próprio

Jesus declarou, ele mesmo, não ter vindo à Terra

para curar os sãos.

Ouve e

Segue

Meimei

13

21

Procurei ansiosamente

Um símbolo do amor de Deus no mundo,

Carinho permanente,

Amor que nada mais pedisse à vida,

A fim de estar contente,

Que o dom de ser amor sublimado e profundo...

Vi o Sol trabalhando sem cansaço

Doando-se sem pausa, alto e bendito,

O astro imenso, porém, pedia espaço,

De maneira a brilhar nas telas do Infinito.

Julguei achar na fonte esse traço perfeito,

Fitando-lhe a corrente a servir sem parar,

Mas a fonte exigia a hospedagem do leito

A fim de prosseguir à procura do mar.

Fui à árvore amiga e anotei-lhe a lição:

Conquanto a se entregar tanto aos bons quanto

aos brutos,

Precisava defesa e vínculos nos chão

Ao fornecer, sem paga, a riqueza dos frutos.

Vi a abelha no favo a pedir mel às flores,

Nuvens para servir solicitando alturas,

Escolas em função buscando professores

E o lar para ser lar exigindo estruturas.

Toda força do bem que ao bem se entregue

Em bondade constante e em contínua grandeza,

Assegura-se, vive, auxilia e prossegue,

Algo requisitando ao Mundo e à Natureza.

Em ti, unicamente, Mãe querida,

Encontro o amor que nasce e cresce, em suma,

No sacrifício puro, acalentando a vida,

Sem reclamar da Terra cousa alguma.

Eis porque sobre todo amor que existe

As Mães são guias, anjos, cireneus,

Cujo brilho por si nos protege e persiste

Em ser somente amor, no excelso amor de Deus.

Estrela, Deus te guarde em teu fulgor celeste!...

Agradeço-te a luz, o carinho e o perdão...

Bendita sejas, Mãe, porque me deste

A presença de Deus no coração.

14 Mãe

Maria Dolores

22

Senhor! ...

Disseram os homens que me queriam tanto, mas ao

atingir-lhes a casa, não dialogaram comigo, segundo as

minhas necessidades.

Quase todos me ofereceram um berço enfeitado, mas

poucos me deram o coração.

Afirmam que devo procurar a felicidade, entretanto,

não sei como fazer isso, se os vejo a quase todos

sofrendo e rebelando-se por não aceitarem as disciplinas

da vida.

Escuto-lhes as lições de paz, contudo, acompanholhes

as rixas em vista de estarem sempre exigindo o

maior quinhão de recursos da Terra.

Recomendam-me buscar alegrias, mas, muitas vezes,

observo que está misturado de lágrimas o leite que me

estendem.

Erguem palácios para mim, no entanto, entre as

paredes dessas mansões coloridas e belas, renovam, a

cada dia, reclamações e queixas que não sei

compreender, nem registrar.

Explicam que preciso praticar o perdão e, ao mesmo

tempo, muitos me mostram como exercitar a vingança.

Senhor! ...

Que será de mim, neste grande mundo que construíste

entre as estrelas, sempre adornado de flores e aquecido

de Sol, se os homens me abandonarem?

Faze que eles reconheçam que dependo deles como o

fruto depende da árvore. E, tanto quanto seja possível,

dize-lhe, Senhor, que terei comigo apenas o que me

derem e que posso ser, enquanto estiver aqui,

unicamente o que eles são.

Súplica

da Criança

15

Meimei

23

Notando um companheiro

Trabalhando a chorar,

Fraternalmente perguntei,

Sem qualquer pretensão,

Como podia eu suprir-lhe o pesar,

Através da oração...

Ele me respondeu, de sentimento aberto,

- "Irmã Dolores,

O meu drama por certo

É um caso igual a muito caso triste..."

E como se fitasse o próprio centro

Do romance de dor que trazia por dentro,

Esclareceu, sereno:

- "Penso que amor de mãe é luz maior que existe

Depois do amor de Deus que nos envolve e aquece.

Pois, creia. Há doze anos

Fui expulso

Do ninho maternal para sofrer

Terríveis desenganos

Que nunca admiti me vissem testar

A energia da fé e o perdão por dever,

Benfeitores daqui me prepararam

Para existência nova...

Cabia-me voltar á Terra, o educandário,

Onde entraria em prova

Para seguir, mais tarde, em nosso itinerário,

Fui levado ao casal que me receberia;

Ante a futura mãe que Deus me concedia,

Enterneci-me tanto

Que me desfiz em pranto de júbilo sublime...

Era uma jovem de maneiras ternas,

De olhar meigo e profundo,

Assunto

de

Mulher

Maria Dolores

16

24

Pareceu-me, em verdade, ao conhecê-la,

Que viveria ao lado de uma estrela

Em regressando ao mundo...

Amparado por nossos benfeitores,

No preciso momento,

Adormeci em branda anestesia,

Depois, sem aflição, sem sofrimento,

Não sei como me vi ligado a ela...

Tinha a idéia de estar num sonho de alegria,

Restituído ao tempo de criança...

Dormido, descuidado, em pequena cela,

Junto à jovem mulher que me aguardava,

Não podia dizer se vivia ou sonhava...

Sentia-me crescer envolto de amor puro,

Antevendo, feliz, o brilho do futuro...

Mas, quando tudo parecia

Que estava retornando a novo dia,

Senti-me crescer deslocado, de repente,

Sonâmbulo, inconsciente,

Supliquei proteção naquele pesadelo...

Ninguém, ninguém me ouvia o repetido apelo,

Reconheci, por fim,

Naquele coração a que o Céu me entregara

Um coração de gelo,

Que me batera e me expulsara

Infeliz, humilhado e semimorto,

Num processo de aborto...

Por muito tempo andei numa nuvem estranha,

Remoendo revolta e desesperação,

Como quem despertava, a pouco e pouco,

Até que, em certo dia, acordei quase louco,

Padecendo terrível sensação...

Não quis ouvir qualquer aviso

Que me induzisse à bênção do perdão...

Fiz-me um demônio de improviso,

Duro perseguidor,

Flagelando, a rigor

Aquela que me dera o menosprezo e a morte,

Aniquilando-me à vontade

Em regime de plena impunidade...

Fui encontrá-la numa festa,

Gritei-lhe em rosto o meu ressentimento,

Ela não me escutou, na forma acostumada,

Mas sentiu-me a presença envenenada,

Sob a forma de culpa e de arrependimento...

25

Exagerei-lhe a dor, amargurei-lhe a vida,

Dia a dia, hora a hora, em agressão comprida,

Até que meu desforço injusto e inglório,

Vi-lhe a entrada num triste sanatório..."

E o companheiro transformado

Em obreiro do bem que servia, a meu lado,

Solicitou, comovedoramente: -

- "Agora que compreendo

O dever de ajudar pela bênção do amor,

Já não sou mais o obsessor...

Preciso devolver-lhe o equilibro e a saúde,

Fazer-lhe todo o bem que ainda não pude,

Extirpar a raiz dos males que lhe fiz

E auxiliá-la a ser feliz...

Hoje é o dia em que devo estar com ela

Em vista de paz numa prece singela...

Quer ir comigo, Irmã?" – Falou o amigo.

E lá me fui ao generoso abrigo

Em que vive a doente...

Não posso descrever o quadro comovente,

A dor que me feriu ao vê-la desgrenhada.

Ao sentir-nos de perto a pobre dementada,

Agitou-se ferida na memória

E recapitulando a própria história,

Começou a gritar em penoso estribilho: -

- "Doutor, quero o meu filho...

Onde ficou meu filho?..."

Tocados de emoção,

Oramos pela paz da doente querida,

Mas pensando na dor que geramos na vida,

Roguei a Deus:

- "Senhor, quando eu voltar ao mundo,

Seja qual for o campo em que estiver,

Não me deixes perder o sentido profundo

Que puseste em amor, na missão da mulher!..."

26

Grande é a escola da vida humana!...

Disputaste situações de destaque, junto ao homem

de altos negócios, crendo encontrar ele o apoio de que

necessitas, entretanto, na maioria dos casos, é

justamente esse chefe responsável quem precisa de tua

proteção sacrificial, a fim de sobreviver.

Aceitaste a união esponsalícia com o cavalheiro

nobre e robusto, admitindo seja ele o benfeitor que se te

fará defesa e salvaguarda, nas trilhas humanas, e, quase

sempre, nele percebes o homem fatigado e aflito que

não prescinde do teu auxílio, de modo a cumprir os

encargos que a vida lhe reservou.

Solicitaste em casamento a jovem de bonita

figuração, na certeza de que ela se te erguerá em

consolo e fortaleza na jornada humana e,

freqüentemente, nela descobres a mulher frágil e por

vezes doente, a requisitar-te continuada atenção para

que não resvale em leviandade ou loucura.

Pediste à vida um filho, na esperança de conquistar

em teu próprio rebento um companheiro fiel que te

continuará o trabalho ou te realizará os mais belos ideais

e terminas, muitas vezes, por identificá-lo na posição de

um amigo infatigável, a fim de que não te arraste a

problemas insolúveis.

Recebeste nos braços uma filha querida, imaginando

que o futuro nela te configurará a presença de alguém

que te abençoará na velhice ou te assistirá na

enfermidade, mas em muitas ocasiões, cedo reconheces

nesse coração adorável uma criatura vacilante e rebelde,

a reclamar-te tolerância incansável, para que te não

precipites na delinqüência.

E assim caminharás na estrada terrestre, aprendendo

a amar e a construir, auxiliar e suportar a com heroísmo

e paciência, até que te ausentes do Plano Físico na luz

da vitória sobre ti mesmo.

E se perguntares ao Senhor da Vida o porquê de

tudo isso ele te dirá certamente:

- "Sim, enviei-te os necessitados do mundo para que

pusesses igualmente atender à tua necessidade de

elevação".

Necessitados

17

Meimei

27

Era ele um cristão de crença pura,

Caminhava na vida

Mostrando fé vibrante e fronte erguida,

Devoto da verdade e da brandura...

Escrevia e pregava em verbo ardente,

Vergastava costumes e preceitos,

Exigia no mundo irmãos perfeitos,

Reclamava virtude em toda gente.

Alentava, no entanto, antigo anseio,

Entretecido de carinho e luz,

Nas súplicas ao Céu, dia por dia,

Clamava e ansiosamente repetia

Em alto devaneio:

- "Quero encontrar Jesus! Quero encontrar Jesus!..."

Sonhava ver e ouvir o Mestre Amigo,

Abraçá-lo, retê-lo,

Depois, testemunhar-lhe todo o zelo

Que trazia consigo

A inflamar-se de amor...

Mas, ei-lo a procurar, em andanças no mundo,

Erros, falhas, defeitos, cicatrizes,

A fim de levantar o látego infecundo

Sobre os irmãos caídos e infelizes.

Páginas primorosas escrevia

Com lindas conferências de permeio,

No intuito de afastar do campo alheio

As nódoas que ele, acaso, percebia...

Tempos rolaram sobre o tempo mudo

E nada mais fazia o cristão combatente...

Entretanto,

Em matéria verbal, sabia tudo,

Tudo o que fosse amargo ou deprimente.

Em nome de Jesus, erguia a frase rara,

Qual bisturi que corta, poda e apura,

Manejava a palavra fina e rara,

Em constante censura.

Certa noite, porém, depois de muitos anos,

Viu-se fora do corpo, a pervagar...

De improviso, oh! surpresa!... viu Jesus

Que nele punha o generoso olhar...

Verdade e

Amor

Maria Dolores

18

28

Notava que Jesus o fitava em silêncio,

Dispondo-se, talvez, a partir sem demora,

Ele gritou: - "Senhor, abençoa-me a fé,

Espero, desde a infância, este encontro de agora...

Dize, amado Jesus, se estou certo em caminho,

Quero apenas fazer aquilo que te agrade,

Tenho feito da vida um combate sem tréguas,

Mostro os erros do mundo e defendo a verdade!

Ao meditar em ti, vejo em franca expansão,

Os conflitos mortais que amarguram a Terra,

Paixão, intemperança, orgulho, hipocrisia

E a presença do mal trazendo a morte e a guerra!...

Irmãos dilapidando irmãos, estrada a estrada.

Convertem-me a palavra em chicote violento,

Grito, protesto, acuso e denuncio...

Explica-me, Senhor, se tenho estado atento!..."

Mas Jesus respondeu: - "Agradeço-te, irmão,

Quanto me tens doado em franqueza e rigor,

Não olvides, porém,

Que a construção do Bem,

Solicitando, embora, a base da verdade,

Nunca se elevará no apoio à Humanidade,

Sem o teto do amor...

Não deixes de amparar... Anota as leis da vida,

Esclarece, corrige, ensina, mostra, fala!...

Mas, recorda: não basta apontar a ferida,

Depois de conhecê-la, é preciso tratá-la.

Volta ao mundo e prossegue,

Retifica sem fel e ajuda sem impor,

Verdade que produz é aquela que auxilia,

À maneira do Sol que acende a luz do dia

E estende a vida ao chão em dádivas de amor!..."

O amigo despertou a desfazer-se em pranto,

Inflamado de júbilo e de espanto,

Ergueu-se novamente para a vida...

Em seguida,

Descerrou-se a janela junto dele...

Fitando a rua em frente,

Viu homens construindo

A se esforçarem afanosamente,

Doentes repousavam na calçada,

Pobre mãe desprezada

Passava carregando um pequeno enfermiço...

Tudo era petição de amparo e de serviço...

Não longe, uma criança sem ninguém

Começou a chorar...

Nisso, ele ouviu de novo a voz do Mestre Amado,

No íntimo do ser,

Qual se estivesse ali, respirando a seu lado,

Presente a lhe dizer:

- "Escuta, meu irmão,

Posso falar-te aqui na paz do coração!..."

Depois, disse baixinho:

- "Se queres atingir a luz do Eterno Lar,

Eis, em teu mundo mesmo, os marcos do caminho:

-Trabalhar e servir, servir e trabalhar!..."

29

Muitos companheiros da Terra que perderam entes

queridos em processos de crueldade estimariam ouvirlhes

as impressões do Mais Além, com referência às

provas sofridas ao se despedirem do Plano Físico.

E as respostas, comumente, lhes soariam aos

ouvidos, insuflando-lhes surpresa e admiração.

Os desencarnados que se reconhecessem livres das

estreitezas humanas lhes surgiriam ao entendimento

por advogados de seus próprios algozes.

Filhos abatidos pelas armas de salteadores

infelizes pediriam o perdão dos pais em benefício

deles, compreendendo-lhes o suplício da consciência

culpada; pais sacrificados por pessoas inescrupulosas

solicitariam a tolerância e a bondade dos descendentes

para quantos lhes promoveram a destruição da

existência terrestre; criaturas violentas no próprio

corpo e seviciadas até a desencarnação suplicariam o

socorro dos entes amados para aqueles que lhes

impuseram a morte; e amigos massacrados por

agressores voltariam da Vida Maior, implorando

compaixão para quantos lhes tramaram a perda.

Se, algum dia, tiveres de ouvir os seres queridos,

transportados para a Vida Superior, sob pesados

golpes da delinqüência, não guardes qualquer idéia de

condenação e vindita. Quantos deles já se encontrem

identificados com os ensinamentos de Jesus, te

rogarão piedade e amor para com os perseguidores

que os feriram, de vez que todos aqueles que

atormentam e arrasam os seus próprios irmãos não

sabem o que fazem.

Não

Sabem

Meimei

19

30

Expiara, por fim, o Mestre Nazareno.

Cessara a gritaria... O Céu, dantes sereno,

De improviso apresenta a sombra que o invade...

Anuncia-se enorme tempestade.

Raros amigos

Permanecem no monte.

Cristo agora está morto,

Pendera-se-lhe a fronte

Despegada no lenho...

Tudo ali era pó, tristeza, desconforto...

Nisso, um homem tristonho e maltrapilho,

Qual mendigo varando a névoa espessa,

Abeira-se da cruz... É Barrabás

Que exibe extensa chaga na cabeça,

Sanguinolenta nódoa adquirida

Na enfermiça prisão que lhe amargara a vida,

Sem arrimo e sem paz.

O pobre delinqüente

Que tivera o favor da multidão

Obtendo perdão,

Em lugar de Jesus,

Parou ali, fitando longamente

O réu crucificado.

- "Por que motivo fora o Cristo condenado?"

Em solilóquio amargo, refletia –

"Não era Cristo o Sol do novo dia,

O Grande Prometido anunciado?... "

Enquanto se ralava em pensamento,

Pequena gota de suor sangrento

Veio do morto a ele,

Em movimento subitâneo,

Talvez trazida pelo vento

Ao lhe pousar no crânio...

Recordações de Barrabás

Maria Dolores

20

31

"Oh! prodígio dos Céus!..." – exclamou Barrabás,

E levando à cabeça as mãos inquietas,

Ajuntou assombrado:

- "Que vejo aqui? Estou recuperado! ...

Este amigo dos pobres Galileus

Terá vindo de Deus? ...

A chaga que eu trazia em sangue e lodo

Foi curada de todo..."

E, erguendo mais a voz ao Céu, marcado a trevas,

Exaltou-se, fremente:

- "Agradeço-te, oh! Deus Onipotente,

À inesperada graça a que me levas,

Curaste-me ao suor de teu Messias

A ferida cruel que me arrasava os dias,

Não só isto, porém,

Oh! Deus do Eterno Bem! ...

Não quiseste salvar quem falava em teu nome

E fizeste-me livre novamente,

Ante a comprovação de toda gente...

Não há condenação que me busque ou me tome,

Sinto-me, agora, oh! Deus, em plena luz,

Colocaste-me acima de Jesus!...

Matei, furtei, prejudiquei... No entanto,

Vejo-me sob a força de teu manto...

A ti, Grande Jeovah, o meu louvor sem fim,

Desprezaste a Jesus e libertasse a mim! ..."

E tomado de orgulho,

Insensível de todo ao crescente barulho

Dos trovões e do vento em derredor,

Com terrível acento,

Ele bradou ao firmamento: -

- "Fala, grande Jeovah, o que já sei...

Abatido Jesus, conforme a Lei,

Livre, tal qual me vejo,

Serei eu o maior?"

Entretanto, um dos anjos de alto nível

Que velava na tarde inesquecível,

Representando os Céus, ao pé da cruz,

Tomou a forma humana e disse: - "Barrabás,

Não nos roube a paz,

Nem blasfemes, à frente de Jesus! ...

Toda vida é missão perante Deus

Que a Lei de Deus pode alterar,

32

Reconstruir, mudar ou recompor

Nos princípios do amor! ...

Mas ouve, meu irmão

Entre a tua existência e a senda do Senhor

A diferença é ilimitada,

Aos chamados do Pai, eis que Jesus se eleva

Em liberdade plena, à Vida Soberana,

Quanto a ti, Barrabás, na estrada humana,

Continuas cativo às correntes da treva

Que entreteceste, em torno de ti mesmo...

Jesus resplenderá nos cimos do Universo,

Teu destino, porém, mostra rumo diverso...

No indulto que tiveste, ante aplausos embora,

Guarda a certeza disto:

Não mereces morrer para ser livre agora...

Com o amparo do Cristo,

Seguirás para a gente, a passo tardo,

Suportarás o fardo

Dos remorsos de fel a que te algemas...

O Senhor buscará nas Alturas Supremas

Os sóis livres do Eterno Alvorecer,

A Pátria dos Heróis, ridente e linda...

Quanto a ti, Barrabás, é cedo ainda

Para buscar o Além... O resgate é dever...

Segue, querido irmão,

À procura da própria redenção,

Necessitas da Terra... É preciso aprender..."

Barrabás, assustado, pôs-se em pranto,

E vergado de dor, angústia e espanto,

Viu-se no temporal rude e violento,

Preso ás cadeias do arrependimento...

E agora mais em si, mais solitário,

Desceu chorando as pedras do Calvário;

E espancado a granizo, a pensar e a sofrer,

Falava, a sós consigo, alarmado e abatido: -

"Graças te dou, meu Deus, por haver

compreendido!...

Necessito da Terra... É preciso aprender!..."

33

Se já te reconheces na condição de alma

imperecível, compadece-te dos outros e diminui os

problemas que lhes possam alcançar o coração.

Qual te ocorre, todos eles carregam consigo

necessidades e lágrimas.

Esse adquiriu débitos de grande porte e

despenderá longo tempo para ressarci-los; aquele

mora num espinheiro em forma de lar; aquele é

portador de enfermidades irreversíveis; aquele outro

ainda traz o coração retalhado de angústia por haver

perdido um ente amado nos labirintos da morte.

Se sabes no caminho onde se oculta alguma

pedra, capaz de ferir os pés alheios, procura retirála,

em silêncio, sem criar complicações. Se

conheces algum episódio desagradável, acerca da

vida de alguém, cala-te e ora pela paz desse alguém,

porque não conheces a estrada que trilharás amanhã,

em cujos obstáculos poderás perder o próprio

equilíbrio.

Não faças perguntas que funcionem por lâminas

revolvendo o coração dos que te ouvem e evita as

questões dolorosas que a tua palavra seja incapaz de

resolver.

Aprende, em tua convivência, a nutrir a união e a

paz, a esperança e o bom ânimo, buscando esquecer

indagações suscetíveis de levantar qualquer

comentários maledicentes.

Compadece-te de todos, mas especialmente

daqueles que vivem junto de ti.

Não cortes a mão que te auxilia, nem derrubes o

telhado que te protege.

Ama somente e acertarás.

Assunto

de Todos

Meimei

21

34

A senhora viúva, dia a dia,

Sob os efeitos de uma hemiplegia,

Trazia a própria vida concentrada

Na cadeira de rodas, manejada

Por amiga enfermeira.

Dos parentes mais íntimos

Um filho lhe restava, um filho só,

O filho que ela amava enternecidamente...

Marido, pais, irmãos, chamados pela morte,

Deixaram-lhe na vida

Muita emoção frustrada

E aquele moço forte

Que não lhe confortava a existência dorida,

Muito embora abastada.

Achando-nos na véspera do dia

Que marcaria o enlace do rapaz,

E a mãezinha doente

Num misto de alegria,

De esperança e de paz

Entregou-lhe, feliz, tudo quanto possuía:

A fazenda, as ações de grande companhia,

Os créditos de banco e a linda moradia,

Os créditos de banco e a linda moradia,

A dizer-lhe, contente:

- Filho, tudo o que tenho é seu...

De amanhã para a frente,

Passo a morar no estreito pavilhão

Que seu pai construiu ao fundo da mansão.

Desejo ver você e a jovem companheira

Sempre felizes, sem cuidados...

Toda alegria agora para mim

Será sabê-los sossegados,

Ante a bênção de Deus, na visão do futuro...

O filho comovido

Beijou-lhe as mãos num gesto de amor puro

E agradeceu a doação materna,

Prometendo-lhe em voz macia e terna,

Pela jovem com quem se casaria

Segurança, carinho, convivência

Para todas as horas da existência

Que desejava fossem

Adornadas de paz e de alegria.

Amar

para

Sempre

Maria Dolores

22

35

Depois do enlace, a enferma recebia

Cartões lindos da Europa...O casal de viajores

Via a lua-de-mel por um mundo de flores...

Ambos davam noticias da beleza

De Lisboa e Paris, de Florença e Veneza...

Mas de retorno ao lar, após a festa

De comemoração do regresso feliz

A dama recebeu na vivenda modesta

O jovem par... E a nora exigente lhe diz:

- Minha sogra, ouça bem!...

Seu filho e eu

Pensando em seu descanso,

Resolvemos agora transferi-la

Para um lar de repouso, um abrigo claro e manso

Onde a senhora viva mais tranqüila.

Precisamos aqui viver a sós,

Não pretendemos tê-la junto a nós.

Porque a pobre espantada procurasse

O olhar do filho amado para ver

A atitude interior que lhe viesse à face,

Ele mesmo aduziu:

É um pouso geriátrico, mãezinha,

A senhora, por lá, não estará sozinha.

Nada disse a velhinha, posta a um canto,

Tão somente mostrou silêncio e pranto...

No dia imediato,

Mudara-se-lhe o trato...

Internada num belo casarão,

Apesar da gentil acompanhante,

Eis que saudade enorme a domina e consome...

O recinto de luxo para ela,

Alma nobre e singela,

Tinha apenas um nome:

"Exílio e solidão".

Seis meses transcorreram, lentamente,

Não mais tornou a ver o filho ausente

E sem que a pompa, em torno, a reconforte,

A velhinha mais triste e mais doente,

De mágoa em mágoa, vagarosamente,

Entregou-se, de todo, às mãos da morte...

Ante as indagações do verniz social,

Deu-se-lhe sobre a Terra um lindo funeral...

A pobre repousou num sono longo e raro;

Mais tarde, despertou solicitando amparo.

Junto dela, um Emissário de Vigia,

Descortinou-lhe os Céus, comentando a alegria

Que a esperava na Altura...

A pobre mãe, porém, perguntou com ternura:

- E meu filho onde está?

- Sem dúvidas quaisquer – falou-lhe o mensageiro –

36

Tanto quanto ficou, seu filho ficará

Por muito tempo ainda em franco cativeiro,

Tem muito que lutar, nos encargos que leva,

Entre as forças da Luz e as tentações da treva...

Mas você, minha irmã, pode elevar-se agora,

Pelo sacrifício e devoção ao Bem,

Mundos da Eterna Aurora

Esperam-na no Além...

A senhora, porém,

Expressando respeito àquelas diretrizes,

Disse, calma e sincera:

- Não aspiro a viver entre os mundos felizes!...

Voltar a ver e acompanhar meu filho,

Sem qualquer empecilho,

É todo o Céu de minha longa espera.

O Mensageiro que lhe conhecia

Os tempos de doença e de agonia

Anotou com brandura:

- Irmã, descer da Altura Imensa

A fim de trabalhar sem recompensa

Em favor dessa ou daquela criatura

É conquistar maior merecimento...

Para estar com seu filho, em constante união,

Precisará viver

Sob o regime da reencarnação...

E, acaso, aceitará, por mãe a própria nora?

- Como não, anjo bom? – replicou a senhora –

Se Deus me consentir, assim regressarei,

Creio que a luz do amor é o princípio da Lei;

Se tenho no meu filho a bênção que procuro,

Como menosprezar a jovem que ele adora?

Amá-lo-ei melhor por minha nora

De quem devo ser filha no futuro...

Hei de amá-la também, voltando a ser criança,

Sempre encontrei no amor divina maravilha,

Minha nora no lar me acolherá por filha,

Serei nos braços dela uma nova esperança...

Envolverei meu filho e ela em meu sorriso,

Todo berço na Terra aponta o Paraíso...

Cinco anos passaram sobre o Tempo...

Hoje anotei um trio encantador:

Ante a filhinha: - luz recém-nascida –

Disse o pai ao beijá-la: "minha vida!"...

A criança sorriu no berço cor-de-rosa

E a mãezinha, a enfeitar-lhe o corpinho de flor,

Exclamou comovida e venturosa:

- "Deus te abençoe, meu anjo, meu amor!..."

37

Ante o materialismo que ensombra ainda muitos

caminhos na Terra, indaga de ti mesmo, em que terá

ele sido bom para as criaturas.

E, ao mesmo tempo, nessa contabilidade da alma,

ouve as testemunhas de Jesus, expondo-lhe a grandeza.

Escuta história dos corações arrancados à

delinqüência da alma, os depoimentos dos pais

consolados à frente de filhos desertores; os poemas de

aflição das mães que se resguardaram na embarcação

da fé, sob as tempestades das provações e das

lágrimas; os hinos de paz interior dos que perdoaram

as ofensas e as injúrias recebidas, considerando os

agressores quais seus próprios irmãos; as páginas de

heroísmo dos que souberam amar no espinheiro do

sacrifício; as epopéias ocultas dos que venceram

tentações e desafios das trevas na intimidade do

próprio ser; o cântico das crianças resgatadas da

doença e da morte; e as preces daqueles outros que

aceitaram a enfermidade e a desencarnação,

abençoando-lhe o nome e louvando-lhe o imenso

amor.

Pergunta em teus cálculos, quantas criaturas o

materialismo afastou do pessimismo e do suicídio; da

violência e do desespero e, por outro lado, relaciona

todas aquelas que Jesus conduziu à esperança e à

coragem, à renovação e à alegria.

Se necessitas de semelhante confronto para

conhecer a verdade, faze isso e acertarás.

Confronto

Meimei

23

38

Já não quero senão entendimento.

Graças te dou, Jesus, porque me ensinas

Que o teu amor, em tudo, é sempre grande,

Ainda mesmo quando se te expande

Na beleza das cousas pequeninas.

Sei que vivo distante do heroísmo

Que vejo fulgurar, entre as almas de escol,

Mas posso ser o apoio em que se tente

Socorro e proteção a uma planta doente

Para que não lhe falte a carícia do Sol.

Não consigo extinguir a penúria na Terra,

Entretanto, Senhor,

No espinheiral de luta em que ainda me embrenho,

Posso partir, sem mágoa, o pão que tenho

Para um gesto de amor.

Quantas lições me mostras no silêncio!...

A da semente enriquecendo o chão,

A das provas cruéis numa prece a vencê-las,

A da vela na noite sem estrelas,

Expulsando a tristeza e a escuridão...

Lembro a história de antigo fio d'água

Que criou no deserto amorável jardim,

Lembro a lagarta e a seda, nobre e rara,

A perola e a concha que a formara

Por lágrima de luz crescida em dor sem fim...

Penso na areia resguardando o rio,

Na pedra que se oculta, assegurando o lar,

Na raiz da roseira, às vezes, sob estrume,

Para que a rosa em vagas de perfume

Possa elevar-se à vida, existir e bilhar.

Observo e registro os meus empeços

Que o passado de débitos me traz,

Mas posso ser na fé que hoje me alcança

Uma simples tarefa, um toque de esperança,

Uma palavra boa e um sorriso de paz!...

Estou feliz, Senhor, porque me ergueste,

Serva que por teus servos se conduz,

E porque rogo luz sem que a treva me tome,

Por trazer em minhalma a bênção de teu nome,

Agradeço, Jesus!...

Cantiga de Gratidão

Maria Dolores

24

39

Empresa difícil no mundo íntimo – a desvinculação.

Se te encontras à beira de empreendimento assim

arriscado e se já consegues imaginar-te no lugar

daqueles que te rodeiam, medita nas repercussões de

que serias objeto ao recolher semelhante surpresa da

parte dos outros.

Certas separações apresentam na vida mental a

gravidade de cirurgias determinadas nos tecidos

orgânicos.

Um toque inadequado de bisturi seria suscetível de

criar prejuízos e problemas nas estruturas do corpo.

Uma providência inoportuna é capaz de estabelecer

lesões de grande extensão no campo da alma.

Decerto, na contabilidade da existência, surgem

devedores que desfrutam a possibilidade de retardar o

resgate total dos débitos contraídos. Em vista disso,

nada pode barrar-te as determinações mais intimas,

com exceção das Leis de Deus.

Entretanto, se a desvinculação comparece no

esquema das lutas morais em que te vês, compadecete

daqueles que te amam, talvez ainda sem

compreender-te.

Não te desvincule deles, de improviso, qual se

estivesses operando enfermos vários com pancadaria

no coração.

Ninguém deveria separar-se de alguém, sem

propiciar a esse alguém o equilíbrio preciso, a fim de

sustentar-se de pé.

Reflete nos pais e filhos, irmãos e companheiros

que a desvinculação violenta já relegou aos vales do

sofrimento e da morte e não assinales o teu caminho

com as lágrimas alheias.

Prepara o sentimento das criaturas que te

compartilham as experiências do dia-a-dia, antes de

entregar-te às renovações que desejas.

Compreensão e auxílio são vias importantes no

templo da caridade.

Deus nos ajude a pensar nisso.

Desvinculações

25

Meimei

40

Na floresta de Gubbio, um lobo se fizera

Uma espécie de monstro aterrador,

Mais astuto e mais hábil que uma fera

Parecia um terrível salteador,

Matando qualquer homem desarmado,

Espalhando pavor e aniquilando o gado...

Mas, Francisco de Assis foi procurá-lo, um dia,

E, em plena solidão,

Ao encontrá-lo, em vasta ramaria,

Começou a chamá-lo por irmão...

Em seguida, falou-lhe da bondade,

Da paz, da caridade, do carinho...

Pediu-lhe, por Jesus, alterar o caminho

Em que o pobre animal

Vivera até então

E terminou, rogando ao lobo atento

Fosse morar com ele no convento

E a fera obedeceu,

Sem demonstrar qualquer hesitação.

Seguindo o Irmão Francisco, achou-se em novo lar,

E, ao mudar de atitude, entregou-se, feliz,

No trabalho do bem, nas tarefas de Assis.

Era um guarda-noturno dos melhores

E, carregando um cesto aos dentes,

Buscava pães nos arredores.

Mas o chefe ocupado, muitas vezes,

Por semanas ou meses,

Ausentava-se em serviço,

Quase sempre reunido a Frei Leão,

Saía em sacrifício e peregrinação,

A fim de semear o ensino do Senhor,

Atento a inolvidável compromisso.

Nessas ocasiões,

O Irmão Lobo sentia

A carência de amor

E a fome de alegria.

Maria Dolores

O irmão

Lobo 26

41

Longe do Irmão Francisco, em todas as estradas

Era seguido a insultos e pedradas...

Mesmo entre os servidores do convento

Sofria ele o impacto violento

De varadas cruéis...

Chamavam-no "covarde", "lobo vil",

"Carniceiro feroz..."

E de tanto agüentar o tratamento hostil,

Vendo-se, um dia, a sós,

O Irmão Lobo voltou para a vida selvagem,

Na antiga sede de carnagem;

Tornando à condição a que dantes se dera

Nos instintos de fera...

Voltando o Irmão Francisco

À morada de amor que presidia,

Depois de longa ausência,

Teve noticia da ocorrência

Mas, embora cansado

E prematuramente envelhecido,

A lastimar o acontecido,

Ante as muitas saudades do animal,

Embrenhou-se no verde da floresta...

E reencontrou o Irmão Lobo, como em festa

Na vastidão da natureza,

Perseguindo, sem pausa, uma lebre indefesa.

- "Irmão lobo, o que é isto?"

Disse o recém-chegado.

- "Já não te lembras mais dos ensinos de Cristo?"

O lobo veio a ele, abatido e humilhado,

E respondeu, tristonho:

"Santo amigo, não pude suportar

As dores que sofria em vossa ausência,

Acreditei que o vosso sonho

Fosse uma realidade na existência,

Mas tenho ainda as marcas doloridas

De profundas feridas

Que os homens me fizeram...

Toda vez que deixáveis nossa casa

Tratavam-me com vara, pedra e brasa...

Não vi qualquer pessoa a não ser vós

Nos ensinos sagrados

Que trazeis a nós...

Deixai-me, santo amigo,

Sou lobo, apenas lobo no serrado,

Fera solta nas trilhas em que sigo ".

42

Francisco, então, enfermo e fatigado,

Replicou-lhe, porém:

- "Irmão lobo, recorda!... O caminho do bem

É aquele de Jesus...

Devemos aceitar a própria cruz...

Recorda as instruções que estudaste comigo,

Sentença por sentença!

Deixe que eu te interprete:

A lei é perdoar setenta vezes sete

Qualquer ofensa recebida...

A presença de Cristo é o sol de nossa vida...

Volta, comigo, irmão,

Eu também, já sofri calunia, provação...

Sinto-me fatigado,

Mas a fé no Senhor é uma luz em meu peito,

Continua, Irmão Lobo, de meu lado,

Resguarda-me, com Deus, na pedra

Em que me deito...

Necessito de ti na casa de onde venho,

As tuas grandes cicatrizes

Dos momentos que julgas infelizes

São feridas irmãs das ulceras que eu tenho!..."

O lobo cabisbaixo acompanhou o amigo,

Fez-se-lhe guardião na aspereza do abrigo,

Onde Francisco, dantes forte,

Pôs-se em chaga e oração

Para aguardar a morte...

Finda aquela existência engrandecida e bela,

O Irmão Lobo fugiu para um bosque vizinho,

Algo desatinado,

Como alguém que se vê desamparado

Sem rumo e sem caminho,

Em súbita carreira...

Ouvido no convento

Notou-se que ele uivava a noite inteira;

E porque se calara, de repente,

Quando o Sol regressou, resplandecente,

Um irmão de Francisco foi à mata,

Decidido a trazê-lo,

No máximo de zelo,

Para a vida de paz, de serviço e conforto...

Mas, surpreso, encontrou nas pedras do serrado

Um corpo de animal abandonado:

O lobo de Francisco estava morto.

43

Se tens o conhecimento exato disso ou daquilo, não

menosprezes quem o ignore.

Que será de tua verdade se não a utilizas para

construir ou abençoar?

Esclarece amando.

A semente escondida no solo será talvez, de futuro,

a árvore cujo fruto te favoreça e o tronco,

aparentemente desprezível, entre os dedos hábeis do

artesão, pode vir a ser o violino que interpretará os

sonhos do gênio que ainda não conheces.

Sobretudo, se já adquiriste essa ou aquela

qualidade enobrecida, traze-a no estojo da humildade,

para que não incomodes a ninguém com o brilho que

possas irradiar.

Que será de tua virtude, se não a empregas, em

beneficio dos outros?

Socorre abençoando.

Certas plantas de gosto amargo possivelmente

estão destinadas a fornecer-te medicamento, em

tempo oportuno, e o charco socorrido é capaz de

oferecer-te precioso jardim.

Não constranjas a ninguém com os teus pontos de

vista.

Nem sempre os outros seguirão teu caminho, tanto

quanto desejas ou como poderias talvez esperar, mas

terão em si e por si obrigações diferentes que lhes

foram assinaladas pela Sabedoria de Deus.

Meimei

Caminhos

diferentes

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44

Vendo a amizade estreita

Da filha que ela amava, ardentemente,

Com a jovem artista,

Comediante e equilibrista,

Sempre atirada sob a espreita

Da crítica feroz de muita gente,

O pai chamou-a e disse em palavras severas:

- 'Filha, não tens ainda vinte primaveras,

Estudas num colégio austero e nobre,

Dize: qual a razão

Que te leva a escolher a companhia

Dessa jovem mulher,

Reles mulher sem consideração?"

E, ante a muda surpresa da menina,

O pai continuou na censura ferina:

- "Proíbo-te qualquer intimidade

Com essa moça envilecida,

Que procura arruinar a própria vida,

E que na condição de atriz, quer

No palco ou na rua,

Anda de trama em trama,

Sempre despudorada e seminua

Numa trilha de lama..."

"Mas, meu pai", – disse a filha humildemente,

"Ela trabalha assim,

Para tratar do pai cego e doente..."

- "Minha ordem é o fim" –

Grita o progenitor, derramando azedume,

"Essa atriz para mim

É uma pessoa deprimente,

Que só por si resume

Calamidade, astúcia, meretrício.

Não mais te quero ver, onde estiver

Essa infeliz mulher,

Hoje dama do vicio"

O Socorro

imprevisto

Maria Dolores

28

45

A menina chorou e obedeceu.

Não mais buscou a antiga companheira

E fez mais do que isso,

Negou-se a recebê-la quando procurada,

Alegando trabalho e compromisso.

Mas os dias na Terra vêm e vão...

Numa clara manhã de tórrido verão,

A família fidalga está na praia,

Pai, mãe e filha, em meio dos banhistas...

A multidão descansa, olhando o mar,

Toda gente partilha o mesmo ar,

Os filhos da cidade e os grupos dos turistas.

O mar naquele dia

Estava diferente...Parecia

Um gigante que se alteia

Para depois cair aos estrondos na areia...

Eis que, em certo momento, uma onda mais alta

Chega de escantilhão

E arrasta para longe a menina fidalga

Que desce às profundezas de roldão.

A pobre vem à tona

E grita por socorro,

Aprestam-se a salvá-la os guardas de vigia;

Há confusão, desordem, gritaria...

No entanto, de um grupinho, à parte dos demais,

Certa jovem que estava em gargalhadas,

Avança, mar a dentro, bem valentes braçadas,

Mergulha, em certo ponto, e num momento,

Volta trazendo a jovem desmaiada.

Mas ao depô-la salva, em terreno seguro,

Um vagalhão enorme, um monstro escuro

Arranca a salvadora para trás,

A moça não resiste ao assalto voraz

E, a debater-se, em vão, é atirada

À distância e vai ao fundo...

Esforça-se debalde...Está presa entre plantas,

Que procura vencer, contudo elas são tantas!...

Na luta que mantém, de segundo a segundo,

Perde as forças...Por fim, se desanima,

Não consegue voltar ao ar leve de cima...

Em torno, a multidão, grita por ela,

Agitam-se homens-rãs, correm os nadadores,

Depois de esforços desesperadores,

A moça vem à tona...Posta num barco à vela,

A menina está morta e, em breve, junto dela,

Une-se toda gente, a lastimar-lhe o fim...

Aflito, chega o pai da jovem salva,

Põe-se a rogar: "Acordem a heroína,

Essa moça merece a Proteção Divina,

Ela salvou-me a filha,

A filha que é meu sonho e a luz que me conforta,

Quero entregar-lhe um prêmio e senti-la feliz..."

Mas fitando no barco a pobre moça morta,

Retrocedeu chorando...Era a famosa atriz.

46

Emaranhas-te, algumas vezes, no cipoal da

incompreensão de seres queridos.

Aqui, é um filho que se te afigura inacessível às

diretrizes de renovação; mais além, é um coração

amado que parece não mais te suportar os convites ao

bom senso.

Não insistas com intimações palavrosas. Ameaças e

desafios assemelham-se a marteladas sobre pregos de

fixação.

Oferece-lhes bondade e simpatia, quando te não

consigam entender, mas não os encarceres nas linhas

de teus pensamentos.

Se pessoas queridas fogem de ti, inconformadas

com a vida em tua casa mental,abençoa-as com

serenidade e continua agindo e servido na execução

dos ideais superiores que abraças.

E se, um dia, te retornarem à convivência,

buscando trabalhar perto de ti, quanto se te faça

possível, abre-lhes os braços; e se te solicitarem a

Meimei

intercessão para que venham a servir noutros

caminhos, não vaciles ajudá-las, afim de que

retomem o esforço de elevação do qual se afastaram

transitoriamente.

Perdão não é apenas uma jóia na boca e sim a

aceitação dos outros, na condição em que ainda se

encontrem, com a sincera disposição de colocar-nos

em lugar deles, não somente para avaliar-lhes a

situação, mas também para sabermos quanto

estimaríamos recolher, na situação dos que erram, a

tolerância da generosidade alheia.

Sigamos o próprio caminho, sem impedir que os

semelhantes escolham estradas diferentes das nossas.

Certa feita, recomendou Jesus ao Apóstolo:

- "Perdoarás não apenas uma vez, mas setenta vezes

sete". Isso quer dizer também que à frente dos nossos

irmãos que nos firam ou nos ofendam, cabe-nos

abençoá-los e auxiliá-los, tantas vezes quantas se

fizerem necessárias.

Tolerância

29

47

O cavalheiro de renome e brilho.

Quarenta e dois dezembros de existência,

Tinha consigo um filho,

Irrequieto rapaz de vinte primaveras...

Viúvo, ele encontrara uma jovem bonita,

De maneiras sinceras,

Com quem se reuniria em casamento...

Mas conduzindo o filho de visita

Ao lar da noiva, em doce entendimento,

Eis que o rapaz por ela se apaixona

E, moço inteligente,

Ante a afeição que lhe transborda à tona

Do coração ardente,

Dá-se, de todo, à treva que o invade...

E, tão astuto quanto desumano,

Friamente executa um lamentável plano

De indescritível crueldade...

Notando, em certo dia, o pai acometido

Por resfriado leve,

Ministra-lhe o rapaz um forte entorpecente,

O genitor caído,

Em tremendo torpor, delira estranhamente,

E, de dose a outra dose, parecia

Mais doente e cansado, a cada novo dia.

O rapaz busca a jovem para vê-lo

E a moça foge amedrontada,

Fitando o descontrole e o desmazelo

Daquele que não mais conseguiria

Conceder-lhe migalha de alegria

Da ventura sonhada...

O resto da ocorrência

Qualquer pessoa pode imaginar:

O fazendeiro se afastou do lar,

Quase que inconsciente,

E, recolhido a um pensionato

Para enfermos da mente,

Muito longe da casa,

Eis que todo o equilíbrio se lhe arrasa,

Ante em texto legal que o destitui

Da regência de tudo o que possui.

O filho conseguira ilhá-lo em supremo desgosto,

O pai tanto reclama e tanto se tortura,

Que apresenta, rebelde e descomposto,

Um quadro indiscutível de loucura.

Drama no

Mundo

Maria Dolores

30

48

Não se descuida o moço...Mês a mês,

Envia ao pensionato o justo numerário

Para o custeio necessário

Das despesas do pai

Que deixara de vez...

Tempo vem, tempo vai

E, ao termo de dois anos,

De pesados e rudes desenganos,

Certa noite, o doente

Abandona a pensão e foge sem destino...

O jovem na cidade interiorana

Finalmente conquista

A ex-noiva do pai que acredita, inocente,

Na morte imaginária

Do homem bom que adorara, ternamente,

Através de uma carta simulada

Que o moço sedutor lhe expõe à vista.

O casal prosperou, vivendo agora

Na metrópole grande, em formosa mansão,

Um filho se lhe fez a base da união

E marido e mulher viviam, de hora à hora,

Em constante alegria...

De lembranças do pai nenhum sinal

Que lhes turvasse a vida

No azul do céu mental...

Festas, viagens, luxo, fantasia...

O menino – seis anos de ternura –

Vive ligado à ama que o não solta,

Ambos sob a atenção de um guarda que os escolta,

Era o garoto um gênio de doçura...

Quase todos os dias,

Quando descia ao paeo ajardinado,

Via a criança um velho embriagado

A sorrir-lhe, por trás das grades de um portão,

- "Uma esmola, meu filho" – ele pedia,

Mostrando o rosto magro em desconsolo.

Ia o menino à ama e, em breve, aparecia,

Trazendo-lhe, feliz, grande porção de bolo.

- "Deus te abençoe, meu anjo!..." – O velho

abençoava.

Curioso, o pequeno perguntava:

- "Onde é que você mora?"

O pedinte dizia: - "Aqui por fora,

Moro no Sítio da Calçada..."

A ama, compreendendo a alusão do mendigo,

Endereçava aos dois um olhar piedoso e amigo,

Sabendo com bondade e simpatia

Que a cena, no outro dia,

Seria renovada.

Certa noite em que os pais se afastaram mais cedo

Para uma longa festa em chácaras distante,

Dois ágeis salteadores

Prendem o guarda num recanto escuro,

Depois, transpondo o muro,

Penetram na mansão...A dupla alcança

49

O aposento onde jaz a tranqüila criança...

A ama é silenciada com mordaça,

O pequeno a gritar, segue sob a ameaça

Das mãos armadas dos seqüestradores;

A dupla arrasta, a esmo, o menino que chora,

Mas, atingindo os três o portão de saída,

Alguém surge com fúria desmedida,

Um homem que se agarra ao pequeno indefeso

Exclama em alta voz: "Sou da policia!...

Sereis mortos, ladrões!... Meu carro aceso

Chegará neste instante..."

Ouvindo aquela voz tonitroante,

Um deles grita ao outro: - "Apage o velho tonto...

Depois, é dar no pé, nosso carro está pronto!..."

Enquanto o homem semi-embriagado

Guarda o pequeno ao lado,

Ouve-se um tiro e o pobre tomba e geme...

Despertaram servidores,

Distanciam-se os dois seqüestradores.

No piso do jardim, faz-se enorme alarido.

A governanta chega...O velho é conhecido,

É o mendigo que ali espera esmola,

O mesmo que a criança alivia e consola...

Nisso o casal regressa à casa.

Um empregado descreve o acontecido...Enquanto a

jovem mãe abraça o filho amado,

O dono da mansão busca ver o ferido,

Depois, grita ao mordomo:

"Temos aqui um herói, um amigo leal,

Ele salvou meu filho, o anjo que conheço...

Quero agora salvar-lhe a vida, a qualquer peço,

No melhor hospital..."

Mas o homem caído

Nele pousou o olhar profundo

E vendo-se a morrer, de segundo a segundo,

Disse, calmo e sereno:

- "Meu filho, agora é tarde...

Se algo posso pedir, guarde o nosso pequeno..."

Depois, como quem vê nas Telas do Invisível,

Acrescentou com a voz a elevar-se de nível:

- "Maria Clara veio... É a despedida...

Devo hoje segui-la em outra vida...'

Ouvindo ali o nome

Da mãezinha que, há muito, falecera,

O dono da mansão, mais pálido que a cera,

Bradou atormentado:

- "Quem é você? Alguém do meu passado?'

O velho sente o fim,

Estirado a gemer, no piso do jardim...

E, no esforço supremo a que se atira,

Diz, ainda, no pranto que lhe cai:

- "Graças aos Céus, cumpri o meu desejo,

Ver você junto a mim é a luz maior que eu vejo...

Deus o abençoe, meu filho!...Eu sou seu pai!..."

50

Nome, favorecendo-lhes a deriva para orgulho e

viciação.

Suplicaram-te possibilidades de vencer a distancia e

o tempo e permitiste-lhes a descoberta de engrenagens

que os transportam facilmente de um pólo a outro da

Terra.

Eles, porém, já conseguem abordar a própria Lua,

sem que muitos deles se disponham a aceitar a mínima

ponte de amor para a comunicação com vizinhos e

amigos, no intuito de auxiliá-los.

Pediram-te providências que lhes suprimissem a dor

e cedeste-lhes os medicamentos de misericórdia, com

os quais se confiam sem preocupação aos tratamentos

de alivio e cura.

Mas muitos deles desencaminham semelhantes

bênçãos, convertendo-as em corredores para a fuga,

anulando os talentos da vida no fogo da leviandade e no

gelo da delinqüência.

Deus de Infinita Sabedoria!

Os homens na Terra e nós outros, os companheiros

de evolução, vinculados ao mundo somos todos irmãos.

As conseqüências dos erros de alguns são as

dificuldades de todos.

Compadece-te de nós e não nos deixes perpetrar o

delito da ingratidão.

Deus de Infinita Bondade!

Perdoa-nos se te pedimos compaixão em favor dos

homens,no Plano Físico.

Eles te solicitaram conhecimento superior e

abriste-lhes escolas.

Entretanto, em se iluminando pela inteligência,

muitos deles apenas procuram destaque dinheiroso

com menosprezo aos seus irmãos.

Rogaram-te liberdade e inspiraste-lhes leis justas e

sábias,com que senhoreassem a independência, em

regime de responsabilidade.

Contudo, muitos deles truncam ou confundem os

textos legais para que os mais fortes se façam

opressores dos mais fracos.

Insistiram contigo para que lhes desses melhores

condições de vida com os familiares e enviaste-lhes os

recursos preciosos ao levantamento de habitações

confortáveis.

No entanto, posseando semelhantes valores, muitos

deles amoleceram na ociosidade e no tédio que se lhes

faz conseqüente, entregando os próprios filhos a mãos

mercenárias pelas quais são orientados fora de Teu

Meimei

Oração

Pelos Homens

31

51

No tempo que se desdobra,

Sem um minuto de sobra

No dia a se recompor,

Entendendo o tempo agora,

Pelos bens de toda hora,

Muito obrigado, Senhor!...

Pelo Sol que envolve o mundo

Pelo chão vivo e fecundo,

Pela fonte, pela flor,

Por toda a amplidão que vejo

Do trabalho benfazejo,

Muito obrigado, Senhor!

Pela fé que me descansa

No regaço da esperança,

Pelas promessas do amor,

Pelo caminho risonho

Do ideal a que me exponho,

Muito obrigado, Senhor!...

Por todas as alegrias,

Ante as bênçãos que me envias

Do Plano Superior,

Pelos problemas e provas

Da senda em que me renovas,

Muito obrigado, Senhor!...

Ação

de

Graças

Maria Dolores